terça-feira, 31 de julho de 2012

A prática da Graça


É fato: não conseguiremos ser santos pelos nossos próprios esforços (Romanos 7:18-19). Eles, tampouco nossas obras, podem nos salvar. Contudo, o Cristianismo consiste em respondermos à Graça que recebemos. E a única resposta que podemos dar é a plena submissão ao processo de santificação.

Matheus Viana

A salvação é pela Graça, mediante a fé (Efésios 2:8). O habitar e a ação do Espírito Santo, o selo de nossa redenção (Efésios 4:30), em nós também são (Evangelho segundo João 1:12). Mas a Graça de Deus não anula o confronto existente entre a santidade e o pecado que “tenazmente nos assedia”. (Hebreus 12:2).

O apóstolo Paulo sugere a seguinte reflexão: “Que diremos, pois? Continuaremos pecando para que a graça de Deus aumente? De maneira nenhuma! Nós, os que morremos para o pecado, como podemos continuar vivendo nele?”. (Romanos 6:1-2). O que Paulo quer dizer é que a Graça de Deus a nós, apesar de nosso imerecimento, deve ser aceita de modo a gerar frutos. Quais frutos? João Batista dá um indício quando preconiza: “Produzi frutos dignos de arrependimento”. (Evangelho segundo Mateus 3:8).

John Wesley conceitua santificação como “um processo de crescimento em graça que começa no momento em que, pela fé, Deus perdoa o pecador arrependido e inicia o processo de sua transformação íntima”. Não seria esta uma síntese do ensino do apóstolo Paulo aos coríntios que diz: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando como por espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória conforme a sua imagem, como pelo Senhor, o Espírito.” (II Coríntios 3:18)?

Claro que sim! Temos o “rosto desvendado” em detrimento da obra de Jesus na cruz do Calvário (Filipenses 2:8). Ao render Seu Espírito, bradou. E este bradar fez com que o véu do Templo se rasgasse de alto a baixo (Evangelho segundo Mateus 27:50-51). A Graça de Deus, manifesta na cruz de Cristo, nos desvendou. Os pecados que nos separavam de Deus (Isaías 59:2) foram extirpados. Este é o ponto de partida.

Portanto, contemplar a “glória do Senhor”, conforme as Escrituras relatam no Antigo Testamento, redunda em morte. No Novo Testamento, Jesus é a demonstração da glória do unigênito do Pai (Evangelho segundo João 1:14). Exatamente. Quando vemos Jesus, na plenitude do que Ele é, através das Escrituras (Evangelho segundo João 5:39), é impossível não querer segui-lo. Ele é o Filho do Deus altíssimo (Evangelho segundo Mateus 16:16). O caminho, a verdade e a vida (Evangelho segundo João 14:6). E muito mais...

Para segui-lo, temos que tomar a nossa cruz (Evangelho segundo Mateus 16:24). Ou seja, nos submetermos ao processo de transformação oriundo da Graça. É fato: não conseguiremos ser santos pelos nossos próprios esforços (Romanos 7:18-19). Eles, tampouco nossas obras, podem nos salvar.

Contudo, o cristianismo consiste em respondermos à Graça que recebemos. E a única resposta que podemos dar é a plena submissão a este processo de santificação. Fazer morrer a nossa natureza pecaminosa (Colossenses 3:5), mortificando os desejos e feitos da carne (Romanos 8:13), não é opcional. Isto implica em conflitos e renúncias. Não é a toa que Jesus, logicamente usando uma linguagem figurativa, elucida: “Se teu olho te faz pecar, arranca-o. Pois é melhor entrar cego de um olho no Reino dos céus do que fazer perecer todo o seu corpo no inferno”. (Evangelho segundo Mateus 5:29).

O Evangelho não dá base para a “teologia da graça barata”. Esta deturpação afirma que a Graça tira de nós toda e qualquer responsabilidade de resistirmos à tentação. “Ele já fez tudo, qualquer esforço humano é vão”, dizem alguns adeptos. Sim, é a ação do Espírito Santo que nos concede a vitória sobre o pecado, mas a renúncia parte de nós. O Espírito Santo nos auxilia em nossas fraquezas (Romanos 8:26). No entanto, optar pela santidade – de modo a nos submetermos à Sua ação – é a nossa parte no relacionamento com Cristo. Uma coisa é receber de Sua Graça. Outra coisa é praticá-la. Este é o desafio do Cristianismo.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Os pacificadores


A paz que Jesus veio estabelecer, como extensão de Seu caráter, é diferente – divergente, em muitos casos – da que conhecemos em nosso senso comum. Ela não será estabelecida enquanto as obras do ‘deus deste século’ cegar o entendimento das pessoas (II Coríntios 4:4).

Matheus Viana

 “Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.” (Evangelho segundo Mateus 5:9).

Viver o Cristianismo consiste em exercer a paz. O escritor da carta aos hebreus preconiza: “Segui a paz com todos e a santificação sem a qual ninguém verá o Senhor”. (Hebreus 12:14). Isso se dá pelo fato de ‘paz’ ser um dos atributos fundamentais do caráter de Jesus, o Cristo. Isaías, acerca dEle, profetizou: “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu, e o governo está sobre os seus ombros e o seu nome será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.” (Isaías 9:6).

Contudo, a paz que Jesus veio estabelecer sobre a terra, como extensão de Seu caráter, é diferente – divergente, em muitos casos – da que conhecemos em nosso senso comum. O próprio Jesus orienta: “Minha paz vos dou, não como o mundo a dá”. (Evangelho segundo João 14:27). O que cria em nós a necessidade de conhecermos a plenitude desta paz. Para isto, utilizemos o método socrático.

Qual a Logos (razão) da paz? Conforme vimos no texto ‘A verdadeira escada do êxito’, Sócrates formulava questões em busca da conceituação completa do objeto de seu pensamento. Pois, para ele, este conceito só seria formado quando descobrisse o propósito e o processo de existência e do funcionamento de tal objeto.

É interessante o fato de o apóstolo João conceituar Jesus como a Logos de Deus quando diz: “No princípio era a Palavra, a Palavra estava com Deus e era Deus.” (Evangelho segundo João 1:1). Em algumas traduções, a expressão usada no lugar de ‘Palavra’ é ‘Verbo’.

Mas a expressão Logos – que aparece no original grego -, conforme o senso comum, não se refere apenas à palavra escrita. João usou esta expressão em virtude da influência que o significado que Sócrates aplicou a ela exercia. Ou seja, Logos é a Palavra viva que gerou a existência de todas as coisas, conforme narrado em Gênesis 1. A Palavra de Deus que executa a ação criadora em virtude do poder que é liberado (Evangelho segundo João 6:63). Podemos então afirmar que Jesus, a Logos de Deus, é a Palavra que gera uma ação criadora ou restauradora (verbo) em virtude do poder liberado para um propósito (razão), oriundo de uma consciência, definido. Logos, portanto, é constituída de ação, poder e razão.

O apóstolo Paulo diz que “Porque dele, por ele, e para ele são todas as coisas.” (Romanos 11:36). Jesus é a ação, o poder e a razão de Deus aos homens. Por isso nossa fé nEle, além de considerar os preceitos ação (atitude) e poder (ação do Espírito Santo), não pode ser desprovida de razão.

Jesus, conforme Ele mesmo afirmou, não veio trazer paz, mas espada (Evangelho segundo Mateus 10:34). Intento paradoxal? Positivo se o seu conceito de paz estiver sob a perspectiva humana. Negativo se estiver sob a perspectiva divina. O apóstolo João revela o intento da encarnação de Jesus: “Para isto se manifestou o filho de Deus, para destruir as obras do maligno”. (I João 3:8). A plenitude de Sua obra depende disto. Foi exatamente o que Ele fez ao suportar e vencer a cruz ao ponto de bradar: “Está consumado!” (Evangelho segundo João 19:30). Não há salvação sem destruição do pecado e de sua consequente maldição. Não há nova vida sem a destruição da velha (II Coríntios 5:17).

Este é o sentido empregado no texto da carta aos hebreus: “Segui a paz com todos e a santificação sem a qual ninguém verá o Senhor”. Não há paz sem santificação. E não há santificação – triunfo da vontade de Deus sobre a humana – sem destruição do pecado, chamado pelo apóstolo Paulo de “obras da carne”. E este só pode ser destruído por meio da cruz. Por isso, Jesus ordena: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, tome cada um a sua cruz e siga-me”. (Evangelho segundo Mateus 16:24). Resumindo: não há paz sem cruz.


Fomos chamados para sermos pacificadores. Fato que consiste em destruirmos as obras do maligno. Não é possível ter paz com Deus vivendo uma vida de pecado. Assim como não é possível a paz entre dois cônjuges quando um deles vive em adultério. A paz de Cristo não será estabelecida na terra (Evangelho segundo Mateus 6:10) enquanto as obras do “deus deste século” cegar o entendimento das pessoas (II Coríntios 4:4). É preciso destruí-las. Esta é a ardente expectativa da criação (Romanos 8:19). Isso mesmo! A manifestação dos filhos de Deus que, conforme Jesus afirmou em Seu sermão da montanha, são estes ‘pacificadores’.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O ‘pneumatos’ de cada dia


Para entendermos um pouco mais o que o apóstolo Paulo quis ensinar no capítulo 8 de sua carta aos romanos, devemos primeiramente compreender o contexto em que ela foi escrita.

Matheus Viana

A expressão grega ‘pneuma’ é utilizada no português como referência ao fôlego humano. Um exemplo é a palavra ‘pneumonia’, usada para nomear a infecção pulmonar que acarreta na queda da capacidade de respiração de um indivíduo.

No entanto, a expressão ‘pneuma’ é traduzida para o português como ‘espírito’. A palavra ‘Espírito’ - com maiúsculo -, que faz referência ao Espírito Santo de Deus, é a tradução da palavra grega ‘pneumatos’ – que aparece, por exemplo, em Atos 1:8 na versão original - para o português.

É interessante quando analisamos a narrativa de Gênesis: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida, e o homem foi feito alma vivente”. (Gênesis 2:7). A palavra ‘formar’, diferente de criar, nos dá a ideia de que algo, neste caso o ser humano, foi feito segundo um padrão, uma forma para ser mais exato. Não é simples semântica.

Deus é um Ser trino. Portanto, o homem foi formado à imagem de Jesus, o Deus que se fez homem (Colossenses 1:15, Evangelho segundo João 1:14). O apóstolo Paulo faz alusão do próprio Jesus como o ‘Segundo Adão’ (I Coríntios 15:45). No final do processo de criação do homem, Deus faz dele uma alma vivente. Ou seja, concede-lhe a capacidade de pensar, sentir, desejar e escolher, a qual Agostinho denomina como livre-arbítrio. Mas há algo fundamental entre o começo e o fim deste processo.

Deus concede ao homem o fôlego de vida. Não se trata de mera capacidade de respirar. Isso mesmo! Deus soprou sobre o homem o ‘pneumatos’. Seu Espírito passou a habitar no homem a partir de então. Que privilégio! Portanto, podemos concluir a anatomia do ser humano antes da queda baseada em Gênesis 2:7: ele é constituído de um corpo, possui uma alma e o Espírito Santo de Deus habita em seu interior.

Sabemos, no entanto, que o homem pecou e cumpriu-se nele a sentença dada previamente por Deus de que no dia em que comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal morreria (Gênesis 2:17). Esta morte é a ausência do Espírito de Deus sobre o homem (Efésios 2:1).

O apóstolo Paulo elucida sobre este fato em um dos trechos mais importantes das Escrituras: o capitulo 8 de sua carta aos romanos. Para entendermos a profundidade – e nunca a totalidade – do que ele quis ensinar, devemos primeiramente compreender o contexto em que esta carta foi escrita, entre os anos 55 e 57 d.C.

O império romano vivia seu auge. Subjugara o vasto império de Alexandre, o grande e também o reino de Israel. Contudo, apesar de seu poderio militar e abrangência política, era um império culturalmente dominado pela filosofia grega, também chamada de helenística.

Um dos sofistas gregos que mais exerceu influencia no pensamento e na cosmovisão dos cidadãos romanos da época foi Platão com sua dicotomia consciência/corpo, entre outros parâmetros filosóficos. Dividiu seu método para obtenção do conhecimento em duas partes: o mundo sensitivo, que faz uso dos sentidos; e o mundo das ideias, que faz uso da razão.

Platão afirmava que o exercício da plena e genuína consciência e a consequente obtenção do conhecimento não eram possíveis através dos sentidos, mas somente pela razão. Acreditava que a alma humana, antes de ser presa pelo cárcere do corpo, pertencia ao mundo das ideias. Afirmava que o ser humano é constituído de razão (consciência) e possui uma alma (presa ao corpo), sempre submissa à razão. Veremos o desdobramento deste pensamento em outros filósofos, como René Descartes, por exemplo, em outra oportunidade.

A alma humana, segundo Platão, divide-se em coragem - a capacidade de lutar - e desejo - referente ao trabalho e aos relacionamentos afetivo e sexual. Vejamos então a anatomia humana em sua visão:

·         Consciência (razão) – região da cabeça
·         Alma (aprisionada pelo corpo):
Coragem (capacidade de lutar) – região do peito e do bíceps
Desejo – (capacidade de sentir e de amar) – região do baixo ventre e dos órgãos genitais

Para Platão, o exercício da razão estava totalmente separado do corpo. Por isso, agir segundo os impulsos da coragem e do desejo representava para ele o total abandono da razão. Este raciocínio vai fundamentar a teologia dos patrísticos nos séculos II a VII, cujo representante mais emblemático é Agostinho de Hipona. É do pensamento platônico - passando pelo estoicismo de Zenão - que vai surgir a teoria cristã da guerra entre o Espírito de Deus, que conduz à santidade, e os feitos da carne (corpo), que conduzem ao pecado. Na tentativa de vencer o desejo do corpo e, consequentemente, o pecado, tornam-se comuns as práticas do ascetismo e, em casos mais extremos, do autoflagelo.

É este drama helênico, fundamentado na experiência, doutrina e razão cristãs, que Paulo utiliza para ilustrar o embate entre a vontade de Deus e a vontade humana. Era a linguagem que os romanos entendiam. Conforme preconiza, os filhos de Deus são guiados a viverem de acordo com o Seu Espírito (Romanos 8:14). Por isso, deve-se mortificar a carne, ou seja, seus desejos e concupiscências (Romanos 8:13), de modo a recebermos de seu ‘pneumatos’ (Romanos 8:11). Pois, assim como Ele ressuscitou a Jesus dentre os mortos, nos ressuscitará para vivermos a Nova Vida que nos foi preparada (II Coríntios 5:17, Evangelho segundo João 10:10).

Continua...


Não deixe de ler o texto Gravidade

quinta-feira, 26 de julho de 2012

No limite da fé


Cerca de 70.000 cristãos estão presos em campos de concentração na Coreia do Norte. Pessoas que compreenderam que o verdadeiro e absoluto milagre é a restauração do relacionamento do homem caído com Deus e da plenitude da salvação que dele emana. É este milagre que pavimenta a afirmação do apóstolo Paulo: “Para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro”.

Matheus Viana

Mais de 70.000 pessoas. Quantidade exorbitante! Mas ela não se refere à membresia de uma denominação evangélica, tampouco à aglomeração de um evento da categoria. Este é o número, segundo informações da International Christian Concern, de cristãos presos em campos de concentração na Coreia do Norte.

Segundo informações do site de notícias americano WND, reproduzidas pelo site de notícias português UCB, a Comunidade Internacional esperava que a sucessão de Kim Jong-Il - morto em dezembro de 2011 - por seu filho Kim Jong-Un mudasse o quadro de severa repressão política e religiosa bem como as restrições a alguns artifícios ocidentais, considerados do “mundo capitalista”, exercidas pelo Estado comunista.

De acordo com o analista da International Christian Concern, Ryan Morgan, o atual governo promoveu alguns avanços no plano econômico, como por exemplo, a permissão para a comercialização de celulares e de alimentos como batatas-fritas e pizzas. Mas em relação às liberdades políticas e religiosas nada mudou.

Morgan cita a afirmação de um recente relatório da Comissão da Liberdade Religiosa Internacional de que o governo norte-coreano lida com a fé cristã como “ameaça potencial à segurança do país”. Este é o principal motivo que o leva, segundo o relatório, a oferecer recompensas para quem denuncia pessoas que possuam ou estejam envolvidas com a distribuição de Bíblias ou qualquer outro tipo de literatura cristã. Crime que pode ter como pena a prisão perpétua ou a morte.

Representante da Portas Abertas, instituição que fornece apoio para cristãos perseguidos em todo o mundo, informa que “... pelo menos 25% dos cristãos estão definhando em campos de trabalho forçados porque se recusaram a adorar o fundador da Coreia do Norte, Kim II-Sung [avô do atual líder]. Qualquer forma de adoração a outra pessoa além do ‘Grande Líder’ (Kim II-Sung) e do “líder supremo” (Kim Jong-Il) é visto como traição. Cristãos norte-coreanos são frequentemente presos, torturados ou até mortos por sua fé em Jesus Cristo. Metade da população vive no norte, perto da China, onde existe a maior rede de igrejas subterrâneas. Em todo o país, cerca de dez milhões de habitantes estão desnutridos, com milhares de pessoas sobrevivendo apenas comendo grama e cascas de árvore”.

No limite da fé. Realidade completamente destoante com a vivida no mundo ocidental. Devido à liberdade política e religiosa que desfrutamos, o Evangelho propagado em nosso “admirável novo mundo” resume-se ao ufanismo do milagre ou ao triunfalismo da teologia da prosperidade. Resumindo, a prática de uma fé que não requer dificuldades, lutas e riscos. Elementos considerados anátemas.

No entanto, a fé exercida pelos cristãos na Coreia do Norte, na China e em outros países de Estados comunistas ou islâmicos é exatamente a descrita no capítulo 11 da carta aos hebreus. Pessoas que compreenderam que o verdadeiro e absoluto milagre é a restauração do relacionamento do homem caído com Deus e da plenitude da salvação que dele emana. É este milagre, que também podemos chamar de prosperidade, que pavimenta a afirmação do apóstolo Paulo: “Para mim o viver é Cristo, e o morrer é lucro”. (Filipenses 1:21).


Afirmação contraditória, você não acha? Jesus veio para nos dar vida, e vida em abundância (Evangelho segundo João 10:10). Este argumento bíblico é verdadeiro. Porém, interpretado de modo equivocado. Não é o mosaico de "bênçãos", como por exemplo, a cura física, a ascensão sócio-econômica, entre outros, ainda que aconteçam na vida de um indivíduo, a essência da vida abundante que a fé em Cristo nos proporciona. Os Cristãos norte-coreanos são exemplos vivos deste fato.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Gravidade


Quando recebemos a Jesus, um processo de restauração se inicia. Mas a ‘gravidade’ quer, a todo custo, impedi-lo. Por isso, lutar contra ela, com uma postura plenamente cristã, é determinante.

Matheus Viana

“A gravidade está me puxando, mas o céu está me chamando”. Martin Smith, ex-vocalista do 'Delirious?'.

Este refrão da canção Gravity, do extinto grupo musical britânico ‘Delirious?’ (Álbum - Mezzamorphis, 1999), retrata de forma precisa o drama humano. Na medida em que nossa mente é renovada, de modo a vivermos a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (Romanos 12:2), ele se intensifica.

Mas em que este drama consiste? No conflito entre as vontades de Deus e a humana, a qual o apóstolo Paulo nomeia de ‘obras da carne’. Conforme preconiza o apóstolo Tiago, “cada um é tentado por sua própria cobiça”. (Tiago 1:14). Tentado a quê? A pecar. Ou seja, errar o alvo proposto por Deus ao ser humano desde a eternidade.

Tiago continua o trecho de sua carta dizendo que o pecado, uma vez concebido, gera a morte (thanatos) que se refere ao distanciamento do homem para com Deus. É neste mote que o apóstolo Paulo preconiza que estávamos mortos em nossos delitos e pecados (Efésios 2:1). Gravidade. O mundo está dominado por ela. Não apenas no campo da física, mas também no da razão. Falaremos sobre isto em outra oportunidade.

Em meu corpo, acometido por uma severa deformidade óssea, opera uma espécie de gravidade. O processo de deformação não cessou. Por isso, me posiciono – com minhas posturas corporais - contra a gravidade que tenta deformar ainda mais o meu corpo. Neste embate, a dor que sinto em alguns momentos beira o insuportável. O absurdo desconforto é inevitável.

Mas confesso que há situações em que, como forma de aplacar a dor, acabo sucumbindo à deformação de modo a me conformar com ela. A gravidade vence. No entanto, quando me lembro dos malefícios que ela comete em meu corpo, me disponho a sentir dor e me posicionar contrário a ela.

A ‘gravidade’ chamada pecado, oriunda da vontade humana que preteriu a vontade de Deus, deformou o ser humano fazendo-o perder a imagem do Criador com a qual fora formado. Quando recebemos a Jesus e, consequentemente, o Espírito Santo (Evangelho segundo João 1:12), um processo de restauração se inicia. Mas a ‘gravidade’ quer, a todo custo, impedi-lo. Por isso, lutar contra ela, com uma postura plenamente cristã, é determinante.

Se submeter à vontade de Deus causa dor em nossa carne. Negar este fato é negar o Cristianismo. Não é a toa que o próprio Jesus declarou: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, tome cada um a sua cruz e siga-me”. (Evangelho segundo Mateus 16:24).

Cruz. Lugar de vitória. Mas também de dor, de sofrimento e de renúncia. Sem ela não podemos segui-Lo. Sim, Jesus realizou a obra magna e absoluta que nenhum ser humano foi ou será capaz de realizar. Seu sacrifício redentor é insubstituível. Somos justificados e salvos pela Graça (I João 4:10). Mas a Graça de Deus sobre nós tem um elemento crucial: cruz. E, conforme Jesus ordenou: “tome cada um a sua cruz”.

Esta ‘cruz’ nada mais é do que a plena submissão à vontade de Deus. A cruz que Jesus tomou sobre si, além de estar predestinada desde a eternidade (Apocalipse 13:8), foi produto da oração - e ação - de renúncia feita por Ele: “Pai, se possível, afaste de mim este cálice. Mas não seja conforme quero, mas como tu queres”. (Evangelho segundo Mateus 26:39).

Jesus, como homem, enfrentou de perto esta ‘gravidade’. Viveu o drama humano e não sucumbiu em nenhum momento (I Pedro 1:22, Hebreus 4:15). Por isso tem toda a autoridade de interceder por nós (Romanos 8:34, Hebreus 7:25). Embora a essência de Jesus fosse santa, por ser gerado pelo Espírito Santo, como homem estava suscetível à ‘gravidade’ da vontade humana de desejar e cometer pecados. A Bíblia é clara em dizer que Ele foi tentado em todas as coisas. Mas não deixou que a ‘gravidade’ exercesse poder sobre Sua vida. Sofreu toda a dor, e muito mais, que um ser humano pode sentir.


Se Jesus pôde vencer a ‘gravidade’, nós também, pela ação do Espírito Santo (Romanos 8:14), podemos. Em tudo somos mais do que vencedores  por meio daquele que nos amou (Romanos 8:37). Portanto, vencer a ‘gravidade’ é produto deste amor inexplicável.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Miserável homem que sou


É intrigante a afirmação “... o que faço não é o bem que desejo. Mas o mal que não quero, esse eu faço.” (Romanos 7:19 – Nova Versão Internacional). Vemos aqui duas premissas distintas, porém coesas: desejo e ação. Note que Paulo fala da capacidade humana de desejar sem, contudo, ocultar a incapacidade de agir segundo o desejo.

Matheus Viana

Miserável homem que sou! Constatação feita por um dos mais importantes personagens do Novo Testamento bíblico. Ninguém mais, ninguém menos do que o apóstolo Paulo.

Faço uso deste diagnóstico e o aplico a mim. Afirmo sem pestanejar: sou mais miserável do que ele. Toda a carta de Paulo aos romanos é fantástica. Mas o capítulo 7 merece atenção especial. Nele, Paulo elucida sobre a luta que enfrentamos contra o pecado que habita em nossa carne (Romanos 7:18).

É intrigante a afirmação “... o que faço não é o bem que desejo. Mas o mal que não quero, esse eu faço.” (Romanos 7:19 – Nova Versão Internacional). Vemos aqui duas premissas distintas, porém coesas: desejo e ação. Note que Paulo fala da capacidade humana de desejar sem, contudo, ocultar a incapacidade de agir segundo o desejo.

É possível que tenhamos, no íntimo de nosso ser, prazer na vontade de Deus de modo a desejarmos cumpri-la (Romanos 7:22). No entanto, por conta de nossa natureza pecaminosa (Colossenses 3:5), não somos capazes de realizá-la por nós mesmos. Não é só o nosso íntimo (alma) que, conforme Paulo afirma, pode desejar realizar a vontade de Deus. Com a nossa mente (intelecto), podemos ser servos dela (Romanos 7:25). Contudo, a carne (físico) sempre nos fará escravos do pecado.

Qual a implicação prática de tudo isso? Que a nossa carne deve ser sujeita, a fim de que nossas ações sejam por ela determinada, por uma psique (alma/mente) submissa à vontade de Deus. É por isso que o Paulo adverte: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” (Romanos 12:1).

Portanto, o processo de santificação – que testifica o exercício do Cristianismo genuíno – implica em sentir o que Jesus sente (Filipenses 2:5) e pensar segundo Ele (I Coríntios 2:16). Isso é evangelismo! Seremos propagadores (evangelistas) na medida em que primeiramente formos alvos. Caso contrário, a mensagem (Evangelho) disseminada não será genuína. O que comprometerá o crescimento do Cristianismo – no tocante ao caráter – e o consequente estabelecimento do Reino de Deus sobre a terra.

Mediante tudo isso, devemos compreender algo chamado ‘epistemologia’, que é a teoria do conhecimento, sobre Deus, sobre nós e sobre o mundo em que vivemos. Platão, em seu método de pensamento, dividiu o conhecimento em duas partes: doxa (opinião) e epísteme (científico). 

O conhecimento com que Deus deseja ser conhecido por nós, e também o que precisamos obter, não é mera opinião (doxa) sobre quem Ele é. Mas o conhecimento (epísteme) de Sua personalidade e essência. O qual obteremos na medida em que O adorarmos (relacionamento) em Espírito e em verdade (Evangelho segundo João 4:24). Ou seja, quando permitirmos que o Espírito Santo, através das Escrituras (O Evangelho de Jesus Cristo), transforme a nossa alma e mente. A mudança radical de atitude (carne) será inevitável.

Sobre Deus, precisamos observar a ordem de Jesus: “Examinais as escrituras, pois elas de mim testificam”. (Evangelho segundo João 5:39). Sim, o conhecimento de Deus é algo, sobretudo, espiritual. Mas, conforme Jesus afirmou, o Espírito Santo nos lembrará de Seus ensinamentos (Evangelho segundo João 14:26). Um processo que se origina no Espírito e alcança o nosso intelecto. Sobre o homem, há várias ciências para este fim: a biologia (físico), a antropologia (espécie), a psicologia (alma/mente) e a filosofia (razão de ser e de existir). No entanto, todas elas são vagas sem o conhecimento primário de quem Deus é. Pois fomos formados à Sua imagem e conforme a Sua semelhança.

Assim, na medida em que descobrimos quem Deus é, descobrimos, consequentemente, quem somos. Se Deus é santo, somos santos (I Pedro 1:15). Não pelos nossos esforços, mas por Sua graça manifesta através da cruz (Romanos 5:8) e reverberada por Sua Palavra – através do Espírito – em nossa alma e mente, de modo que nossa carne não seja mais escrava do pecado, mas serva da vontade (santidade) de Deus.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Simplesmente excelente


Jesus manifestou a excelência de Deus da maneira mais simples possível. Renunciou toda Sua glória e Se tornou semelhante aos homens (Filipenses 2:6-7). Não tinha sequer um lugar onde reclinar a cabeça (Evangelho segundo Mateus 8:20).

Matheus Viana

Jesus é a imagem do Deus invisível (Colossenses 1:15). É a encarnação da excelência de Deus (Evangelho segundo João 1:14). Interessante a expressão que João utiliza em seu relato: “vimos a sua glória, glória como a do unigênito do Pai”.


A expressão grega que aparece no texto é dózan, que se refere ao brilho ou majestade de algo ou alguém, como por exemplo, o sol. Contudo, para registrar tal descrição, ainda que tenha usado o termo grego, o autor utilizou os conceitos judaicos de Glória divina. Há duas expressões no hebraico traduzidas como glória no português: shekinah e kabod. Shekinah traz a ideia de resplendor, de brilho; e kabod a de peso, majestade, autoridade. Sintetizando-os, podemos definir parte da excelência que Deus é em essência e que Jesus manifestou conforme o relato de João.

Excelência. Tema atualmente em voga. Explorado à exaustão com um caráter pavimentado pelo mote da teologia da prosperidade que preconiza, grosso modo, que o cristão enfermo ou pobre está em pecado ou não exerce fé suficiente para ser próspero. Ou seja, excelência, segundo esta vertente, consiste em ser abastado – sobretudo economicamente – e saudável fisicamente.

Mas, na contramão, Jesus manifestou a excelência de Deus da maneira mais simples possível. Renunciou toda Sua glória e Se tornou semelhante aos homens (Filipenses 2:6-8). Não tinha sequer um lugar onde reclinar a cabeça (Evangelho segundo Mateus 8:20). Nasceu em uma manjedoura. Isso mesmo! Seu primeiro quarto foi o de um animal. Não nasceu em um grande centro. Nasceu em uma pequena cidade chamada Belém, e viveu numa menor ainda chamada Nazaré da Galiléia.

Até os 30 anos, idade em que um judeu era considerado cidadão e que Jesus iniciou Seu ministério, trabalhou como carpinteiro. Ofício nada nobre. Há indícios e teorias sobre a nobreza das roupas que Jesus usava por serem vestes sacerdotais. Fato que reforça esta tese é o dos soldados romanos terem tirado sorte por elas (Evangelho segundo Mateus 27:35). Mas as Escrituras não fornecem detalhes precisos sobre esta nobreza.

Concluindo, nos fatores físico e social, Jesus foi uma pessoa comum. Sua simplicidade incomodou a cúpula religiosa de Sua época. E mais, ela impediu, de certa forma, Seu povo de crer que era o Messias prometido. Como pode ser o filho de um carpinteiro o Messias que há de vir?”. (Conf. Evangelho segundo Lucas 4:22). Esta simplicidade também foi Seu passaporte para a cruz. Pois, um dos motivos de ser preterido em detrimento de Barrabás foi a “blasfêmia” de se dizer o Filho de Deus sendo um sujeito tão comum. (Não deixe de conferir o texto 'A cruz da personalidade').

Jesus manifestou a excelência de Deus, “a glória como a do unigênito do pai”, em palavras e atitudes. Ou seja, através de Seu ‘fazer e ensinar’. Ao ouvirem Jesus, duas opções surgiam: ficarem maravilhados com tamanha sabedoria, ou se tornarem oposição por serem confrontados com Suas verdades penetrantes, contundentes e inquestionáveis. A veracidade de Seu discurso era Sua conduta. O testemunho irrepreensível as testificava (Evangelho segundo Mateus 7:28-29).

A ardente expectativa da criação que, conforme o apóstolo Paulo afirma, aguarda a manifestação dos filhos de Deus (Romanos 8:19), não anseia pela abordagem de pessoas ostentadoras e triunfalistas – conotações magnas de ‘prosperidade’ e ‘excelência’, respectivamente. Mas por pessoas íntegras. Dispostas a renunciar aquilo que têm – ainda que seja pouco – para ajudar ao próximo.


Essa era a ‘excelência’ vivida pelos cristãos primitivos. E não havia como ser diferente. Pois eles não seguiam “teologias” humanas, pautadas no conceito humanista de autoajuda. Mas perseveravam na doutrina dos apóstolos (Atos 2:42) que, por sua vez, seguiam a excelência do “unigênito do Pai”. Daquele que foi simplesmente excelente.

terça-feira, 10 de julho de 2012

O evangelho pós-moderno

A transformação que o ‘evangelho pós-moderno’ tem difundido é apenas exterior. No entanto, a que Jesus deseja realizar em nós, através de Seu sobrenatural, é interior para depois refletir no exterior.

Matheus Viana

Algo sobre a qual devemos nos debruçar é o conceito do amor incondicional de Deus ao ser humano. Sim, Ele nos ama da maneira que somos e nos recebe em Sua santíssima presença em virtude do precioso sangue de Jesus ter sido derramado em nosso favor. Portanto, pautado neste amor, está a nossa transformação.

Paulo é explícito ao orientar: “Aquele que está em Cristo nova criatura é”. (II Coríntios 5:17). Esta transformação não é instantânea. É paulatina, processual, de Glória em Glória (II Coríntios 3:18). Resumindo, a salvação de Deus ao homem consiste em transformação. É exatamente este o elemento que tem sofrido uma severa relativização. O que tem causado a deturpação no caráter do Evangelho.

A transformação que o ‘evangelho pós-moderno’ tem difundido é apenas exterior. “Venha para Jesus e o milagre que você tanto espera será realizado. Sua cura física se manifestará e sua vida social e financeira terá um considerável ‘up grade’. Venha para a campanha dos milagres e sua vida nunca mais será a mesma”. Isso mesmo! O Evangelho da cruz tem sido reduzido ao ‘evangelho autoajuda’.

Apenas para constatar, o conceito de autoajuda, como a própria semântica da expressão já diz, trata-se de uma nomenclatura “politicamente correta” para egoísmo. Uma das necessidades básicas do ser humano, segundo o psicólogo Abraham Maslow, é o relacionamento social. Para desfrutarmos de um relacionamento social e afetivo satisfatório, o elemento ‘amor’ – em suas diversas vertentes - deve estar presente.

Jesus, sintetizando toda a Lei e os Profetas, disse certa vez: “Amarás o Senhor seu Deus de todo coração, de toda alma e de todo entendimento. E o outro semelhante a este é: amarás o teu próximo como a ti mesmo”. (Evangelho segundo Mateus 22:37 e 39). Vemos então que o amor se dá em três níveis: a Deus, ao próximo e, em último lugar, a si mesmo. Foi esta tríade, exatamente nesta ordem, que pavimentou a obra de Jesus na cruz.

O exercício da autoajuda, no entanto, inverte esta ordem. Em muitos casos, o amor a Deus e ao próximo nem são cogitados. Baseado no “prazer a qualquer custo” de Epicuro, o meu bem-estar é o que importa. Comportamento chamado pela psicologia de egocêntrico. É este, infelizmente, o caráter que fundamenta o evangelho pós-moderno. Jesus não passa de mero instrumento para a transformação exterior – o dito milagre ou transformação - a fim de que esta necessidade de autoajuda seja suprida.

Ao meditarmos nas Sagradas Escrituras, vemos que a transformação que o Evangelho de Jesus realiza é interior e reflete no exterior. Ou seja, a cura física, a restauração familiar, a obtenção de um emprego e a ascensão social são resultados, e não as causas. A mulher siro-fenícia provou da libertação sobrenatural em sua filha por ter seu coração transformado pelo quebrantamento. Seu orgulho foi provado até as últimas consequências (Evangelho segundo Mateus 15:21-28). Na contramão, muitos em nossos dias abandonam a fé por um tratamento - leia-se discipulado -  muito menos severo. Se o milagre exterior não acontece, não há motivo para se relacionar com Deus.

O filho pródigo, conforme vimos no texto anterior (A verdadeira “escada do êxito"), saiu do caos ao qual vivia por nutrir a consciência – algo interior – de que não poderia viver longe da presença de seu pai. Sim, apenas ele poderia oferecer vida abundante. Acho interessante a fala do jovem ao pai: “Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus servos”. (Evangelho segundo Lucas 15:19).

Quanta diferença! Templos evangélicos estão lotados de pessoas buscando – e muitas vezes exigindo – o milagre exterior. E o que é pior, este tipo de desejo é fomentado nos púlpitos. O arrependimento do filho pródigo e sua consequente conversão foram ações resultantes da transformação interior que experimentou. Ao chegar ao seu pai, sem lhe exigir nada – importante que se diga -, recebeu roupas novas. Isso fala de justificação. Recebeu um anel, símbolo de que era pertencente à família de seu pai.

O apóstolo Paulo ensina que o Espírito Santo é o selo de nossa redenção (Efésios 4:30). É Ele que testifica de que somos filhos de Deus e nos faz co-herdeiros, com Cristo Jesus, de Sua vida abundante em todas as áreas (Romanos 8:16-17). Esse é o maior milagre que alguém pode receber: o Espírito Santo, a essência do próprio Deus, habitando em nós (I Coríntios 3:16).

Além de roupas novas e um anel, o filho pródigo também recebeu sandálias novas. Transformação consiste em um novo caminhar. Muitos recebem o milagre e têm suas vidas mudadas, mas ainda continuam trilhando caminhos contrários aos de Deus. Uma cura física, por si só, não tem o poder de conversão. É possível alguém ser curado e ainda permanecer em pecado – errando o alvo. Fato que permeia a atual realidade da Igreja.

Que nos arrependamos a fim de desvencilharmos deste evangelho pós-moderno e convertermos de nossos caminhos. Corramos a carreira que nos está proposta: a transformação interior, a fim de que atinja o nosso exterior e todos ao nosso redor saibam que Jesus não apenas cura ou prospera, mas salva e faz do indivíduo nova criatura (Hebreus 12:1). Muito mais do que isto. O faz ser e viver à imagem e conforme à semelhança de Jesus Cristo (Romanos 8:29, Filipenses 4:13). Esse é o alvo que a transformação oriunda da Graça incondicional quer nos conduzir. 

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A verdadeira “escada do êxito”


Arrependimento, conversão, nova vida em Cristo. O filho pródigo não voltou para casa em busca de um milagre. Não reivindicou absolutamente nada. Foi convencido, por um coração quebrantado, de que não poderia viver distante de seu pai.

Matheus Viana

Devido à dinâmica e ao frenesi de uma sociedade globalizada – desdobramento da revolução industrial do século XIX e também da revolução científica e tecnológica vigente – surgem, com cada vez mais frequência, métodos pragmáticos de comportamentos e ações. E isso se dá em todas as áreas da vida humana. Três passos para isso, quatro para aquilo... Enfim. Estamos diante de um verdadeiro “taylorismo” moderno.

Esta espécie de fenômeno social alcançou o Evangelho. Sim, temos nos deparado com um cristianismo cada vez mais pragmático e limitado por métodos e estratégias. Os que não se adéquam a ele correm o risco de serem considerados blasfemos, à semelhança de Jesus, pela cúpula religiosa de sua época, quando veio estabelecer a reforma no relacionamento do homem para com Deus onde seria livre do jugo da Lei para viver a plenitude da Graça divina.

Há anos tenho ouvido a respeito de uma determinada “escada do êxito” que tem servido de fundamento para a prática do cristianismo: ganhar, consolidar, discipular e enviar. Isso mesmo! Para alguns, esses quatro passos são a metodologia suprema que define as nossas ações como cristãos. Mas quando meditamos, de maneira acurada, nas Sagradas Escrituras, pautados na liberdade que Jesus estabeleceu a nós através da doutrina dos apóstolos e dos profetas (Evangelho segundo João 8:32, Efésios 2:20-21) - e da pluralidade ministerial que ela gera - vemos que não é bem assim.

A saga do filho pródigo, relatada por Jesus através de uma parábola (Evangelho segundo Lucas 15:11-32), é uma representação lúdica de nossa jornada no tocante ao relacionamento com Deus. Antes, portanto, de falarmos sobre as ações do filho pródigo a fim de analisarmos os degraus desta “escada”, precisamos meditar sobre o significado de ‘êxito’.

Ao estudarmos sobre a história da filosofia, vemos que Sócrates (470-399 a.C) foi um dos principais personagens clássicos que empreenderam o modo de pensar que exerceu influência nos tempos bíblicos e, de certa forma, ainda exerce no mundo ocidental. Seu método de obtenção do conhecimento consiste na Ironia (em grego, perguntar), depois na Maiêutica (parto), onde dizia que as perguntas davam à luz a novas ideias cujo intento era sempre encontrar o conceito do objeto de seu pensamento. Sócrates foi responsável por dar um novo significado à expressão Logos – palavra, razão - que surgira com os adventos da cosmologia, vista sob o prisma do physis, que substituiu a cosmogonia que marcou a era mítica; e da escrita juntamente com a formação da Pólis (cidade/estado) e a democracia ateniense entre os séculos VIII e VI a.C.

Ao questionar “Qual a logos de justiça?”, Sócrates queria chegar ao conhecimento do que é, de fato, a justiça e qual a razão de sua existência. Pois, para ele, a justiça só poderia ser aplicada ao povo, de modo a beneficiá-lo, se seu conceito fosse plenamente definido e conhecido.

Mas, devido aos pensadores pós-socráticos, entre eles Soren Kierkegaard, considerado o pai do existencialismo cristão que contrapôs o liberalismo teológico, a Logos deu lugar ao relativismo dos absolutos por se derivar da dialética hegeliana. O que fez com que cada um interpretasse certos aspectos sociais e morais à sua maneira. E a expressão ‘êxito’ também foi atingida por esta mutação. Consequentemente, surgem os métodos para alcançá-lo de acordo com as interpretações existentes, ignorando o fato de que cada indivíduo possui uma personalidade. Ou seja, nenhum ser humano é, em sua essência, igual ao outro por ter sido criado por um Deus de multiforme sabedoria (Efésios 3:10). Portanto, uma pessoa age de forma diferente de outra.

O que é êxito para os homens nem sempre é êxito para Deus. Para muitos, o êxito é a riqueza. No entanto, para Jesus este “êxito” pode impedir alguém de herdar o Reino dos Céus (Evangelho segundo Lucas 18:25). No episódio do jovem rico, o êxito proposto a ele por Jesus era de abandonar as riquezas. Completamente o oposto do que é êxito para muitos, inclusive para o mancebo. Depois de avaliar, preferiu as riquezas ao invés de abandoná-las e seguir a Jesus.

Se o pecado foi o ato que levou o homem à queda e trouxe a morte a todos os homens (Romanos 5:12), e seu significado é ‘errar o alvo’, podemos concluir que o verdadeiro êxito é abandonarmos nossos caminhos e seguirmos rumo ao alvo que um dia o homem errou. Ou seja, renovarmos a nossa mente para vivermos a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (Romanos 12:2). Não há êxito maior do que este. É por isso que o apóstolo Paulo preconizou: “Prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”. (Filipenses 3:14).

Foi exatamente isso que o filho pródigo fez. Ele errou o alvo quando pediu sua parte na herança e abandonou o seio familiar em detrimento das agruras do mundo. Idealizou um êxito e o perseguiu. Mas o lugar para onde foi conduzido não foi nada bom. Chegou ao ápice da degradação humana: desejou se alimentar de comidas de porcos. E isso o fez se lembrar do verdadeiro êxito: viver na presença e na casa de seu pai.

Por isso galgou a verdadeira escada do êxito: arrependimento, conversão e nova vida em Cristo. Ao se deparar com a subvida ao qual estava submetido, disse: “Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti”. (Evangelho segundo Lucas 15:18). Depois se levantou, “foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se ao pescoço e o beijou.” (Evangelho segundo Lucas 15:20). E, consequentemente, passou a viver a vida abundante que somente seu pai poderia lhe oferecer. “Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa; e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão, e alparcas nos pés”. (Evangelho segundo Lucas 15:22). Falaremos sobre estes três aspectos em outra oportunidade...

O filho pródigo não voltou para casa em busca de um milagre. Não reivindicou absolutamente nada. Foi convencido, por um coração quebrantado, de que não poderia viver distante de seu pai. Arrependido, converteu-se do caminho equivocado que trilhava, o de independência para provar dos prazeres do mundo. Esses são os elementos que o verdadeiro Evangelho gera na vida de uma pessoa. Mas, para isso, ele deve ser pregado.

Infelizmente, o evangelho (ouso chamá-lo de pseudo, devido às circunstâncias) atualmente propagado preza o triunfalismo e o “êxito” humano. Ignora que a salvação implica em renúncia e cruz (Evangelho segundo Mateus 16:24), elementos nada bons para o nosso ego. Sim, Jesus tem vida abundante para todo aquele que Nele crê (Evangelho segundo João 10:10). Mas, em muitos casos, ela se manifestará diferentemente do que esperamos. Se Jesus diz que no mundo teremos aflições (Evangelho segundo João 16:33), é porque enfrentaremos situações difíceis. Mas Ele estará conosco. Portanto, nada disso pode ter o poder de nos afastar Dele. Se o milagre esperado não se manifestar no tempo e da maneira que você espera, saiba que Jesus já realizou o maior milagre de todos: o de sua salvação!

terça-feira, 3 de julho de 2012

Um ciclo contínuo

A verdade de que o homem não viverá a vida abundante que deseja enquanto estiver distante de seu Criador tem sido relativizada a todo custo. E, infelizmente, o coração de muitos tem sido inflamado desta distorção. Consequentemente, estes a reproduzem através da fala.

Matheus Viana

Jesus disse certa vez: “A boca fala do que está cheio o coração”. (Evangelho segundo Mateus 15:18). Afirmação com vários sentidos. Seu pano de fundo foi o fato de que o que contamina o homem não é o que entra, mas o que sai. Ou seja, a nocividade - efeito colateral - de uma sentença pode ser mais poderosa do que a de um alimento contaminado.

As palavras têm o poder de atingir as emoções e, consequentemente, a personalidade de uma pessoa. E isso pode desencadear uma somatização - quando o físico reflete uma psicopatia. Já a contaminação de um alimento, ainda que seja fatal, atinge apenas o físico.

Uma das principais linguagens de comunicação entre os humanos é a verbal, ou seja, a fala. O filósofo francês Georges Gusdorf, em seu livro A fala, afirma que por ser o homem um ser que fala, a palavra é a senha de entrada no mundo humano. Portanto, lembrando que uma das necessidades cruciais que temos é o relacionamento social e afetivo, a fala é uma ferramenta usada para expressar tanto os nossos pensamentos quanto os nossos sentimentos neste processo.

Como sabemos, o pensamento, em consonância com as emoções, determina o nosso comportamento. Isso mesmo: agimos de acordo com o que pensamos e sentimos. A fala, além de uma linguagem, é uma ação. Ela pode influenciar o modo de pensar, sentir e, consequentemente, agir de uma ou mais pessoas. Temos aqui, portanto, um ciclo: pensamos, sentimos e falamos. Falamos, outros ouvem e aquilo que ouvem determina, de certa forma, a maneira de pensarem, sentirem e agirem.

A questão inicial é: do que está cheio o nosso coração? Mais do que conter um caráter de advertência, ela possui um caráter de zelo. O sábio Salomão preconiza: “De todas as coisas que deves guardar, guardas o coração, pois dele procedem as fontes da vida”. (Provérbios 4:23). O sentido bíblico de ‘coração’ pode ser interpretado como o âmago do ser humano. É neste mote que Jesus repete o mandamento mosaico: “Amarás o Senhor Deus de todo coração, de toda alma e com todo o entendimento”. (Evangelho segundo Mateus 22:37).

Sabemos que o âmago, ou seja, a personalidade de um indivíduo é moldada por suas experiências de vida. Somos produtos daquilo que vivemos. Apesar desta verdade ser a atual, ela não é a original. O ser humano vive de acordo com aquilo que é. O homem, antes da queda, vivia à imagem e à semelhança de Seu Criador porque fora formado de tal modo, ou seja, ele era (Gênesis 2:7). Sua personalidade plena era composta destes dois atributos divinos. Mas a queda inverteu este processo. O homem provou da amarga experiência do pecado (errar o alvo) e passou, a partir de então, a viver pautado por ela.

O que levou Eva a pecar foi o fato de não ter guardado o seu coração. A fala ardilosa de Satanás, travestido de serpente, o inflamou de desejo por algo ilícito. O que saiu da boca do adversário contaminou o coração de Eva e, posteriormente, o de Adão. Por isso, passou a pensar de maneira incoerente ao intelecto imaculado de outrora. Seu sentimento foi acometido pela cobiça e sua consequente ação culminou em morte. Por isso o apóstolo Paulo afirma em sua carta aos romanos: “Por um homem entrou o pecado, e pelo pecado a morte, e a morte passou a todos os homens”. (Romanos 5:12).

Onde está o nosso coração? Do que ele tem se alimentado? O que tem saído de nossos lábios? Os meios de comunicação são peritos em disseminar determinadas ideologias, como se cada uma delas fosse a mais absoluta verdade. No entanto, a própria noção de verdade neste contexto é contraditória, já que vivemos em uma sociedade pautada pelo relativismo oriundo da dialética do filósofo alemão Georg Friedrich Hegel (1770-1831). Para Hegel, a verdade, grosso modo, depende da perspectiva a qual a analisamos. Ou seja, não há absolutos. Sem absolutos, não há verdade. 


O primeiro alvo que Satanás acertou com sua fala foi a relativização da verdade de que Eva morreria – deixaria de ser eterna por ser criada à imagem e à semelhança de Deus – se comesse do fruto proibido (Gênesis 2:17, 3:4). A estratégia não mudou. A verdade de que o homem não viverá a vida abundante que deseja enquanto estiver distante de seu Criador tem sido relativizada a todo custo. E, infelizmente, o coração de muitos tem sido inflamado desta distorção. Consequentemente, estes a reproduzem através da fala. Um ciclo contínuo.