quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Ensaios sobre a felicidade

Parte I - A ética da felicidade

Matheus Viana

Aristóteles afirmou em seu livro Ética a Nicômaco que todas as ações humanas, provenientes de suas escolhas, visam um bem. Por isso, para ele, o sentido da vida está no conhecimento e alcance deste bem. Esta dedução o levou a indagar: “Não terá o conhecimento deste bem, então, grande influência sobre a nossa vida?”1. Diante disso, surge a questão: que bem é este?

É consenso que, independente dos propósitos primários de nossas escolhas e ações, visamos, através deles, alcançar a felicidade, seja no presente ou no futuro. Portanto, não há como negar: este bem é a felicidade. Aristóteles chegou a esta conclusão: “... pois tanto o vulgo como os homens de cultura superior dizem que esse bem supremo é a felicidade e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz; porém, divergem a respeito do que é a felicidade.” 2.

Conclusão seguida de uma questão: o que é felicidade? Aristóteles elucida: “A maioria das pessoas pensa que se trata de alguma coisa simples e óbvia, como o prazer, a riqueza ou as honras, embora também discordem entre si; e muitas vezes o mesmo homem a identifica com diferentes coisas, dependendo das circunstâncias: com a saúde quando está doente e com a riqueza quando está pobre. Cônscios, porém, da própria ignorância, admiram aqueles que propõem algum ideal grandioso e inacessível à sua compreensão.”3.

Por mais que tentemos, não conseguiremos chegar numa definição única e consensual. Felicidade, na perspectiva humana, é determinada pelas circunstâncias que vivemos ou que projetamos como ideal. Nem as Escrituras definem o que é a felicidade. Definem apenas a ética que o ser humano deve seguir para ser verdadeiramente feliz. Vemos, por exemplo, Davi declarando: “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor.” (Salmos 33:12). Por sua vez, Salomão também elucida: “Feliz o homem que confia no Senhor.” (Provérbios 16:20). Jesus, em seu Sermão da Montanha, falou sobre esta ética. Agostinho, em seu livro Confissões, registrou: “Quando te procuro, ó Deus, estou à procura da felicidade”.4.

Já no primeiro salmo, encontramos o que podemos chamar de ética da felicidade: “Feliz (ou bem-aventurado) o homem que não anda no conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores nem se assenta na roda dos escarnecedores. Ao contrário, sua satisfação está na Lei do Senhor, e nessa Lei medita de dia e de noite.” (Salmos 1:1-2 – Nova Versão Internacional).

Antes de analisarmos este versículo de forma pormenorizada, reflitamos sobre a diferença – ou seria semelhança? – entre satisfação e felicidade. Satisfação é o suprimento de uma necessidade. Por exemplo, quando sentimos fome, nos alimentamos até que fiquemos satisfeitos, ou seja, até que a fome – ou necessidade de alimento – deixe de existir. Mas isso não quer dizer que uma pessoa que tenha sua fome saciada seja feliz. Pois, ainda que ela não sinta mais fome, pode estar acometida de outras necessidades.

Podemos, então, dizer que felicidade é o pleno suprimento de todas as nossas necessidades. Seria uma resposta lógica, mas que não reflete a realidade. Conforme afirmei no texto Cobiça x necessidade, a alma humana, degradada, ingrata e enganosa (Jeremias 17:9), tem o poder de transformar cobiça em necessidade. Por isso, o ser humano nunca se satisfaz com o que possui. Conclui-se, todavia, que não há felicidade sem satisfação. Pois a insatisfação é sintoma de que ainda estamos à procura da felicidade.

A expressão que aparece em Salmo 1:2, que é traduzida como satisfação, no original hebraico é CHEFËTSO (חֶפְצוֹ). Esta expressão refere-se aos verbos querer, desejar e gostar. Por isso é traduzida também como prazer: “Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei medita de dia e de noite”. (João Ferreira de Almeida – Ênfase acrescentada).

Contudo, prazer é um sentimento momentâneo e circunstancial. Aristóteles classifica a vida em três tipos: agradável (prazer), política (honra e virtude) e contemplativa. Concentremos apenas no primeiro tipo para que o texto não fique exaustivo. Assim, vemos que prazer para o filósofo é levar uma vida agradável. Neste mote, o salmista adverte: “Agrada-te do Senhor, e ele satisfará os desejos de seu coração.” (Salmos 37:4). Em outras traduções aparece a expressão alegra-te no lugar de agrada-te. Mas o que é ter uma vida agradável ou alegre?

Com certeza, muitos diriam que é uma vida sem problemas. Este é um quesito que o cristianismo não atende. Pois o próprio Jesus afirmou: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (Evangelho segundo João 16:33). Mas o apóstolo Paulo, um homem que sofreu todo tipo de tribulação por amor à Cristo e ao Seu Evangelho, classificou a vontade de Deus como “boa, perfeita e... agradável” (Romanos 12:2). Mas como pode ser agradável uma vida repleta de aflições? Paulo dá a receita: ter uma mente renovada.

Mas no que consiste ter uma mente renovada? Em adquirir a consciência de que a vontade de Deus, por mais que pareça adversa, redundará no melhor para nós. Pois, conforme Salomão elucidou: “Há caminhos que ao homem parecem direito, mas no fim são caminhos de morte.” (Provérbios 16:25). Ou seja, é um engano pensar que a plena submissão aos nossos desejos nos conduzirá à plena felicidade. Lembre-se, nosso coração é enganoso. Todavia, conforme Davi elucida, nossa satisfação – que nos conduzirá à felicidade - está em meditar na Lei de Deus, que representa Sua vontade. Ou melhor, Sua ética.

Notas e referências bibliográficas:

1 - ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; tradução Torrieri Guimarães. – São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. Pg. 10.

2 – Idem 1, pg. 11.

3 – Idem 1, pg. 11 e 12.

4 - AGOSTINHO, Santo. Confissões; tradução Frederico Ozanam Pessoa de Barros – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 – Saraiva de Bolso. Pg. 297.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

O alicerce do renovo

Matheus Viana

Temos necessidade do renovo de Deus sobre as nossas vidas. Jesus ensinou a seguinte oração: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje” (Evangelho segundo Mateus 6:11). Clamor que reflete nossas necessidades natural (alimento para o corpo) e espiritual (a ação do Espírito Santo em nós e o entendimento de Sua Palavra). Jesus disse que é o pão vivo que desceu do céu (Evangelho segundo João 6:51) ao fazer alusão sobre o suprimento do maná aos hebreus no deserto. Mas Jesus subiu aos céus e enviou o Espírito para continuar em nós, e através de nós, Sua obra (João 14:26, Mateus 28:19). Assim como o maná era renovado diariamente – exceto no sábado, o dia do descanso – (Êxodo 16:4), o Espírito Santo se renova sobre nós (II Coríntios 3:18) a fim de completar Sua obra até atingirmos a estatura do varão perfeito (Efésios 4:11) e refletirmos Sua imagem (Romanos 8:29).

No entanto, este renovo está sujeito a um padrão imutável. O apóstolo Paulo diz que este renovo, que se refere ao fato de sermos edificados como edifício de Deus, que se refere à Igreja Gloriosa de Efésios 5:27, está alicerçado “no fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus como a Pedra Angular” (Efésios 2:20-21).

Infelizmente temos visto que esta necessidade de renovo tem levado boa parte da Igreja e se sujeitar há vários movimentos. A advertência do apóstolo Paulo aos efésios: “O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro” (Efésios 4:14), neste contexto, torna-se bastante atual.

Há os que dizem ter recebido de Deus a incumbência de restaurar o ministério apostólico, por exemplo. Contudo, ignoram o fato de que os apóstolos foram levantados por Deus, através de Jesus, como base da Igreja, assim como os profetas do Antigo Testamento que profetizaram até o advento da vinda de Cristo.

Conforme relatei no texto Os cristãos e os absolutos de Deus: “A maneira de ser, pensar e agir de um cristão deve estar pautada nos absolutos de Deus. Veja que Paulo se refere aos apóstolos, que continuaram a difundir o legado de Cristo, aos profetas, que se referem à Lei dada por Deus ao Seu povo através de Moisés e às promessas que apontavam para a vinda de Jesus, o Deus que se fez homem (Evangelho segundo João 1:14, Colossenses 1:15) contidas no Antigo Testamento. E, claro, todos esses fundamentos convergem no próprio Jesus que é o Caminho, a Verdade e a Vida (Evangelho segundo João 14:6).

Ou seja, os profetas nos deram o Antigo Testamento e os apóstolos, com exceção de Marcos, Lucas, Tiago e Judas, nos deram o Novo Testamento. Ambos convergem em Cristo, a Pedra Angular, o supremo alicerce aos quais somos edificados. E Jesus é o mesmo ontem, hoje e será eternamente (Hebreus 13:8). Não há, portanto, lugar para reforma ou restauração no sentido de acrescentar algo a ele, como a renovação apostólica vigente, entre outros, pretende. A própria Reforma Protestante do Século XVI proclamou o retorno a este Alicerce ao bradar Sola Scriptura.

Mas há muitos outros movimentos que, ao analisarmos, encontramos muitos princípios e conceitos conflitantes com as Escrituras. O que faz surgirem, em contrapartida, movimentos que se colocam como vanguardistas da fé e se portam como se fossem os únicos defensores e portadores da Igreja Gloriosa. Sim, a apologética faz parte do exercício do cristianismo. O apóstolo Pedro exorta: “Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês.”. O apóstolo Paulo, ao dialogar com estóicos e epicureus, faz apologia sobre a fé no Deus Único, Criador dos céus e da terra (Atos 17:22-30). Contudo, é preciso saber que não há ninguém que tenha pleno conhecimento da verdade. Uma coisa é saber que a Verdade existe e quem ela é. Outra bem diferente é conhecê-la plenamente. A obra do Espírito que, conforme Jesus advertiu, nos guia à Verdade e ao conhecimento dela, é paulatina (Evangelho segundo João 16:13). Por isso, não somos independentes. Mas precisamos uns dos outros como membros diferentes de um único corpo (I Coríntios 12:12-30).

Resumindo: o renovo do Espírito possui um fundamento imutável. Não há lugar para neo-doutrinas, tampouco para restaurações ministeriais que foram estabelecidas por Deus na História da Igreja em tempos e propósitos específicos. Uma das causas principais para o surgimento de movimentos assim é a necessidade de renovo. Todavia, esta necessidade, dada pelo próprio Deus ao ser humano, não pode acrescentar algo a este alicerce ou “restaurar” algo que já está concluído. Nossa função é examinarmos as Escrituras (o Maná espiritual de Deus a nós) a fim de conhecermos a Verdade, sermos por ela transformados para nos tornarmos agentes de transformação (Evangelho segundo João 5:39) e praticá-la (Tiago 1:22). O desejo por exercemos tal função continuamente é que precisa ser renovado a cada dia.