A visão capaz de mudar nossa vida por completo, de modo a gerar a restauração da sociedade a qual pertencemos, é quando as escamas da sabedoria meramente humana – perniciosa e egoísta - são extraídas de nossos olhos
Matheus Viana
A fé é cega! E não adianta fazer esta face de espanto, tampouco este ar de indagação negativa. Veja o que diz o escritor da carta aos hebreus: “Ora, a fé é a certeza das coisas que se esperam, a convicção dos fatos que não se vêem”. (Hebreus 11:1).
É isso aí! Precisamos nos tornar cegos! Pois só iremos adquirir a visão de Deus quando a nossa for por ela sucumbida. A nossa visão humana limita, sobremaneira, a fé e, consequentemente, impede a plena concretização da soberana vontade divina.
Não é a toa que Jesus, em seu sermão da montanha, preconiza: “São os olhos a lâmpada do corpo. Se os teus olhos forem bons, todo o seu corpo será luminoso. Se, porém, os teus olhos forem maus, todo o teu corpo estará em trevas. Portanto, caso a luz que há em ti sejam trevas, que grande trevas serão”. (Evangelho segundo Mateus 6:22-23).
Eis a má notícia: nossos olhos são maus. O apóstolo Paulo elucida que o pecado atingiu toda a humanidade por intermédio de uma pessoa (Romanos 5:12). Como? Isso mesmo: pelos olhos. “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu, e deu ao marido e ele comeu”. (Gênesis 3:6).
O apóstolo Tiago, em sua carta à igreja de Jerusalém, descreve o ciclo do pecado: “... cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e o seduz. Então a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado”. (Tiago 1:15). Se permitirmos ser domados por aquilo que vemos não apenas o pecado virá à tona, mas a nossa fé será sucumbida e não provaremos o milagre. A experiência de Pedro é a prova desta verdade: “E Pedro, descendo do barco, andou por sobre as águas e foi ter com Jesus. Reparando, porém, na força do vento, teve medo e submergiu”. (Evangelho segundo Mateus 14:29).
Enquanto não ficarmos cegos em relação aos fatores limitadores que nos enredam, seremos por eles submergidos. A afirmação a seguir pode parecer heresia, mas acredite, não é: nossa cegueira glorifica a Deus. Veja o interessante episódio narrado no nono capítulo do Evangelho segundo João: “Caminhando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos perguntaram: Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais, mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus”. (Versículos 1 a 3). Crer em algo visível e possível é mera constatação natural. A fé, no entanto, é sobrenatural. Por isso ela é a senha para íntima comunhão com Deus.
O apóstolo Paulo é, sem dúvida, um dos ícones do cristianismo. Para que fosse devidamente preparado a realizar o nobre comissionamento que lhe foi atribuído (Romanos 1:1), precisou ficar cego. A causa da cegueira? Um encontro com Jesus. É impossível ter um real encontro com Jesus e não ficar cego. Em outras palavras, continuar enxergando de acordo com nossa limitada e maculada visão humana. Paulo teve sua visão restaurada, o que é completamente diferente de ‘recuperada’. Recuperação não requer mudanças, mas restauração implica em progresso. Conforme elucida C.S Lewis, “progresso é mudança para melhor”.
A cosmovisão de Paulo precisou ser restaurada, pois via o mundo a sua volta repleto de rebeldes traidores – os cristãos – e por isso os perseguia em caráter de morte. Sua autovisão precisou ser restaurada, pois se via como um religioso obstinado, repleto de ufanismo e justiça própria. E, por fim, sua visão em relação a Jesus precisou ser restaurada. Paulo o via como um insurgente que aglutinou seguidores e que nutria a insanidade de se proclamar filho de Deus.
Mas a cegueira que lhe acometeu gerou uma súbita metamorfose nestes três níveis. Tornou-se um dos maiores cristãos de todos os tempos (I Coríntios 11:1), dizia que a força de Deus em sua vida se manifestava na medida em que reconhecia sua fraqueza (II Coríntios 12:9, I Coríntios 2:4-5) e proclamava: “Não sou mais eu quem vivo, mas Cristo vive em mim”. (Gálatas 2:20). Que mudanças radicais! Elas foram o pavimento para o êxito que logrou durante toda sua vida (Filipenses 3:14, II Timóteo 4:6). Seu legado pode ser semelhante. Basta ficar cego pela fé.
Apesar de não ser cego, me apego a estas verdades. Contudo, as aplico em meu contexto, à minha deficiência. Não apenas vivo um milagre, eu sou um milagre! Sei que você deu risada, mas deixe, por um momento, seu sarcasmo de lado. Pense comigo, como podemos classificar uma pessoa que vive – ou melhor, sobrevive – sem nenhuma sequela, sem tubo de oxigênio ou qualquer outro artifício auxiliar de respiração, com míseros 17% de oxigênio permeando seus frágeis pulmões?
Pois é! É justamente aqui que a fé cumpre o seu papel. Deixo de enxergar a grave e contundente limitação que me acomete e passo a focar minha visão no fôlego ‘sobrenatural’ que habita em mim. É viver ou morrer, literalmente.
Quando falo de "ficar cego" não me refiro ao obscurantismo atacado pelos iluministas do século XVIII e, atualmente, pela intelectualidade revolucionária. Mas sim à renovação de mente que o apóstolo Paulo adverte (Romanos 12:2). Pois a visão capaz de mudar nossa vida por completo, de modo a gerar a restauração da sociedade a qual pertencemos, é quando as escamas da sabedoria meramente humana – perniciosa e egoísta - são tiradas de nossos olhos. Com isso, adquirimos um conhecimento sobremodo elevado (I Coríntios 13:1).
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