quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Martírio constante

Matheus Viana

Após ver cenas de cristãos sendo brutalmente assassinados por não negarem a fé em Jesus em alguns países do Oriente, principalmente no norte da África, questiono-me sobre o teor do cristianismo ao qual vivo. Os sentimentos de desolação e de incapacidade são súbitos. Um misto de tristeza por ver pessoas passando por situações tão aterradoras com um sentimento de fracasso por me conscientizar de que não tenho a mesma fé que elas.

A verdade é nua e crua: Minha fé não atingiu o nível de ser torturado e morto por amor a Cristo. Somos tentados a questionar Deus pelo “sofrimento” que vivemos diante de toda a futilidade que o mundo ocidental oferece, tanto na esfera secular quanto na religiosa (cristã), infelizmente. Temos a ousadia de classificarmos momentos difíceis como “sofrimentos” e discordâncias como “perseguições”. Que acinte!

Há quem diga que, por viver com uma contundente deformidade óssea que compromete órgãos vitais como pulmões e coração, lido com sofrimentos. Não, não lido. Sinto dores, mas não podem ser comparadas com as que sentem pessoas dentro de um carro, presas por cintos de segurança, sendo queimadas como pedaços de carne em uma churrasqueira. Não é a mesma dor, e não chega nem perto, que sentem aqueles que são colocados em uma jaula, com pés e mãos amarrados, e imersos em um tanque cheio de água até a morte. De ter a cabeça decepada com uma faca cega... Sim, vou parar de narrar tais atrocidades, pois tenho uma pequena noção de como você se sente ao lê-las.

Mas apesar de tudo isso, os sofrimentos, árduos e extremos, pelos quais estas testemunhas de Cristo (literalmente) passam são passageiros. O apóstolo Paulo elucidou: “Pois os nossos sofrimentos leves e momentâneos estão produzindo para nós uma glória eterna que pesa mais do que todos eles.” (II Coríntios 4:17). Por piores que sejam, tais sofrimentos são nada comparados com a Glória reservada para estas testemunhas. Isso não é apenas discurso de conforto. É fato.

Diante disto, sou confrontado com a verdade de que, embora as dores que sinto sejam muito menores das relatadas nas linhas acima, elas são constantes. Enquanto digito este texto sou acometido com dores em minhas costas. E elas não cessarão, ainda que eu cometa o equívoco de me submeter às teologias da prosperidade, da confissão positiva, da quebra da maldição hereditária entre outras aberrações atualmente em voga. A Cruz de Cristo é melhor.

Ser testemunha de Cristo em todas as situações. Em Sua soberania, Jesus permite que os mártires que morreram e os que ainda morrerão manifestem Sua Glória com sofrimentos mui dolorosos, porém momentâneos. Mas há aqueles que são chamados para refleti-la de outras maneiras. Não estou dizendo que Deus deseja que Seus amados sofram. A Bíblia diz que não estamos imunes ao mal em suas diversas formas. Veja, por exemplo, os casos de Jó, de Habacuque, de Jeremias, de Estevão, de Paulo e de muitos outros. Mas que as catástrofes e sofrimentos sejam oportunidades para que o nome de Jesus seja glorificado. Conforme preconizou o apóstolo Paulo: “Façam tudo para a Glória de Deus.” (I Coríntios 10:31).

Se você é saudável, viva para a Glória de Deus. Se você, como eu, é acometido por alguma anormalidade, viva - embora com limitações - para a Glória de Deus. Se você é perseguido e infligido por qualquer tipo de sofrimento, viva para a Glória de Deus. Paulo foi uma testemunha de Cristo que passou por várias situações de perseguição e desalento. Foi apedrejado ao ponto de ser dado como morto (Atos 14:19), açoitado, preso (Atos 16:22-23) e vítima de naufrágio (Atos 27:42-44). Com todo este curriculum vitae, advertiu: “Deem graças a Deus em todas as circunstâncias, pois esta é a vontade de Deus para vocês em Cristo Jesus.” (I Tessalonicenses 5:18).

Os apóstolos exortaram os cristãos a se alegrarem no sofrimento por Cristo. Pedro disse: “Mas alegrem-se à medida que participam dos sofrimentos de Cristo, para que também, quando a sua glória for revelada, vocês exultem com grande alegria.” (1 Pedro 4:13). Tiago, por sua vez, reiterou: “Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova de sua fé produz perseverança.” (Tiago 1:2-3).

Discursos que encontram pouso na doutrina de Jesus: “Bem-aventurados serão vocês quando, por minha causa, os insultarem, os perseguirem e levantarem todo tipo de calunia contra vocês. Alegrem-se e regozijem-se, porque grande é a sua recompensa nos céus, pois da mesma forma perseguiram os profetas que viveram antes de vocês.” (Evangelho segundo Mateus 5:11-12).

Ser testemunha de Cristo é segui-Lo (Testificar Seu legado – Cf. Atos 1:8).
Seguir a Cristo é renunciar a nós mesmos e tomar a nossa cruz (Cf. Mateus 16:24).
Logo, ser testemunha de Cristo é ser mártir por Sua causa.

Ser mártir é estar disposto a morrer por Jesus todos os dias, conforme preconizou o apóstolo Paulo: “Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. Pois nós, que estamos vivos, somos sempre entregues à morte por amor a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nosso corpo mortal.” (II Coríntios 4:10).

Morrer por amor a Cristo ainda que não morramos. Pois viver para Cristo é morrermos para nós mesmos.

“Aguardo ansiosamente e espero que em nada serei envergonhado. Ao contrário, com toda a determinação de sempre, também agora Cristo será engrandecido em meu corpo, quer pela vida, quer pela morte, porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Caso continue vivendo no corpo, terei fruto do meu trabalho.” (Filipenses 1:20-22).

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Evangelizar x viver o Evangelho

Matheus Viana

Após João ter sido preso, Jesus foi para a Galileia proclamando as boas novas de Deus (Evangelho segundo Marcos 1:14). Episódio que pode parecer, em um primeiro momento, cotidiano por se referir a Jesus. Mas não é. Ele traz consigo uma mensagem muito importante e pertinente.

Jesus nos mostrou que toda circunstância, por pior que seja, é propícia para a proclamação das boas novas de Deus. Sobre isso, o apóstolo Paulo afirmou aos cristãos em Filipos: “Quero que saibam, irmãos, que aquilo que me aconteceu tem, ao contrário, servido para o progresso do evangelho.” (Filipenses 1:12). Afirmação que soa como óbvia para nós, mas que não possui tal caráter em sua prática.

Jesus atravessava um momento difícil. João era uma pessoa muito importante para Ele, pois era seu primo natural, e não apenas isso. Foi João quem preparou, ao cumprir a profecia que Deus proferiu ao seu respeito através de Isaías, o caminho para a Sua vinda (Evangelho segundo Mateus 3:3). João proclamou a mensagem de arrependimento e batizou no rio Jordão. Foi Ele quem proclamou à multidão que o seguia que Jesus era (e É) o cordeiro que tira o pecado do mundo (Evangelho segundo João 1:29). Obs: Para maiores informações, leia o texto: Quem é o estranho?

Imagine uma pessoa muito importante para você sendo presa! Você ficaria triste? Claro que sim. Jesus também ficou. Mas tal tristeza não foi suficiente para impedi-Lo de proclamar as boas novas de Deus, também conhecidas como Evangelho. A vontade de Deus em Sua vida era mais forte do que Suas emoções.

Surgem diante desta realidade três questões para reflexão: O que é pregar o Evangelho? Como pregar o Evangelho? E por que pregar o Evangelho? Não, não tenho a pretensão de respondê-las. E sim de apenas coloca-las sob a perspectiva analítica. Antes, portanto, há outra questão: O que é Evangelho? Apesar da resposta parecer óbvia, ela está longe de ser exercida.

Sim, O Evangelho é O próprio Cristo. Jesus passou a pregar Dele mesmo, de Sua vinda e da obra que veio realizar. Sua mensagem foi clara e sucinta: “O tempo é chegado. O Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas novas.” (Evangelho segundo Marcos 1:14).

O tempo é chegado! Não há mais tempo para vivermos as nossas vontades. Não há mais tempo a ser desperdiçado em busca de sonhos particulares. A verdade a nosso respeito proferida por Jesus ecoa dos céus: “Por que a minha comida consiste em realizar a vontade daquele que me enviou a fazer a boa obra.” (Evangelho segundo João 4:34). Esta é a verdade que deve pautar a nossa existência.

O que é o Reino de Deus? Não é comida nem bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Romanos 14:17). O Reino de Deus é o próprio Deus governando sobre todas as coisas, incluindo a nossa vida. Ele é nada mais, nada menos do que a proposta contida no culto racional desde o princípio: Que o homem exerça na terra o mesmo governo que Deus exerce nos céus (Salmos 115:16). Este foi o mote que levou Jesus a ensinar Seus discípulos a orarem: “Pai Nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome. Venha a nós o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus.” (Evangelho segundo Mateus 6:10). Santificar o nome de Jesus é entroniza-Lo (Isaías 6:3, Apocalipse 4:7-8). Entroniza-lo é Lhe conceder o pleno governo sobre nós.

O caráter do governo de Deus, portanto, foi e é plenamente revelado em Cristo: servir (Evangelho segundo Mateus 20:23-28, Filipenses 2:6-10). A autoridade de Deus sobre todas as coisas é revelada na medida em que nos submetemos a ela. Ou seja, na medida em que nos submetemos, de todo o nosso coração, com toda nossa alma, com todo nosso intelecto e com todas as nossas forças à Sua vontade (Evangelho segundo Marcos 12:28-30). Tarefa nada fácil.

Temos vivido de acordo com este Reino? O Evangelho que tem sido proclamado pelos nossos lábios e pelas nossas ações (Tiago 1:22) é, de fato, Cristo Jesus como essência? Parece que não. Os fatos falam por si.

Em primeiro lugar, o fato de um crente passar por dificuldades é algo, por si só, rechaçado pela teologia moderna. De acordo com ela, lutas e dificuldades são elementos que devem ser “quebrados e anulados em nome de Jesus”, jargão usado com o mesmo caráter de um “abracadabra”.

É fato: Cristãos passarão por dificuldades. O próprio Jesus advertiu sobre isso (Evangelho segundo João 16:33). A Igreja de Cristo nasceu sob os jugos da tirania e da perseguição do império romano e do fundamentalismo judaico. Cristãos, constantemente, eram presos, torturados e mortos. Elementos que fazem parte do mosaico da História da Igreja. Mesmo assim, conforme Jesus fez, devemos continuar proclamando as Boas Novas de Deus.

Ouvem-se, em demasia, as “boas novas” de denominações, de líderes de mega-igrejas, de teólogos e etc... Menos a de Deus, contidas em Suas Sagradas Escrituras. Por conta da dificuldade que nos assola, o Evangelho tem sido deturpado e rebaixado aos níveis da autoajuda e do conforto existencial. O Reino de Deus é reduzido a um conjunto de bênçãos materiais, onde riqueza e saúde não podem faltar. Não sou contra estes dois atributos. Mas me oponho frontalmente quando ambos ocupam um lugar indevido: a essência do Evangelho.

Arrependam-se! Arrependimento, no contexto moderno, nada mais é do que a reconciliação com os muitos “suseranos da fé” que existem em nosso meio. Isso não é arrependimento. É subserviência que anula a liberdade que Cristo nos concedeu por meio de Sua obra na Cruz (Evangelho segundo João 8:32). O profeta Isaías profetizou sobre isso, há milênios:

“As autoridades e os homens de destaque são a cabeça, os profetas que ensinam mentiras são a cauda. Aqueles que guiam este povo o desorientam, e aqueles que são guiados deixam-se induzir ao erro.” (Isaías 9:15-17).

O Reino de Deus é chegado. Por isso, todo “reino” que não for o de Deus cairá. Isaías profetizou antes da sentença citada acima: “Por essa razão o Senhor corta de Israel tanto a cabeça como a cauda, tanto a palma como o junco.” (Isaías 9:14). Jesus reiterou tal profecia ao dizer que o Templo ruiria (Evangelho segundo Mateus 24:2). E João recebeu a visão da queda da Babilônia, que naquele momento representou o império romano e hoje representa o reino humano que é erguido em nome de Deus, mas Ele não governa (Apocalipse 14:8). Uma verdadeira reedição de Babel, pois o intento principal é fazer nomes célebres. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Crer nas boas novas. Não há como não evocar o clamor de Paulo: “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram falar? E como ouvirão, se não houver quem pregue?” (Romanos 10:14). Como podemos desejar que as pessoas creiam se o Evangelho não tem sido pregado? Jesus é mais do que uma estratégia. Jesus é mais do que um movimento cultural gospel. Jesus é mais do que um sistema eclesiástico de organização e evangelismo. Jesus é mais do que uma teologia de caráter doutrinário/acadêmico. Jesus é o Deus que se fez homem para que possamos conhecer como Deus é e deseja que a gente seja.

Jesus é a boa nova de Deus aos homens. Jesus é o Evangelho. Jesus – e todo o Seu legado – é o Reino de Deus. Ele veio. Ele voltará. Vivamos por Ele, por meio Dele e para Ele!

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Marginalizados da fé

Matheus Viana

A fé cristã nasceu sob a pressão de uma intensa marginalização. Era vista pelos judeus como uma espécie de dissidência. Mas não era esta sua essência. Jesus foi visto de tal forma pela cúpula religiosa de Sua época, embora tenha vindo para cumprir toda a Lei dada por Deus através de Moisés a fim de colocá-la sobre a Sua perspectiva (Evangelho segundo Mateus 5:17, Romanos 6:14). Veio romper com a devoção baseada nos ditames da Lei do Talião a fim de estabelecer uma devoção baseada em Seu fazer e ensinar. Isto é discipulado (Cf. Evangelho segundo Mateus 28:19). Isso é ser testemunha (Cf. Atos 1:8).

A Igreja Primitiva, dirigida por Jesus através dos Apóstolos (os verdadeiros, Cf. Evangelho segundo Mateus 16:18, Efésios 2:20-22), era vista como um grupo de insurgentes. Alister McGrath afirmou:

“É quase certo que no princípio o cristianismo tenha sido visto simplesmente como mais uma seita, ou grupo, dentro do judaísmo (...). No entanto, apesar do cristianismo ter as suas origens dentro do judaísmo, que era visto como uma ‘religião legal’ (religio licita) pelas autoridades romanas, as comunidades cristãs não eram reconhecidas como legítimas.”[1].

A história se repete. Vários séculos após a Igreja se tornar a instituição oficial do cristianismo, há uma classe de cristãos ávidos por viverem o cristianismo genuíno que estão à margem desta pseudoigreja que se apresenta atualmente como Igreja. São aqueles que se levantam contra a tendência de monopólios humanos e oligarquias espirituais que se tornam cada vez mais uniformes. Não me refiro aos desigrejados, mas àqueles que desejam ver a verdadeira Igreja se manifestar sobre a terra e cumprir o propósito que Deus a outorgou.

O contexto atual é semelhante ao que Jesus enfrentou. Certa vez, alguns fariseus lhe questionaram sobre o fato de Ele e os seus discípulos não lavarem as mãos antes de comer. A narrativa dos fariseus é flagrante: “Por que os seus discípulos não vivem de acordo com a tradição dos líderes religiosos?..” (Evangelho segundo Marcos 7:5). Esses religiosos não seguiam a Lei de Moisés, mas a tradição oral de homens conhecida como talmud. Por isso Jesus, citando o profeta Isaías, declarou: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens.” (Evangelho segundo Marcos 7:6-7).

Realidade triste, mas atual.

Jesus é a essência do Evangelho. Esta essência é manifesta em Sua ética e, por fim, em Sua estética. Ou seja, a vida plena de Jesus deve pautar a nossa forma de pensar (I Coríntios 2:16) e sentir (Filipenses 2:5) – ética - e consequentemente agir (Romanos 8:29) - estética. Mas, infelizmente, a essência tem sido substituída por preceitos humanos, sejam eles modelos eclesiásticos ou doutrinas teológicas. Sim, a doutrina é importante. Mas ela deve ocupar o lugar da ética, nunca da essência, que é e sempre será Jesus Cristo (Evangelho segundo João 5:39).

Há muitos casos de congregações que estão pautadas em modelos eclesiásticos de evangelismo em massa e gestão de pessoas. O expressivo aumento no número de cristãos no Brasil não é desdobramento de crescimento, mas de inchaço. Inchaço é sintoma de enfermidade e crescimento é sinal de desenvolvimento. Se a Igreja estivesse crescendo, sua atuação e consequente influência sobre a sociedade seriam positivamente notórias. Não é esta, portanto, a realidade. Repito, a Igreja está provando de um grave inchaço. Pois está acometida por uma enfermidade chamada pseudo-evangelho.

Jesus não tem ocupado o lugar da essência. Ele tem sido relegado ao mero papel da ética, o que tem gerado um fundamentalismo insano que está mais preocupado em consolidar o juízo divino do que espalhar as boas novas da salvação. Ou ao papel da estética, onde É usado apenas como um subterfúgio para que o desejo dos líderes (leia-se pastores e “apóstolos”) de obterem poder, riqueza e fama seja realizado.

Tudo isso elimina a tão necessária diversidade do Corpo de Cristo. O apóstolo Paulo, perseguido tanto pelo judaísmo como pelo império romano, elucidou sobre ela em sua carta aos coríntios ao falar dos dons concedidos pelo Espírito Santo (Cf. I Coríntios 12, Efésios 3:20). Alister McGrath, sobre isso, afirmou:

“Embora seja correto falar do cristianismo primitivo como uma tradição única, talvez seja melhor pensar nele como uma rede complexa de grupos e indivíduos que existam em diferentes contextos sociais, culturais e linguísticos. Estes grupos procuravam relacionar a sua fé a esses contextos e expressá-la em termos que fizessem sentido dentro daqueles contextos.” (...) “... Contudo, essa observação histórica não nega a ideia de que havia um fio unificador no cristianismo primitivo.”[2].


No dia 31/01, fui gentilmente convidado para trazer a reflexão nas Escrituras em um grupo de cristãos chamado Núcleo de Pensamento Cristão, popularmente conhecido como NPC. Foi uma bênção. Este grupo é composto por pessoas que desejam servir a Igreja a fim de vê-la se manifestar sobre a terra através de Sua diversidade. Contudo, ele foi preterido por não “atender o sistema doutrinário” que a Igreja ao qual fazia parte adotou. Sistema doutrinário. O conheço bem. Não, Ele não trata Jesus como essência. Jesus é visto apenas como Aquele que, ao chamar 12 discípulos, utilizou um método revolucionário. Isso mesmo. O culto a Jesus não é à Sua pessoa (quem Ele é), mas ao método que Ele utilizou (o que Ele fez).

A verdadeira Igreja cultua a Jesus por aquilo que Ele é. Por isso é marginalizada, pois rompe com qualquer outro padrão ético que não seja desdobramento do fato de Jesus ser a essência. O NPC, assim como outros – incluo, claro, a congregação a qual faço parte, entre outras - cultua Jesus por aquilo que Ele é, e não por aquilo que Ele fez somente. Sim, sabemos que não somos perfeitos. Longe disso. Não temos o pleno conhecimento da Verdade. Mas isto não nos impede de repudiarmos aqueles que dizem possuí-la através de uma “revelação especial” ou “estratégia”.

Li recentemente um texto de um pastor que afirmou: “Falo em nome do Senhor”. Cuidado com aqueles que se dizem profetas! Apesar do Espírito Santo ainda agir sobre Sua Igreja, não há ninguém que possa falar com tamanha ousadia. Este era um termo comum aos profetas do A.T, já que ele ainda estava em formação. Nem os apóstolos ousaram fazer tal acinte, pois tudo o que diziam estava respaldado no A.T. A autoridade que possuíam era proveniente do fato de que, além de serem escolhidos pelo próprio Cristo por terem andado com Ele, seus ensinos estavam baseados nas Escrituras. Em outras palavras, tinha Jesus como essência.

É claro que o NPC e outras congregações que, por amor ao Evangelho genuíno que ainda não alcançaram, caminham na contramão desta pseudoigreja com suas visões eclesiásticas e proselitismos doutrinários, são vistos como os marginalizados, como a igreja não oficial, à semelhança de como o cristianismo era visto até o quarto século. Somos - me incluo neste contingente - criticados e classificados como “rebeldes” e “dissidentes”. Ou melhor – ou seria pior? -, somos chamados de “doentes na alma”. Ao ouvir tal sentença, lembro-me das Palavras de Jesus: “Eu não vim para os sãos, vim para os doentes.” (Evangelho segundo Marcos 2:17)

Sei que os monopolistas da fé, na avidez de protegerem seus feudos, se levantarão esbravejando seus disparates. Por mais que tentem, a Verdade será manifesta. Como o próprio Jesus afirmou: “Depois de conduzir para fora todas as suas ovelhas, vai adiante delas, e estas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas nunca seguirão um estranho; na verdade, fugirão dele, porque não reconhecem a voz de estranhos.” (Evangelho segundo João 10:4-5). Por mais que estes monopolistas tentem minar a veracidade bíblica de textos como este que você lê descaracterizando-os, as verdadeiras ovelhas de Cristo ouvirão a voz Dele e O seguirão. Não sou eu quem digo. Apenas reproduzo o que o próprio Jesus afirmou.

Isto apenas atesta que estamos no Caminho certo, cientes de que ainda não O alcançamos. Fazemos nossas as palavras de Paulo: “Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus.” (Filipenses 3:12-14 – Ênfase acrescentada).

Notaram? O nosso galardão não está atrelado à devoção a um sistema eclesiástico ou modelo doutrinário – embora, repito, a doutrina, como ética, seja importante. Mas está atrelado a Jesus Cristo.




[1] MCGRATH, Alister. Heresia: uma história de defesa da verdade; tradução José Carlos Siqueira. São Paulo: Hagnos, 2014. p. 58-59.
[2] Ibid. p. 60.