terça-feira, 28 de abril de 2015

O supremo ministério

Matheus Viana

“Se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um incrédulo.” (I Timóteo 5:8).

Esta foi uma advertência fundamental e norteadora para o ministério de Timóteo proferida pelo apóstolo Paulo. Mas ela, atualmente, não tem sido devidamente observada. Por isso muitas famílias são “sacrificadas em prol do Reino de Deus”. Contudo, pensemos: É sensato dizer que o Reino de Deus veio “sacrificar” algo tão precioso para o próprio Deus? Claro que não. Tal filosofia é apenas mais uma das várias distorções que o Evangelho tem sofrido. E como tem sofrido...

O valor da família vem sendo sucumbido em detrimento do “êxito ministerial” (leia-se crescimento numérico), principalmente nos sistemas eclesiásticos que enfatizam a “conversão dos incrédulos” em detrimento da proclamação do Evangelho. Embora afirmem: “família é a célula principal”, a realidade é bem distante de tal verdade. Contudo, conforme o apóstolo Paulo exorta, não adianta uma pessoa se esforçar por arrebanhar uma “multidão de convertidos” (algo possível somente pela obra do Espírito Santo através da proclamação do verdadeiro Evangelho, e não do “sucesso” de estratégias de evangelismo, importante enfatizar este ponto) e deixar perecer sua família.

Não adianta um homem estar à frente de um ministério pastoral e não exercer o sacerdócio no lar. Lembrando que um dos principais atributos de um líder na casa de Deus (pastor, bispo, presbíteros e diáconos) é “governar bem sua própria família.” (I Timóteo 3:4). Pois de que adianta você ser um “bom pastor” e seu cônjuge carecer de necessidades básicas como carinho, atenção e afeto? Nada!

Não podemos, segundo a Bíblia, afirmar que um ministério deste caráter é uma expressão do “Reino de Deus”. O Reino de Deus (genuíno) abarca a família. Conforme bradou Josué: “Eu e a minha casa serviremos ao Senhor.” (Josué 24:15). Neste mesmo mote, o apóstolo Paulo declarou ao proclamar o Evangelho ao carcereiro: “Creia no Senhor Jesus e serão salvos você e os de sua casa.” (Atos 16:32).

Pastores que se prezem não podem permitir que líderes de suas congregações estejam liderando ministérios enquanto seus familiares padecem em alguma área de suas vidas. Pois qual a autoridade destes líderes em serem ministros de Deus para famílias se eles não têm exercido o sacerdócio em seus próprios lares (tanto na questão conjugal como nas questões de paternidade e de filiação)? Onde fica o ideal: “família, célula principal? Apenas como objeto de decoração em uma das paredes de seus respectivos templos. Esta é a questão que Paulo trata com Timóteo: não é possível ser um sacerdote na igreja sem antes ser um sacerdote no lar.

Outra coisa que deve ser observada é que ministério não é “lugar de refúgio” para pessoas que enfrentam problemas em suas famílias. Ministério não isenta o indivíduo de seus deveres como sacerdote de seu lar. No âmbito do Reino de Deus, não existe êxito ministerial dissociado de êxito familiar. E sabemos bem que não existe família perfeita. Todos nós temos problemas, pois somos indivíduos imperfeitos. Por isso Deus, baseado no pleno e perfeito sacerdócio de Jesus Cristo, instituiu o marido como sacerdote do lar. Baseado em tal atributo, o apóstolo Paulo preconiza: “Mulheres, sujeite-se cada uma a seu marido, como ao Senhor, pois o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo é o cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual Ele é o Salvador. (...) Maridos, ame cada um a sua mulher, assim como Cristo amou a igreja e se entregou por ela.” (Efésios 5:22-25).

O êxito de Jesus, demonstrado em Seu bradar: “Está consumado.” (Evangelho segundo João 19:30) se deu em virtude de Sua entrega plena à nós, Sua Igreja. O que isto significa? Que seremos verdadeiramente exitosos, de acordo com a perspectiva divina, em nossos ministérios na medida em que amarmos as nossas esposas da mesma forma que Cristo nos amou ao ponto de dar sua vida por nós. Pois Seu modo de agir não é apenas o modelo, mas o alicerce de nosso ministério. Qualquer “alicerce” diferente deste não é Evangelho.

Sendo assim, qualquer devoção a um trabalho ministerial sem a devoção conjugal é vã e, digo mais: está completamente separada do padrão do Reino de Deus, manifesto na entrega de Jesus Cristo por Sua amada noiva chamada Igreja. Este é o grande mistério elucidado pelo apóstolo Paulo: “Este é um mistério profundo; refiro-me, porém, a Cristo e à Igreja. Portanto, cada um de vocês também ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher trate o marido com todo o respeito.” (Efésios 5:32-33).

Pastores, ajam como tais e não permitam que pessoas se esforcem em seus respectivos ministérios eclesiásticos sem exercerem, de maneira devida e bíblica, o sacerdócio do lar! Estejam atentos às condições conjugais de seus membros desprovidos de toda conveniência e ambição “evangelical” (leia-se, repito, crescimento demográfico de suas congregações)!

Pois é sobre a família que repousa a primeira profecia estabelecida sobre o patriarca (este sim, um legítimo) Abraão: “Se tu uma benção. Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Em ti serão benditas todas as FAMÍLIAS da terra.” (Gênesis 12:2-3, ênfase acrescentada). Sem famílias restauradas não há manifestação do Reino de Deus. Portanto, cuidemos bem das nossas! Pois elas são o nosso Supremo ministério.

domingo, 19 de abril de 2015

A forma do altar

Matheus Viana

Ao orientar os cristãos em Roma sobre o culto racional (Romanos 12:1), o apóstolo Paulo, como um judeu erudito, tinha em mente a Lei sobre a edificação do altar que Deus estabeleceu aos hebreus através de Moisés.

Há nela um importante princípio que deve ser aplicado ao nosso culto racional, mas que não tem sido devidamente observado. Deus disse ao povo: “Se me fizerem um altar de pedras, não o façam com pedras lavradas, porque o uso de ferramentas o profanaria.” (Êxodo 20:25).

A expressão pedras refere-se a dois aspectos. O primeiro é o alicerce da Igreja do Senhor na terra e, consequentemente, de Sua sã doutrina. Por isso Paulo adverte aos cristãos em Éfeso: “No fundamento dos apóstolos e profetas, tendo Jesus como a Pedra Angular.” (Efésios 2:20-21).

Esta pedra não pode ser lavrada. A mensagem do Evangelho não pode ser adulterada, tampouco moldada aos métodos corporativos, de marketing, de autoajuda ou de qualquer outro atributo meramente humano. Não pode ser conformada com estratégias eclesiásticas elaboradas por qualquer líder que seja. Deve permanecer como é naturalmente: conforme Deus estabeleceu por meio de seus santos profetas e apóstolos. Pois os profetas apontaram até Cristo e os apóstolos disseminaram o Soberano Legado dAquele que é a Pedra Angular. Nossa missão é apenas perseverar nela de modo a praticá-la e disseminá-la. 

O segundo é a nossa vida. Somos o altar onde, lavados pelo sangue do Sumo-sacerdote Jesus Cristo, devemos ser oferecidos como sacrifício, que foi elucidado por Ele: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, toma a tua cruz e siga-me.” (Evangelho segundo Mateus 16:24). O apóstolo Pedro preconizou: “Vocês também estão sendo utilizados como pedras vivas na edificação de uma casa espiritual para serem sacerdócio santo, oferecendo sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus, por meio de Jesus Cristo.” (I Pedro 2:5).

Sendo assim, nós também não podemos ser lavrados. Nossos modos de pensar e agir não podem ser caracterizados, muito menos condicionados por metodologias humanas. Pois não somos produtos de um sistema eclesiástico ou evangelístico, seja ele qual for. Somos frutos do Soberano Criador que fez os céus e a terra e o ser humano com um propósito glorioso. Somos frutos de Sua Palavra, que por sua vez é fruto de Seu pensamento (Gênesis 1:26-27), e também de Sua ação (Gênesis 2:7).

Somos pedras criadas pelo Supremo Criador, por isso temos a forma que Ele esculpiu em nós. Sim, ela foi perdida com o pecado, mas está sendo restaurada pela obra do Espírito Santo (II Coríntios 3:18) através da Palavra (Evangelho segundo João 14:26). Sendo assim, não podemos permitir que esta forma seja moldada com qualquer lavrar humano.

Outro princípio contido na Lei de Moisés, que Paulo observa em seu ensino sobre o culto racional, é o acesso ao altar. Deus disse ao povo: “Não subam por degraus ao meu altar, para que nele não seja exposta a sua nudez.” (Êxodo 20:26). Qual é a verdadeira intenção de nosso culto racional? Quem tem tido a evidência: Jesus, o objeto de culto, ou nós mesmos?

Algo comum em muitos sistemas utilizados por algumas instituições para organização e crescimento é a ênfase na liderança. As frases mais comuns são: “cada crente é um líder” e “somos chamados para sermos cabeça e não cauda”. Enfim, o ufanismo é bastante evidente. Tais métodos confundem organização - que é necessária – com hierarquização da fé. Ou seja, as autoridades não são apenas funções necessárias para o funcionamento do Corpo de Cristo, mas uma oportunidade para alcançar níveis maiores em relação aos demais membros deste Corpo. Para simplificar, é o mesmo princípio contido na dicotomia existente entre cleros e leigos na Igreja Católica da Idade Média. Desconsideram por completo um dos princípios fundamentais da Reforma Protestante: o sacerdócio universal de todos os crentes.

Vejam que a ênfase que Lutero e os reformadores que vieram depois dele como Zuínglio e Calvino davam ao aspecto sacerdócio é completamente diferente da que é aplicada ao termo liderança. Pois no sacerdócio há os elementos de intercessão junto a Deus – além, claro, do contato direto com Ele, sem a necessidade de um intermediador (leia-se Papa) -; e o servir à comunidade dos cristãos.

Foi este o caráter que levou os apóstolos a decidirem: “’Não é certo negligenciarmos o ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas. Irmãos, escolham entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito Santo e de sabedoria. Passaremos a eles essa tarefa e nos dedicaremos à oração e ao ministério da palavra.” (Atos 6:2-4).

Vemos aqui que a divisão de funções não possuía nenhum fragmento de ufanismo. Os apóstolos haviam andado com Jesus, ainda que Matias, que ocupou o lugar de Judas, não tenha andado tão próximo dEle como os demais. Mesmo assim eles propuseram apenas uma função “diferente” e não “maior”. Eles entendiam que a organização da Igreja de Cristo é composta de funções diferentes e complementares. E não de uma hierarquia vertical.

Esta hierarquia vertical, profundamente presente e arraigada no seio da Igreja atualmente, tem exposto a nudez de muitos sacerdotes. Digo isso com pesar no coração. O número de líderes que se proclamam apóstolos, patriarcas, entre outros títulos que apenas expõem seus orgulhos, assim como a nudez expõe as nossas vergonhas é alarmante. E isto tem deturpado o Evangelho e desonrado o nome de Cristo. Isto não é crítica. É fato, infelizmente.

Que possamos subir este altar de joelhos assim como o leproso que se aproximou de Jesus e, antes de pedir pela Sua cura, o adorou (Evangelho segundo Mateus 8:1-2). Como João Batista que, tendo consciência de que Jesus era “o cordeiro que tira o pecado do mundo.” (Evangelho segundo João 1:27), afirmou: “É necessário que ele cresça e que eu diminua.” (Evangelho segundo João 3:30).

Portanto, esta é a forma com a qual devemos viver como pedras vivas: “Não façam nada por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem aos outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente de seus próprios interesses, mas também dos interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo ao qual devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.” (Filipenses 2:3-7).

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sábado, 18 de abril de 2015

Ensaios sobre ‘Influência’ e ‘relevância’ – Parte II

Matheus Viana

Obs: Caso não tenha feito, leia antes a parte I deste ensaio para melhor compreensão.

Sei que alguns serão rápidos em refutar a reflexão do texto anterior: “Mas o episódio de Pentecostes mostra que é possível conciliar multidões com o verdadeiro Evangelho.” É fundamental notarmos que o número de pessoas batizadas foi aproximadamente de três mil (Atos 2:41). No entanto, temos que evocar a estatística e empregá-la no número total de pessoas que ouviram o discurso de Pedro.

Por ser, na ocasião, a celebração de Pentecostes, estavam presentes cidadãos de várias nações (Atos 2:8-11). Ou seja, embora a narrativa de Lucas não detalhe, seguramente havia um número muito superior aos três mil que foram batizados. Sendo assim, será que podemos chamar de multidão estes três mil se este número for comparado a todos os presentes? Sim se reconhecermos o valor do indivíduo diante de Deus.

Há também os que dirão: “O sonho de Deus é o de ter muitos filhos semelhantes a Jesus, conforme está escrito em romanos 8:29.” Sim, Deus deseja com que muitos sejam salvos. Não advogo a causa de que apenas poucos serão salvos, embora também não defenda o universalismo. Por isso me acusar de sectário ou exclusivista é incoerente. O que abordo é que a prioridade do “alcance das multidões” não pode estar acima da propagação do Evangelho. Pois, repito, o segundo aspecto deve ser a causa e o primeiro o mero efeito, e não no sentido inverso como ocorre atualmente. Neste caso, a ordem dos fatores altera o resultado.

Lucas salienta o crescimento demográfico da Igreja: “Assim, a palavra de Deus se espalhava. Crescia rapidamente o número de discípulos em Jerusalém: também um grande número de sacerdotes obedecia a fé.” (Atos 6:7). Conforme vemos nos relatos anteriores, Pedro e os demais apóstolos estavam comprometidos com a propagação do verdadeiro Evangelho. Tal crescimento - que podemos chamar de vertiginoso -, no entanto, não era oriundo de um evangelho corrompido e contaminado por uma autoajuda ineficaz como o que vemos ser disseminado atualmente.

Tal crescimento também era resultado do valor que eles davam ao indivíduo (Atos 2:46-47). Vemos que no glorioso episódio de Pentecostes cada um dos presentes ouviu as maravilhas de Deus em Sua própria língua (Atos 2:7). Deus ama o mundo (Evangelho segundo João 3:16), mas dá ênfase ao indivíduo (Jeremias 1:5, Salmo 139:13). Jesus, como Deus, compreendia tal valor. Por isso não poupou esforços em consolar Pedro, abatido pela depressão, de chamá-lo para a suprema obra de apascentar Suas ovelhas (Evangelho segundo João 21:17). Não importou em mostrar suas feridas, já ressuscitado, ao incrédulo Tomé (Evangelho segundo João 20:27).

Jesus respeita a individualidade, algo que a Igreja, no afã de “conquistar multidões”, abandonou. O fiel tem que se moldar ao sistema eclesiástico vigente. Caso contrário, “atrapalha o processo de evangelismo e conversão”. Por muitos anos não consegui me encaixar na “engrenagem” de um destes sistemas. Por isso, permaneci “infrutífero”. Pela misericórdia de Deus, foi me dada uma oportunidade de servi-Lo segundo os dons que Ele me concedeu: escrita e ensino. Há alguns anos sou professor de ensino religioso e capelão escolar em uma escola cristã, e de teologia sistemática no seminário teológico da congregação onde frequento. Não pedi nenhum destes cargos. Apenas minha individualidade foi reconhecida. E isso me permitiu ser usado por Deus e, consequentemente, influenciar pessoas.

Não, não tenho uma “multidão” que me segue. Apenas poucos alunos que o Espírito Santo, também através de minhas aulas, fez com que tivessem um encontro com o Cristo das Escrituras que Paulo, ao elucidar sobre sua influência, adverte os cristãos a seguirem. Não importa a quantidade. O que importa é que estas pessoas estão seguindo a Cristo, e não propriamente a minha pessoa ou um sistema humano qualquer. Aliás, não há outro “sistema” além do preconizado por Paulo em sua carta aos efésios (Efésios 2:20-22).

Sim, sei da responsabilidade de meu testemunho. Vigio para que o fazer e ensinar de Jesus (Atos 1:1) seja vigente em minha vida (Tiago 1:22). E o fato de desejar que os meus alunos sigam Cristo me compele a ser Seu referencial para eles. Portanto, minha parte é apenas dar aulas e praticá-las com “temor e tremor” (Filipenses 2:12). O restante é papel do Espírito Santo (Evangelho segundo João 16:8-13).

Juntamente com influência, o termo relevância também tem sofrido uma séria distorção em seu conceito. Pois relevante, de acordo com o senso comum vigente no meio evangélico, é influenciar o maior número possível de pessoas. E influenciar é definido como fazer com que uma pessoa lhe siga. Por isso tentam mesclar o Evangelho com muitas estratégias corporativas.

O resultado? Uma teologia que ignora preceitos básicos da fé como renúncia e arrependimento. Afinal, “tudo posso naquele que me fortalece”, não é verdade? Não, não é. Pois não foi isso que Paulo quis dizer em sua carta aos filipenses. Mas ensiná-los que em todas as circunstâncias, tanto na abundância como na escassez, na alegria ou na tristeza, Cristo é a Suprema fonte. No entanto, este caráter evidente no ensino de Paulo é completamente destoante do teologismo neo-pentecostal, leia-se “teologia da prosperidade”.

Termino com a célebre influência de Judas, irmão de Tiago, líder da Igreja em Jerusalém: “senti que era necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé de uma vez por todas confiadas aos santos.” (Judas 3).

Este também é o desejo do meu coração e o propósito que me levou a escrever estes ensaios.

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quinta-feira, 16 de abril de 2015

Ensaios sobre ‘Influência’ e ‘relevância’ – Parte I

Matheus Viana

Influência é algo prioritário para muitos. Por isso o sentido de suas vidas está intimamente ligado com o número de pessoas que influenciam. Assim, acreditam que tal fato lhes dá credibilidade e autoridade para fazerem, em alguns casos, as coisas mais bizarras e difundirem as ideias mais ilógicas que podemos imaginar. Nutrem um ufanismo travestido de “responsabilidade” e também de “guardião da coerência e do bom senso”. Não classificam suas ações apenas como importantes, mas como fundamentais.

O conceito de influência exercido e difundido atualmente, no entanto, é completamente diferente do encontrado nas Escrituras. Óbvio que não tenho a pretensão de emitir o significado pleno da expressão, tampouco esgotar a extensa reflexão que o tema exige. Mas basta analisarmos alguns trechos das Escrituras, analisando todo seu contexto e não de forma isolada, para vermos que tal fato é evidente.

O apóstolo Paulo advertiu os cristãos da cidade de Corinto: “Sede meus imitadores como eu sou de Cristo.” (I Coríntios 11:1). Aquela era uma Igreja problemática. Em sua carta, lemos Paulo fazendo severas exortações de ordem moral, social e espiritual. É notório que não estava preocupado em “arrebanhar uma multidão” de prosélitos, mas formar pessoas que, seguindo seu exemplo, imitassem a Cristo.

Tal imitar, por sua vez, não consiste, conforme afirmei em outras ocasiões, apenas em repetir movimentos meramente mecânicos. Mas em atitudes resultantes de pensarem e sentirem como Cristo. Por isso elucida tal fato em sua carta aos cristãos de Filipos: “Tede em vós a mesma atitude que houve em Cristo Jesus.” (Filipenses 2:5). Sendo assim, a influência que Paulo exerceu e buscou alcançar não consistiu na uniformidade de rígidos métodos religiosos - vide o concílio de Jerusalém - e eclesiásticos que, infelizmente, são comuns em muitas denominações evangélicas.

O conhecido clamor popular não quer calar: “Somos milhares de evangélicos, mas a sociedade não muda.”. Não se trata de afirmação sensacionalista nem de “fundamentalismo profético”, como alguns me acusam. E sim mera constatação de fatos. O livro Nossa cultura... ou o que restou dela, de Theodore Dalrymple, fala da degradação cultural do ocidente resultante do abandono dos valores contidos na moral judaico-cristã. O livro Calvinismo, de Abraham Kuyper, fala da superior diferença no desenvolvimento que se viu nos séculos XVII e XVIII nas nações protestantes em relação às outras. Desnecessário entrar nos pormenores de A ética protestante e o espírito do capitalismo de Max Weber. Contudo, esta realidade ruiu. Pois, conforme Dalrymple diagnosticou, a sociedade ocidental, que se julga “laica”, se distanciou do cristianismo. Por sua vez, o próprio cristianismo se distanciou de sua essência.

Este afastamento tem se tornado cada vez mais evidente desde o surgimento do movimento neo-pentecostal, onde o Evangelho foi substituído por estratégias de marketing sob o pretexto do “evangelismo de massa”. A ênfase deixou de ser a pregação e prática do Evangelho para ser a “conversão dos incrédulos”. Ou seja, as conversões não são mais o efeito da propagação do Evangelho, mas a causa. Isso em decorrência de deixarem de atribuir a verdadeira conversão à ação do Espírito Santo (Evangelho segundo João 16:8) para atribuir ao “sucesso de suas estratégias evangelísticas”. Com tal inversão de valores, o resultado foi a deturpação do Evangelho para um apelo emotivo carregado de autoajuda do começo ao fim.

Multidão e disseminação do Evangelho são compatíveis? Para responder tal questão, algumas ponderações devem ser consideradas. Jesus, conforme fazia costumeiramente, certa vez O pregou para uma grande multidão de ouvintes (Evangelho segundo João 6:22-25). Quando terminou Seu discurso, ouviu, de pronto, os discípulos dizendo: “Dura é essa palavra. Quem pode suportá-la?”. Mesmo assim, Ele não aliviou e continuou ensinando o verdadeiro caráter de Seu Evangelho (Evangelho segundo João 6:61-65). O resultado? “Daquela hora em diante, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e deixaram de segui-lo.” (Vs. 66). Qual foi a atitude súbita de Jesus? “Jesus perguntou aos doze: “Vocês também não querem ir?”.

Jesus conhecia a plenitude do propósito do Pai, por ser Deus, que repousava sobre a escolha que fizera dos doze discípulos, inclusive o que O haveria de trair (Evangelho segundo João 6:70). Mas a mensagem que queria emitir é que o Evangelho, em nenhuma ocasião, deve ser mudado ou deturpado. Nosso compromisso deve ser em proclamá-lo na íntegra, custe o que custar. Mesmo que isso redunde no abandono de todos aqueles que nos rodeiam. Jesus é tão enfático em relação a isso que advertiu Seus discípulos: “Não pensem que vim trazer paz a terra: não vim trazer paz, mas espada. Pois eu vim para fazer que: ‘o homem fique contra seu pai, a filha contra a sua mãe, a nora contra sua sogra; os inimigos do homem serão os de sua própria família.’” (Evangelho segundo Mateus 10:34-26).

Jesus não estava pregando a dissolução familiar, e sim esclarecendo que a imutabilidade do Evangelho deve ser mantida a qualquer preço, mesmo que seja a causa de uma perseguição como era comum no contexto judaico que, por exemplo, fundamentou a perseguição do judaísmo aos cristãos no primeiro século da era cristã. Importante também notar que o Evangelho de Jesus não veio “trazer paz”. Posso ouvir o bradar contrariado de alguns: “Como assim?”. Jesus não veio trazer a paz que o mundo oferece (Evangelho segundo João 14:27). Contudo, a paz de Cristo, infelizmente, tem sido interpretada como conforto e também como uma contextualização evangélica que redunda na maior aglutinação de pessoas que seja possível. Isto não é Evangelho...

domingo, 5 de abril de 2015

Um diálogo intelectual sobre algo espiritual - Parte II

Matheus Viana

Atualmente muitos colocam os conceitos de Evangelho simples e o de Evangelho irracional no mesmo patamar. Pois afirmam que não podemos compreender a vontade de Deus. Mas as Escrituras nos mostram, de forma clara, que são conceitos completamente diferentes um do outro. 


Em primeiro lugar, o Evangelho se torna simples por conta da ação do Espírito Santo em nosso entendimento. Pois o próprio Jesus disse: “O Espírito Santo convencerá o homem do pecado, da justiça e do juízo.” (Evangelho segundo João 16:8). É o Espírito Santo que “simplifica” o Evangelho para nós por meio de Seu consolo (Evangelho segundo João 14:26). O apóstolo Paulo testifica tal fato quando diz aos cristãos em Corinto: “Delas também falamos, não com palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas com palavras ensinadas pelo Espírito, interpretando verdades espirituais para os que são espirituais.” (I Coríntios 2:13 - Ênfase acrescentada).

O Evangelho é a pessoa de Jesus e Sua obra. Jesus é Deus (Evangelho segundo Lucas 14:9, Evangelho segundo João 1:14, Colossenses 1:15). E Deus não é algo simples para a razão humana (I Coríntios 2:11). O Evangelho se torna simples na medida em que nos relacionamos com Ele. Nos relacionamos com Ele na medida em que o buscamos. Para O buscarmos precisamos crer que Ele existe (Hebreus 11:6). Para crer que Ele existe devemos ter a consciência de Sua existência.

C.S Lewis certa vez dissertou sobre a origem do pensamento humano. Ele disse que o ato do pensamento é o produto de processos químicos e biológicos que ocorrem no cérebro. E estes processos seguem leis. E leis existem com um propósito. Neste caso, produzir o pensamento. Se o pensamento é pavimentado por um propósito é porque alguém o estabeleceu. Pois se o pensamento é fruto de processos aleatórios (leia-se “acaso evolucionista”), como podemos confiar em nossos pensamentos?

A questão é que Deus estabeleceu as leis, que determinam os processos que acontecem em nosso cérebro (aspecto objetivo/tangível) e mente, (aspecto subjetivo/intangível) para que possamos pensar. Por isso Ele indaga a Jó: “Quem foi que deu sabedoria ao coração e entendimento à mente?” (Jó 38:36). Conforme afirmei anteriormente, claramente esta indagação tinha como intento que Jó soubesse que a resposta era Aquele que formulou tal questionamento. Em decorrência disto, temos consciência da existência de Deus e de nossa existência. Por isso Calvino afirmou: “O verdadeiro conhecimento do homem é totalmente dependente do conhecimento de Deus.”.

O intelecto coletivo atual é pautado pelo modo de pensar iluminista, principalmente pela divisão kantiana de conhecimento. Immanuel Kant, ao formular seu criticismo no tocante à razão pura e à razão prática, divide o conhecimento em cognoscível e incognoscível. Conforme vimos anteriormente, os fenômenos naturais (ocorrências que podem ser compreendidas pela mente humana) são alvos de estudo através do método científico de Francis Bacon. Já o que não pode ser compreendido pela mente humana - e neste “pacote” ele colocou Deus e todas as coisas relacionadas a Ele - foi descartado.

Não entenderemos o Evangelho e o propósito de Deus nele contido apenas pelos esforços, por maiores que sejam, da mente humana (Romanos 12:2). E esta era a dificuldade de Nicodemos em entender o novo nascimento que Jesus lhe falou. Por isso devemos submeter nossa razão, e não anulá-la, à razão divina. Mas, para isso, devemos usar nossa razão para nos conscientizarmos do fato de que o Evangelho possui um propósito. E se possui um propósito é porque existe um Ser inteligente (racional) que o estabeleceu. Logo, o Evangelho não é irracional. Mas tem sua própria racionalidade, a qual chamo de racionalidade divina que nos é relevada pelo Seu Espírito através de Suas Escrituras. Portanto, repito: Evangelho simples não é Evangelho irracional. Irracional é quem diz que o contrário.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Um diálogo intelectual sobre algo espiritual - Parte I

Matheus Viana

Os fariseus eram conhecidos como eruditos – além de observadores radicais e praticantes do que conhecemos hoje como legalismo - da Lei de Moisés. Por isso apreciavam participar de discussões no tocante a ela. Nicodemos era um fariseu. Numa noite, foi fazer o que apreciava com um mestre que ensinava a Lei e os profetas de forma diferente. Mateus testifica sobre este Mestre ao relatar: E aconteceu que, concluindo Jesus este discurso (o sermão da montanha), a multidão se admirou da sua doutrina. Porquanto os ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas. (Evangelho segundo Mateus 7:28-29).

Nicodemos reconheceu Jesus como Mestre. Fato que evidencia Seu aspecto intelectual. Por mais que muitos cristãos refutem, Jesus, como homem, era munido de um intelecto notável (Evangelho segundo Lucas 2:45). João narra: E havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus. Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele.” (Evangelho segundo João 3:1-2).


Nicodemos não reconheceu apenas a inteligência e erudição de Jesus, mas também a ação sobrenatural de Deus em Sua vida. Pois a sabedoria de Jesus, expressa em Seus sermões, era demonstrada, de forma prática, através de Seus sinais e milagres. Foi exatamente este o caráter que o apóstolo Paulo, durante seu ministério, evidenciou em sua carta aos coríntios: “Minha pregação não consistiu em linguagem persuasiva de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e poder.” (I Coríntios 2:4-5). Diferente do que muitos cristãos professam e ensinam, principalmente nos círculos pentecostais e neopentecostais, a “demonstração de poder” não anula o discurso oral de sabedoria. Tal fato é claro quando analisamos as atitudes de Jesus e dos apóstolos nas Sagradas Escrituras.


Conforme vemos no evento de Pentecostes e também no ensino de Paulo sobre os dons do Espírito, por exemplo, a ação do Espírito deve ser algo acessível ao entendimento das pessoas, por isso deve ser pautada, seja antes ou depois, em um ensino oral fundamentado na “doutrina dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus como a Pedra Angular.” (Efésios 2:20-21). Por isso, elucidando sobre a pessoa de Jesus, Paulo diz: “Jesus é a sabedoria (gnose) e o poder (dunamis) de Deus.” (I Coríntios 1:24). Um atributo não pode ser destituído do outro.

O foco do diálogo foi o novo nascimento. O apóstolo Paulo elucida sobre ele: “Aquele que está em Cristo, nova criatura é. As coisas velhas passaram, eis que tudo se fez novo.” (II Coríntios 5:17). Vemos aqui que os elementos novo nascimento e novidade de vida são indissociáveis. Assim, o produto de um verdadeiro novo nascimento é a mudança total em nossa maneira de pensar, sentir e agir. Tal fato nos remete ao arrependimento.

Agimos de acordo com conceitos que formulamos como frutos de nossas experiências racionais e empíricas. E isto também inclui a experiência religiosa. Portanto, não há novo nascimento sem mudança de mente. O primeiro atributo que foi corrompido no ser humano foi sua forma de pensar. O apóstolo Paulo elucida tal fato: "O deus deste século cegou o entendimento das pessoas para não lhes resplandecer a luz do Evangelho." (II Coríntios 4:4). Eva ouviu uma proposta diferente da que Deus havia feito e isso a levou a desejar o ilícito. O desejo, entretanto, foi o efeito de uma causa primária: ouvir a proposta da serpente e pavimentar seu raciocínio nela. Por isso o apóstolo Paulo adverte: “O que receio, e quero evitar, é que assim como a serpente enganou Eva com astúcia, a mente de vocês seja corrompida e se desvie da sincera e pura devoção a Cristo.” (II Coríntios 11:3).

A mente de Nicodemos teria que ser mudada. Pois assim ele entenderia o novo nascimento e se submeteria a ele. Vemos aqui que Jesus lhe apresenta o culto racional. Pois ao propor o novo nascimento, Jesus fala da necessidade que ele tem de mudar de mente, ou seja, de se arrepender. O pecado afasta o homem de Deus e consequentemente de Seu Reino. Nicodemos conhecia a Escritura que foi estabelecida por meio do profeta Isaías: “Mas as suas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus, as suas transgressões esconderam de vocês o rosto dele.” (Isaías 59:2).

Nicodemos não poderia experimentar o novo nascimento se sua mente não fosse transformada. Por isso indaga a Jesus: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” (Evangelho segundo João 3:4). Sua razão humana teria que se submeter à razão divina. E esta submissão consiste em pensar segundo ela.

Continua...