Sabemos que boa parte da mensagem disseminada está longe da essência da cruz e de todo o legado de Cristo. O motivo? Não temos ouvido o Evangelho pleno. Consequentemente, não o temos proclamado.
Matheus Viana
Foi trazido à presença de Jesus um homem surdo e com grande dificuldade na fala (Evangelho segundo Marcos 7:31-35). Algumas traduções dizem que ele era gago. Como era de praxe, Jesus o curou. Embora seja um episódio remoto, é completamente pertinente a nós.
Antes de meditarmos nos pormenores da cura, analisemos as deficiências sensoriais que acometiam o homem. São reflexos das deficiências espirituais que nos acometem. Sua surdez representa a nossa incapacidade de ouvirmos a voz de Deus. Sei que a afirmação seguinte causará espanto e indignação. Mas se compararmos o contexto atual com o desejo de Deus de se revelar a nós por meio de Sua Palavra veremos que estamos no mesmo enredo vivido nos dias do menino Samuel: “E o jovem Samuel servia ao SENHOR perante Eli; e a palavra do SENHOR era de muita valia naqueles dias; não havia visão manifesta.” (I Samuel 3:1).
Sim, avançamos muito desde a Reforma Protestante. Temos vivido dias de certa abundância da Palavra de Deus em nosso meio. Mas, na medida em que o Espírito perscruta o coração de Deus e nos revela (I Coríntios 2:10), adquirimos a consciência de que ainda estamos longe do alvo que Ele deseja que alcancemos.
No Éden, Deus falava diretamente com o homem todos os dias na viração do dia. Uma relação de amizade baseada numa aliança de paternidade. Mas, como sabemos, o pecado causou uma grave ruptura que só pôde ser restaurada pelo sangue do cordeiro morto antes da fundação do mundo (Apocalipse 13:8). Ao longo do Antigo Testamento, vemos Deus, com algumas exceções, falando ao Seu povo através de intermediadores: os profetas (Amós 3:7).
Creio (sem contar com informações teológicas para isso) que Deus não intentava levantar profetas ou qualquer outro mediador para fazer Sua voz ser ouvida pelo homem. Mas a quebra no relacionamento criou esta necessidade. Por conta do pecado, fomos separados de Deus (Isaías 59:2), o que nos impede de ouvirmos Sua voz.
Hoje não é diferente. O povo de Deus, mesmo com toda obra que Ele tem feito em nosso meio, ainda não é capaz de ouvir a plenitude de Sua Palavra diretamente da fonte. Os apóstolos e profetas são necessários? Claro que sim! Mas o relacionamento que Deus espera ter conosco é falar diretamente a nós. Que sejamos os profetas que recebam de Sua Palavra e a repasse aos “surdos”, a fim de que seus “ouvidos” sejam abertos e ouçam a voz de Deus de Seus próprios lábios (Evangelho segundo Mateus 17:11).
É neste ponto que outra deficiência se manifesta: a gagueira, ou seja, a incapacidade de falar normalmente. A “gagueira” espiritual consiste em não proclamarmos a plenitude do Evangelho de Cristo. Temos vivido dias de um notável crescimento demográfico dos “evangélicos”. Portanto, sabemos que boa parte da mensagem disseminada está longe da essência da cruz e de todo o legado de Cristo. O motivo? Não temos ouvido o Evangelho pleno. Consequentemente, não o temos proclamado. Pois, conforme preconiza o apóstolo Paulo: “Como ouvirão se não há quem pregue?”. (Romanos 10:14). Só poderemos pregar aquilo que ouvimos.
O homem relatado por Marcos passou a ouvir quando Jesus colocou seus dedos no ouvido dele. Tal gesto é mais do que uma simples dinâmica. A Lei divina foi escrita pelo dedo de Deus (Êx 31:18). Jesus era a Palavra encarnada (Evangelho segundo João 1:1 e 14). Ou seja, o dedo de Jesus no ouvido daquele surdo significa nossos ouvidos espirituais (o coração) sendo inundados pela Palavra de Deus. Só esta plenitude pode curar nossa surdez. Não é a toa que o sábio Salomão adverte: “De todas as coisas que deves guardar, guardas o coração, pois dele procedem as fontes da vida”. (Provérbios 4:23).
Em seguida, com o mesmo dedo, tocou a língua do homem. Isso nos faz lembrar da icônica experiência vivida pelo profeta Isaías, onde seus lábios foram purificados de toda impureza por uma tenaz oriunda do altar de Deus (Isaías 6:7). Jesus disse certa vez: “A boca fala do que está cheio o coração”. (Evangelho segundo Mateus 15:18). Quando nosso coração é cheio do genuíno Evangelho, nossa língua é liberada e nossos lábios purificados para proclamarmos aquilo que ouvimos.
Que sejamos curados de nossa “surdez” e, consequentemente, de toda “gagueira”!
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