domingo, 4 de setembro de 2011

Unidade de propósito, diversidade de linguagem


Matheus Viana


É relevante refletirmos sobre a torre de Babel por uma perspectiva diferente da disseminada à exaustão. Ela evidencia o quanto a unidade sem a pluralidade - e com um intento equivocado - é nocivo.

O livro de Gênesis diz: “Sucedeu que, partindo eles do oriente, deram com uma planície na terra de Sinear e habitaram ali.” (Gênesis 11:2). Longe de ser apenas um local meramente geográfico, o oriente, nas Escrituras, possui uma conotação divina. Ele simboliza a direção da Glória de Deus.

O Éden, de acordo com as Escrituras, possuía um jardim criado por Deus para que o homem nele habitasse. Em que direção estava situado? Ao oriente (Gênesis 2:8). Era ali que o Criador – em pessoa – dirigia-se, todos os dias, para se relacionar com o homem. O profeta Ezequiel relatou sua visão dizendo: “Então me levou à porta que olha para o oriente. E eis que do caminho do oriente vinha a glória de Deus”. (Ezequiel 43:2).

O homem, desde o início, preteriu a vontade divina e com isso abandonou este lugar glorioso. A sentença foi sumária: “No suor do teu rosto comerás o teu pão”. (Gênesis 3:19). Consequentemente, passou a agir e a viver de forma independente. A glória divina foi substituída pela vanglória humana. O homem passou a receber a honra pelos seus feitos. Foi neste ímpeto que alguns planejaram construir uma torre que chegasse aos céus. O objetivo é evidente: “tornemos célebre o nosso nome”. (Gênesis 11:4). A torre de Babel era – e ainda é - a personificação do orgulho humano.

O atributo que viabilizou tal empreitada foi a linguagem única. Por isso Deus os dispersou colocando entre eles línguas diferentes (Gênesis 11:9). A verdade de que a unidade que Jesus espera que vivamos é plural ressoa por todas as Escrituras. Ele certa vez orou: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” (Evangelho segundo João 17:21).

Baseados nesta oração, podemos afirmar que a unidade entre Deus Pai e Deus Filho é o modelo da unidade que Jesus deseja que Seus discípulos vivam. No entanto, ela é plural. Em Gênesis 1:26 vemos a sentença: “Disse Deus: façamos...”. Opa... Erro de concordância? Não! “- Mas o sujeito está no singular e o verbo foi conjugado no plural?”. Isso mesmo. Embora seja um único Deus, Ele é um ser trino: Pai, Filho e Espírito Santo. Na criação do homem narrada em Gênesis, o Pai deu forma com o pó da terra, Jesus foi o modelo e o Espírito Santo lhe concedeu o fôlego de vida. Um Deus. Um propósito. Funções diferentes e complementares. A unidade divina é coesa, mas plural.

Poderia dissertar sobre a diversidade entre os discípulos de Jesus, mas o espaço e sua paciência não permitem. No entanto, recorro à elucidação feita pelo apóstolo Paulo sobre o que ele chamou, sabiamente, de ‘Unidade Orgânica da Igreja’. Leia o capítulo 12 da primeira epístola aos coríntios e veja por si mesmo.

Paulo está falando do corpo de Cristo na terra: a Igreja. Veja o que ele diz: “Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. (...) Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato?”. (I Coríntios 12:14 e 17).

Unidade sem pluralidade gera “torres de Babel”. Infelizmente, temos visto muitas sendo erigidas em nossos dias. Seus construtores usam as Escrituras para criar uma linguagem e, baseados nela, estabelecer uma unidade desprovida de diversidade. Segundo as Escrituras, o Espírito que opera em “torres” não é o que provém de Deus.

No episódio que culminou no estabelecimento da Igreja Primitiva, cumprindo a profecia de Jesus a Pedro (Evangelho segundo Mateus 16:18), “veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles.” (Atos 2:2-3).

Veja! Lucas, discípulo de Jesus e autor do livro de Atos, relata que apareceram “línguas” e não “língua”. Foi um mover plural e ao mesmo tempo pessoal. “E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.” (Atos 2:4).

Deus, através de Seu Espírito, concedeu a cada pessoa uma linguagem visando um propósito: o estabelecimento do Reino dos Céus. Como? Pregando o Evangelho do Reino a fim de que Sua justiça se manifeste sobre a humanidade. Não me refiro a uma religião, mas à vida abundante que Ele veio oferecer (Evangelho segundo João 10:10).

Em Pentecostes, cada um recebeu uma linguagem que foi ouvida por contingentes específicos. Veja o relato de Lucas: “E em Jerusalém habitavam judeus e homens de todas as nações que estão debaixo do céu. E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua. E todos pasmavam e se maravilhavam, dizendo uns aos outros: Pois quê! não são galileus todos esses homens que estão falando? Como, pois, os ouvimos, cada um, na nossa própria língua em que somos nascidos?” (Atos 2:5-8).

Devemos disseminar o Evangelho do Reino com a linguagem que recebemos do Espírito Santo. As “línguas” que Ele me concedeu foi o ensino e a escrita. A “língua” relatada por Lucas no livro de Atos se refere também ao dom que você possui. O apóstolo Paulo preconiza: “A manifestação do Espírito é concedida a cada um, visando um fim proveitoso”. (I Coríntios 12:7). Antes, porém, elucida: “Ora, os dons são diversos, mas o Espírito é o mesmo”. (I Coríntios 12:4).

Receba a sua “língua” e pregue o Evangelho. Esta preciosa semente nunca volta vazia. Os frutos virão no devido tempo (Isaías 55:11). Nunca se aparte deste atributo: unidade de propósito, diversidade de linguagem.

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