Para entendermos um
pouco mais o que o apóstolo Paulo quis ensinar no capítulo 8 de sua carta aos
romanos, devemos primeiramente compreender o contexto em que ela foi escrita.
Matheus
Viana
A
expressão grega ‘pneuma’ é utilizada no português como referência ao fôlego humano.
Um exemplo é a palavra ‘pneumonia’, usada para nomear a infecção pulmonar que
acarreta na queda da capacidade de respiração de um indivíduo.
No
entanto, a expressão ‘pneuma’ é traduzida para o português como ‘espírito’. A
palavra ‘Espírito’ - com maiúsculo -, que faz referência ao Espírito Santo de
Deus, é a tradução da palavra grega ‘pneumatos’ – que aparece, por exemplo, em
Atos 1:8 na versão original - para o português.
É
interessante quando analisamos a narrativa de Gênesis: “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas
narinas o fôlego da vida, e o homem foi feito alma vivente”. (Gênesis 2:7).
A palavra ‘formar’, diferente de criar, nos dá a ideia de que algo, neste caso o
ser humano, foi feito segundo um padrão, uma forma para ser mais exato. Não é
simples semântica.
Deus
é um Ser trino. Portanto, o homem foi formado à imagem de Jesus, o Deus que se
fez homem (Colossenses 1:15, Evangelho segundo João 1:14). O apóstolo Paulo faz
alusão do próprio Jesus como o ‘Segundo Adão’ (I Coríntios 15:45). No final do
processo de criação do homem, Deus faz dele uma alma vivente. Ou seja,
concede-lhe a capacidade de pensar, sentir, desejar e escolher, a qual
Agostinho denomina como livre-arbítrio. Mas há algo fundamental entre o começo
e o fim deste processo.
Deus
concede ao homem o fôlego de vida. Não se trata de mera capacidade de
respirar. Isso
mesmo! Deus soprou sobre o homem o ‘pneumatos’. Seu Espírito passou a habitar
no homem a partir de então. Que privilégio! Portanto, podemos concluir a
anatomia do ser humano antes da queda baseada em Gênesis 2:7: ele é constituído
de um corpo, possui uma alma e o Espírito Santo de Deus habita em seu interior.
Sabemos,
no entanto, que o homem pecou e cumpriu-se nele a sentença dada previamente por
Deus de que no dia em que comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e
do mal morreria (Gênesis 2:17). Esta morte é a ausência do Espírito de Deus
sobre o homem (Efésios 2:1).
O
apóstolo Paulo elucida sobre este fato em um dos trechos mais importantes das
Escrituras: o capitulo 8 de sua carta aos romanos. Para entendermos a
profundidade – e nunca a totalidade – do que ele quis ensinar, devemos
primeiramente compreender o contexto em que esta carta foi escrita, entre os
anos 55 e 57 d.C.
O
império romano vivia seu auge. Subjugara o vasto império de Alexandre, o grande
e também o reino de Israel. Contudo, apesar de seu poderio militar e abrangência
política, era um império culturalmente dominado pela filosofia grega, também
chamada de helenística.
Um
dos sofistas gregos que mais exerceu influencia no pensamento e na cosmovisão
dos cidadãos romanos da época foi Platão com sua dicotomia consciência/corpo, entre
outros parâmetros filosóficos. Dividiu seu método para obtenção do conhecimento
em duas partes: o mundo sensitivo, que faz uso dos sentidos; e o mundo das
ideias, que faz uso da razão.
Platão
afirmava que o exercício da plena e genuína consciência e a consequente
obtenção do conhecimento não eram possíveis através dos sentidos, mas somente
pela razão. Acreditava que a alma humana, antes de ser presa pelo cárcere do
corpo, pertencia ao mundo das ideias. Afirmava que o ser humano é constituído
de razão (consciência) e possui uma alma (presa ao corpo), sempre submissa à
razão. Veremos o desdobramento deste pensamento em outros filósofos, como René
Descartes, por exemplo, em outra oportunidade.
A
alma humana, segundo Platão, divide-se em coragem - a capacidade de lutar - e desejo
- referente ao trabalho e aos relacionamentos afetivo e sexual. Vejamos então a
anatomia humana em sua visão:
·
Consciência
(razão) – região da cabeça
·
Alma
(aprisionada pelo corpo):
Coragem
(capacidade de lutar) – região do peito e do bíceps
Desejo
– (capacidade de sentir e de amar) – região do baixo ventre e dos órgãos
genitais
Para
Platão, o exercício da razão estava totalmente separado do corpo. Por isso, agir segundo
os impulsos da coragem e do desejo representava para ele o total abandono da
razão. Este raciocínio vai fundamentar a teologia dos patrísticos nos séculos II a VII, cujo representante mais emblemático é Agostinho de Hipona. É do
pensamento platônico - passando pelo estoicismo de Zenão - que vai surgir a teoria cristã da guerra entre o Espírito de Deus, que conduz
à santidade, e os feitos da carne (corpo), que conduzem ao pecado. Na tentativa de
vencer o desejo do corpo e, consequentemente, o pecado, tornam-se comuns as
práticas do ascetismo e, em casos mais extremos, do autoflagelo.
É
este drama helênico, fundamentado na experiência, doutrina e razão cristãs, que Paulo utiliza para ilustrar o embate entre a vontade de Deus e a
vontade humana. Era a linguagem que os romanos entendiam. Conforme preconiza, os filhos de Deus são guiados a viverem de acordo com o Seu Espírito (Romanos 8:14). Por isso,
deve-se mortificar a carne, ou seja, seus desejos e concupiscências (Romanos
8:13), de modo a recebermos de seu ‘pneumatos’ (Romanos 8:11). Pois, assim como
Ele ressuscitou a Jesus dentre os mortos, nos ressuscitará para vivermos a Nova
Vida que nos foi preparada (II Coríntios 5:17, Evangelho segundo João 10:10).
Continua...
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