sexta-feira, 3 de abril de 2015

Um diálogo intelectual sobre algo espiritual - Parte I

Matheus Viana

Os fariseus eram conhecidos como eruditos – além de observadores radicais e praticantes do que conhecemos hoje como legalismo - da Lei de Moisés. Por isso apreciavam participar de discussões no tocante a ela. Nicodemos era um fariseu. Numa noite, foi fazer o que apreciava com um mestre que ensinava a Lei e os profetas de forma diferente. Mateus testifica sobre este Mestre ao relatar: E aconteceu que, concluindo Jesus este discurso (o sermão da montanha), a multidão se admirou da sua doutrina. Porquanto os ensinava como tendo autoridade, e não como os escribas. (Evangelho segundo Mateus 7:28-29).

Nicodemos reconheceu Jesus como Mestre. Fato que evidencia Seu aspecto intelectual. Por mais que muitos cristãos refutem, Jesus, como homem, era munido de um intelecto notável (Evangelho segundo Lucas 2:45). João narra: E havia entre os fariseus um homem, chamado Nicodemos, príncipe dos judeus. Este foi ter de noite com Jesus, e disse-lhe: Rabi, bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus, porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não for com ele.” (Evangelho segundo João 3:1-2).


Nicodemos não reconheceu apenas a inteligência e erudição de Jesus, mas também a ação sobrenatural de Deus em Sua vida. Pois a sabedoria de Jesus, expressa em Seus sermões, era demonstrada, de forma prática, através de Seus sinais e milagres. Foi exatamente este o caráter que o apóstolo Paulo, durante seu ministério, evidenciou em sua carta aos coríntios: “Minha pregação não consistiu em linguagem persuasiva de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e poder.” (I Coríntios 2:4-5). Diferente do que muitos cristãos professam e ensinam, principalmente nos círculos pentecostais e neopentecostais, a “demonstração de poder” não anula o discurso oral de sabedoria. Tal fato é claro quando analisamos as atitudes de Jesus e dos apóstolos nas Sagradas Escrituras.


Conforme vemos no evento de Pentecostes e também no ensino de Paulo sobre os dons do Espírito, por exemplo, a ação do Espírito deve ser algo acessível ao entendimento das pessoas, por isso deve ser pautada, seja antes ou depois, em um ensino oral fundamentado na “doutrina dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus como a Pedra Angular.” (Efésios 2:20-21). Por isso, elucidando sobre a pessoa de Jesus, Paulo diz: “Jesus é a sabedoria (gnose) e o poder (dunamis) de Deus.” (I Coríntios 1:24). Um atributo não pode ser destituído do outro.

O foco do diálogo foi o novo nascimento. O apóstolo Paulo elucida sobre ele: “Aquele que está em Cristo, nova criatura é. As coisas velhas passaram, eis que tudo se fez novo.” (II Coríntios 5:17). Vemos aqui que os elementos novo nascimento e novidade de vida são indissociáveis. Assim, o produto de um verdadeiro novo nascimento é a mudança total em nossa maneira de pensar, sentir e agir. Tal fato nos remete ao arrependimento.

Agimos de acordo com conceitos que formulamos como frutos de nossas experiências racionais e empíricas. E isto também inclui a experiência religiosa. Portanto, não há novo nascimento sem mudança de mente. O primeiro atributo que foi corrompido no ser humano foi sua forma de pensar. O apóstolo Paulo elucida tal fato: "O deus deste século cegou o entendimento das pessoas para não lhes resplandecer a luz do Evangelho." (II Coríntios 4:4). Eva ouviu uma proposta diferente da que Deus havia feito e isso a levou a desejar o ilícito. O desejo, entretanto, foi o efeito de uma causa primária: ouvir a proposta da serpente e pavimentar seu raciocínio nela. Por isso o apóstolo Paulo adverte: “O que receio, e quero evitar, é que assim como a serpente enganou Eva com astúcia, a mente de vocês seja corrompida e se desvie da sincera e pura devoção a Cristo.” (II Coríntios 11:3).

A mente de Nicodemos teria que ser mudada. Pois assim ele entenderia o novo nascimento e se submeteria a ele. Vemos aqui que Jesus lhe apresenta o culto racional. Pois ao propor o novo nascimento, Jesus fala da necessidade que ele tem de mudar de mente, ou seja, de se arrepender. O pecado afasta o homem de Deus e consequentemente de Seu Reino. Nicodemos conhecia a Escritura que foi estabelecida por meio do profeta Isaías: “Mas as suas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus, as suas transgressões esconderam de vocês o rosto dele.” (Isaías 59:2).

Nicodemos não poderia experimentar o novo nascimento se sua mente não fosse transformada. Por isso indaga a Jesus: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” (Evangelho segundo João 3:4). Sua razão humana teria que se submeter à razão divina. E esta submissão consiste em pensar segundo ela.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário