Matheus
Viana
Sabemos
que Deus não quer que O conheçamos apenas no nível da opinião, mas que possamos
atingir o conhecimento oriundo da experiência. No entanto, no que ela consiste? Esta é a questão fundamental. O primeiro aspecto a ser analisado
são os dois pontos nela envolvidos: o sujeito (o ser humano que busca o
conhecimento) e o objeto (Deus, o ente a ser conhecido).
A
experiência do ser humano com algo natural, chamada de fenômeno, pode ser
descrita e explicada de acordo com a área em que ela ocorreu. Por exemplo, se é
um fenômeno no corpo, ele é estudado a partir das premissas fenomenológicas
das ciências que lidam com o corpo humano como biologia, ortopedia entre
outras. Caso seja um fenômeno mental, será estudado a partir da neurociência, da
psiquiatria e da psicologia. É neste mote, por exemplo, que August Comte
teorizou a sociologia, também conhecida como ciências sociais, onde propôs a
fenomenologia dos fatos sociais.
Contudo,
conforme preconizou Edmund Husserl, considerado o pai da fenomenologia moderna,
estas especificidades não são independentes, mas interdependentes. Ou seja,
outros ramos da ciência são utilizados não apenas para descrever o fenômeno (o
quê ocorreu), mas também para entendê-lo (por quê ocorreu). Um exemplo são as
chamadas doenças psicossomáticas. Nestes casos, torna-se necessária uma
fenomenologia que contemple os diferentes aspectos envolvidos no
processo que desencadeou a enfermidade (fenômeno a ser estudado).
Mas
sabemos que a obtenção da verdade – e também da descrição e explicação do
fenômeno - apenas pelo método científico trata-se de um reducionismo. O Pe.
Ednilson Turozi de Oliveira, doutor em Ciência e Filosofia da Religião, em seu
livro Ensino Religioso: fundamentos
epistemológicos (Intersaberes – 2012); cita uma breve síntese do pensamento
dos especialistas em História e Ciência da religião, Giovanni Filoramo e Carlo
Prandi, contido no livro As ciências das
religiões. Elucidando sobre a chamada “autonomia do objeto”, Ednilson Oliveira afirma: “Para eles (Filoramo e Prandi), existe uma autonomia da experiência
religiosa que escapa do campo da investigação empírica”.
Esta
autonomia, a qual também podemos batizar de peculiaridade, dá-se pelo fato de
que a experiência religiosa, cientificamente chamada de númeno, é uma relação
do natural (sujeito) com o sobrenatural (objeto). Por isso, o critério fenomenológico
da experiência religiosa abarca o ser humano integralmente pelo fato de ela compreender
e considerar todas as áreas de sua vida. É por isso que Jesus, citando o Shemá
(Deuteronômio 6:5), preconizou: “Amarás o
Senhor teu Deus, de todo o coração, de toda a sua alma e de todo o seu
entendimento.” (Evangelho segundo Mateus 22:37).
Apenas
ouvir sobre Deus não é o suficiente. Longe disso. Contudo, este fato não pode
nos levar a desprezarmos a importância de ouvirmos. Ele é o ponto de partida,
mas não o de chegada. Neste mote, o apóstolo Tiago adverte: “Não sejais apenas ouvintes, mas sim
praticantes.” (Tiago 1:22). A prática da Palavra é produto de uma
experiência com ela.
Conforme
vimos no texto O
processo de crescimento, a prática é o terceiro passo do processo da
sabedoria. O primeiro é a informação (ouvir a Palavra) e o segundo é adquirir o
conhecimento, ato que consiste em digerir a informação com a mente. No caso do cristão, é renovar seu entendimento (Romanos
12:2) através da ação do Espírito Santo (Evangelho segundo João 14:26) que nos
revela os pensamentos de Deus (I Coríntios 2:11-16).
A
maioria dos estudiosos de ciência da religião não faz separação entre sujeito
e objeto, mas considera que ambos são coesos e interligados. Isto talvez seja
pelo fato de que Husserl, em sua fenomenologia científica, também não faça. Ele chega a afirmar que o sujeito doa sua consciência e inteligibilidade ao objeto. Na teoria
da percepção religiosa, feita por William Alston, a experiência religiosa é
condicionada por perspectivas históricas, religiosas e culturais. E, por isso,
a descrição e a explicação da experiência levam em conta a interpretação
pessoal do sujeito. Exemplo: a mesma experiência vivida por dois sujeitos
diferentes, um cristão e outro budista, será por eles descrita e explicada de
acordo com seus pressupostos.
É
aqui que entra em cena a importância de “ouvirmos a Palavra de Deus”, ou melhor, do
ensino teológico como base de nossos pressupostos históricos, culturais e
religiosos. A teologia cristã, em sua amplitude, estuda quem o sujeito é e também quem
o objeto é. É por isso que Calvino afirma em sua primeira instituta: "O verdadeiro conhecimento do ser humano é completamente dependente do verdadeiro conhecimento de Deus". E, a partir destes conhecimentos, podemos analisar, de forma
completa, a experiência religiosa (nosso relacionamento com Deus). Por isso a
ação de Deus no ser humano – através do Espírito Santo – é determinada pela Sua
Palavra – escrita ou falada (Evangelho segundo João 14:26).
Salomão alertou: “Ensina a
criança o caminho em que deve andar...” (Provérbios 22:6) e Esdras afirmou:
“Guardo no meu coração as tuas palavras ...” (Salmos 119:11). Pois uma experiência religiosa
fora da Palavra de Deus nos conduzirá para longe Dele e, consequentemente, para
longe do conhecimento que Ele deseja que alcancemos. Em outras palavras: o objeto da experiência religiosa não será Deus.
Diferente
de Husserl, David Hume, além de separar sujeito de objeto, divide o objeto em
duas partes: o ser e a aparência do ser. No campo da religião, Wayne Proudfoot usa
a dicotomia entre sujeito e objeto e foca sua fenomenologia no sujeito, levando
em consideração a explicação histórica, cultural e religiosa que o levou a ter
tal experiência. Em contrapartida, na tentativa de encontrar algo em comum que fundamente
as diferentes experiências religiosas, Willian James, Walter Stace e Caroline
Franks Davis afirmam, consensualmente, que existe um núcleo comum entre elas.
Contudo, ele extrapola os pressupostos religiosos, históricos e culturais, que
podem ser diferentes.
Sim,
este núcleo existe. Podemos afirmar que se refere à necessidade que o ser humano possui de conhecer algo além de si mesmo (Não deixe de ler o texto Perscrutando o imperscrutável). Ou melhor, de conhecer sua origem e também do mundo em que vive. Sendo assim, este núcleo
comum é a necessidade de conhecer Aquele de onde tudo se originou. Você O conhece?
Referência bibliográfica
OLIVEIRA, Ednilson, Turozi de. Ensino Religioso - Fundamentos epistemológicos: Porto Alegre: Intersaberes, 2012.
Referência bibliográfica
OLIVEIRA, Ednilson, Turozi de. Ensino Religioso - Fundamentos epistemológicos: Porto Alegre: Intersaberes, 2012.