Matheus
Viana
Jó
certa vez afirmou sobre sua relação com Deus: “Te conhecia de ouvir falar, mas agora meus olhos te vêem.” (Jó 42:5).
Obviamente esta afirmação, ao ser lida, é classificada como uma experiência
religiosa. E é sobre isso que quero me ater. Para isso, precisamos falar em fenomenologia. Calma! A palavra é
extensa, mas o conceito não é difícil. Para entendermos, temos que evocar sua
origem.
No
auge do Iluminismo, no século XVIII, também conhecido como século das luzes por
combater o obscurantismo da Igreja Católica que se posicionou frontalmente
contra os avanços científicos que eclodiram nos séculos XVI e principalmente no
XVII que minaram, de certa forma, sua autoridade; Immanuel Kant dividiu o conhecimento
em duas partes: Cognoscível (fenômeno) e Incognoscível (númeno).
De
acordo com esta divisão, os eventos que podem ser observados pelos sentidos e
conhecidos pela mente humana (fenômenos/naturais) seriam alvos de estudo da
ciência. Em contrapartida, tudo o que fosse relacionado a Deus (númeno/sobrenatural)
deveria ser descartado. Ou seja, não deveria ser alvo de estudo, mas apenas
objeto de fé para quem a possuísse.
Ao
criar tal dicotomia, Kant ignorou o fato – óbvio, diga-se de passagem – de que
toda fé possui um objeto. E que é crucial para o fiel conhecer o objeto onde
deposita a sua fé. Não é em vão que Agostinho, um dos principais personagens da
patrística, usava os atributos da filosofia para estudar os dogmas teológicos
da Igreja. E desta conduta criou-se a máxima: “A razão (filosofia) é serva da
fé (teologia dogmática)". O escritor da carta aos Hebreus elucida: “Tendo os olhos fitos em Jesus, autor e
consumador da nossa fé.” (Hebreus 12:2). O alvo da fé de um cristão é
Jesus, o Cristo. Logo, a fé de um cristão só adquire sentido na medida em que O
conhece.
Mas
aqui temos um paradoxo. Neste trecho da carta, o escritor adverte sobre
colocarmos os olhos no objeto de nossa fé. Contudo, em trechos anteriores, ele
elucida sobre o conceito de fé: “Ora, a
fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova das coisas que não vemos.”
(Hebreus 11:1). Como podemos colocar os olhos no objeto de nossa fé se a definição de fé é
justamente a certeza no que não podemos enxergar? Com tal afirmação, o escritor
advertiu sobre o fato de que a experiência religiosa extrapola as razões
pensante e empírica. Ou seja, não pode ser estudada apenas pelo método
conhecido como científico, como um fenômeno natural pode.
Mas,
apesar disto, a experiência religiosa, que redunda na fé, não anula a razão.
Veja que o primeiro conceito que o escritor da carta aos hebreus aplica ao tema
‘fé’ é “certeza daquilo que esperamos”.
Sim, nossa esperança está em Cristo, o objeto de nossa fé. Contudo, podemos
enxergá-lo? Claro que não! Pelo fato de não podemos vê-lo, não é possível
termos fé Nele? Sim, é possível. Pois, ainda que não O vejamos, podemos conhecê-Lo.
Como? O próprio Jesus nos deu a resposta: “Examinai
as Escrituras, pois elas de mim testificam.” (Evangelho segundo João 5:39).
Este “examinai” envolve o exercício
da razão, acredite você ou não.
Mas
não apenas isso. Na afirmação de Jó, podemos ver dois níveis de conhecimento: o
de “ouvir falar” e o da experiência
empírica; “mas agora meus olhos te vêem.”
Platão, em seu livro A república,
elucidou sobre estes dois conhecimentos, os quais chamou de doxa e epísteme. Doxa é o conhecimento
baseado na mera opinião, no ouvir falar. Já o Epísteme é o conhecimento científico, mas não segundo o conceito
que conhecemos hoje, onde o conhecimento filosófico (subjetivo) e o científico
(objetivo) são separados desde a revolução científica do século XVII. E sim no
conhecimento profundo e completo que, de acordo com Platão, era adquirido apenas
pelo indivíduo que se submetesse ao estudo filosófico oferecido pela Academia.
Portanto,
vemos que Jó possuia sobre Deus apenas o conhecimento de “ouvir falar”. Ou seja, era mera opinião. Através do profeta
Oséias, Deus expressa o desejo de que o nosso conhecimento sobre Ele extrapole
este nível: “Conheçamos e
prossigamos em conhecer ao Senhor...” (Oséias 6:3). Qual tem sido o seu
conhecimento sobre Deus: opinião ou experiência? Reflita! Em breve analisaremos
este tema sobre outra perspectiva.
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