quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Culto ao Deus desconhecido

Matheus Viana

Ao ler este título, os mais familiarizados com as Escrituras lembram-se, subitamente, da passagem registrada por Lucas quando Paulo pregou o Evangelho em Atenas (Atos 17:23). Para entendermos o teor desta mensagem, devemos conhecer o conceito bíblico de Reino de Deus.

Tal conhecimento demanda uma análise do pensamento que fundamentava e alimentava a expectativa dos judeus no tocante à Sua manifestação. O que não é possível sem uma prévia análise sobre a monarquia em Israel. Ela substituiu o modelo dos chamados juízes de Deus sobre o povo, que eram libertadores levantados por Ele para livrar Israel do opróbrio de seus inimigos (Juízes 2:16).
    
As Escrituras afirmam que a substituição dos juízes por um rei foi pedida pelo povo (I Samuel 8:6). Para a entendermos, convém analisarmos por que Deus instituiu juízes. O livro dos Juízes começa narrando a guerra de Israel contra os cananeus e demais povos que habitavam Canaã, a terra que Deus concedeu a Israel como cumprimento da profecia feita a Abraão. Contudo, algumas tribos não expulsaram todos os povos que deveriam expulsar. Na contramão, fizeram acordos para que eles continuassem habitando no meio deles. A maioria destes povos serviam as tribos de Israel como escravos.
    
Jesus - ainda não manifesto como homem e descrito na narrativa bíblica como O Anjo do SENHOR - apareceu ao povo e disse: “Tirei vocês do Egito e lhes trouxe à terra que prometi aos seus antepassados. Eu disse: Jamais quebrarei a minha aliança com vocês. E vocês não farão acordo com o povo desta terra, mas demolirão os seus altares. Por que vocês não me obedeceram? Portanto, agora lhes digo que não os expulsarei da presença de vocês; eles serão seus adversários; e os deuses deles serão uma armadilha para vocês.” (Juízes 2:1-3).
    
O primeiro ponto é a conivência e convivência com a idolatria. O mandamento de Deus era de destruir todos os altares a deuses estranhos e expulsar todos os povos que os cultuavam para que a terra fosse redimida e a cultura – em seu aspecto integral – de Deus fosse estabelecida através da Lei de Moisés. Mas não foi o que ocorreu. A cultura pagã destes povos tornou-se a cultura do povo de Israel, representado por suas tribos: “Abandonaram o SENHOR, o Deus de seus antepassados, que os havia tirado do Egito, e seguiram e adoraram vários deuses dos povos ao seu redor” (Juízes 2:12).
    
Realidade que nos enreda, guardadas as devidas proporções e observados os aspectos peculiares. Os traços e valores da cultura secular anticristã vigente são, consciente e inconscientemente, o fundamento do pensamento de muitos que se proclamam cristãos. Suas ações conflitantes com a Ética de Deus (Jesus Cristo revelado pelas Escrituras) ao homem são meras consequências. A apostasia vivida por Israel naquele contexto é completamente pertinente aos nossos dias: “Depois que aquela geração (de Josué) foi reunida aos seus antepassados, surgiu uma nova geração que não conhecia o SENHOR e o que ele havia feito com Israel. Então os israelitas fizeram o que o SENHOR reprova e prestaram culto aos baalins.” (Juízes 2:10-11 – Ênfase acrescentada).
    
Esta apostasia foi resultado de Josué e toda a geração que lhe foi contemporânea morrerem. Eles não ensinaram a geração posterior guardar os preceitos de Deus, a prestar-Lhe o culto racional. Na esteira do historiador eclesiástico cristão Eusébio de Cesareia, Josué foi, em seu tempo, uma tipificação de Jesus. No entanto, o fato de Jesus “ter morrido” não se refere à Sua morte redentora, seguida da gloriosa e triunfante ressurreição; mas ao fato de Ele não ocupar, no coração das pessoas, o lugar que Lhe é devido. Além de ser simplesmente esquecido por muitos, Seu Evangelho tem sido deturpado, o que corrobora na deturpação de Seu legado e de Sua identidade. O não reconhecimento de quem Ele É resulta na não entronização do Seu nome. Desta forma, a cultura padece.
    
Juntamente com a “morte de Jesus”, temos a “morte” da doutrina apostólica. Assim como a geração de Josué pereceu, os legados dos apóstolos e dos chamados pais da Igreja – ou pais apostólicos -, registrados por eles para a manutenção do cristianismo e seu ensino às gerações posteriores, não são considerados. O estudo da chamada História da Igreja foi reduzido ao patamar da “intelectualidade inútil” ou “teologismo frio”, bem como todo arcabouço teológico, oriundo dos profetas, dos apóstolos e dos pais que ajudou a construir a ortodoxia cristã, necessária para que a Igreja permanecesse vencedora nos seus primeiros séculos de existência.
    
É claro que devemos considerar a abordagem da teologia liberal que reduz Jesus a um mero personagem histórico por analisa-Lo segundo o método histórico/crítico, baseado na dialética hegeliana, mas com um caráter materialista. Na tentativa de eliminar este erro elementar, comete-se outro erro: o de ignorar o estudo dos contextos históricos que enredam as Escrituras. Desta forma, o Jesus histórico passa a ser um Jesus meramente místico, mágico. Semelhante a um gênio da lâmpada que existe apenas para cumprir os nossos desejos que, conforme advoga a perniciosa “teologia” da prosperidade, “temos direito de recebê-los através do Sangue de Cristo”. A afirmação “eu determino em nome de Jesus” surge a roldão. Assim, Seu nome Santo e Soberano é, consequentemente, reduzido ao patamar de elemento de um chavão pronunciado com intentos mágicos. “Em nome de Jesus” é declarado com o mesmo caráter da expressão “Abracadabra”. Heresia pura e simples. Tudo isso fruto do não conhecimento de quem Ele, de fato, é.
    
O resultado não poderia ser diferente. À semelhança do povo hebreu quando construiu o bezerro de ouro, por ser o modelo de culto que ele aprendeu no Egito em 400 anos de escravidão, há denominações chamadas evangélicas que usam como adereços de culto fantasias de super-heróis, de dinossauros entre outros. Demonstrações evidentes de que os aspectos culturais seculares, chamados de cultura pop ou pop arte, - não apenas na forma (estética e linguagem), mas também na essência - permeiam seus corações de modo a determinar seus pensamentos, sentimentos e atitudes. Não podemos dizer que a intenção seja equivocada. O motivo é que não conhecem Jesus Cristo. Pois o “Cristo” que eles conhecem é completamente moldado pela cultura vigente, idólatra em sua essência. Em outras palavras, o Cristo que eles cultuam é um criado à imagem e semelhança dos anseios humanos. O nome disto é? Idolatria.    

Os povos não expulsos da terra pelos israelitas tornaram-se seus inimigos, instrumentos de opróbrio. Quando não somos governados por Deus, somos governados pelos nossos maus desejos. Aquilo que transformamos em objeto de culto torna-se nosso dominador. O povo de Israel rejeitou a vontade de Deus, fruto de Seu governo, para se conformar às culturas das civilizações idólatras e, por isso, foi por elas dominado. O que governa o nosso coração? A resposta está em nossa forma de pensar, de sentir e de agir. Expressa em nossa forma de culto. Algumas denominações ditas evangélicas estão enredadas e dominadas pelas teias do Homem-Aranha, literalmente. Outras estão no cativeiro da história antiga, cujos “sacerdotes” são dinossauros. Quem ler, entenda! Que a verdadeira Igreja de Jesus seja despertada, a fim de que Cristo, Filho do Deus vivo, O Soberano SENHOR, seja cultuado!

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Lógica milagrosa

Matheus Viana

“Se a intelectualidade cristã não nos fazer voltar os olhos para a soberania de Deus no poder do Espírito, pela fé na graça de Cristo, ela será tão vã quanto qualquer outra filosofia materialista”.

Esta frase foi publicada, recentemente, em uma rede social. O autor acredita – pois o próprio ato de publicar atesta tal fato – que realizou uma apologética cristã, fruto de uma devoção de mesmo caráter. Mas esta frase não é uma apologética porque é desprovida de elementos lógicos básicos. Caso clássico de técnica do espantalho.

Uma “intelectualidade cristã” que não faça o que o referido autor citou não pode ser considerada cristã. Ela sequer existe. É questão ontológica pura e simples. Seria o mesmo que afirmar que uma porção de água que não seja composta de moléculas formadas por átomos de hidrogênio e de oxigênio não pode ser considerada uma porção de água. Sem tais moléculas, o elemento água simplesmente não existe.

Ao ler a afirmação aqui analisada, notei, de súbito, que estava diante de uma afirmação que apregoa e analisa o que não existe como se existisse. É o mesmo equívoco que fundamenta a mentalidade daqueles que acham possível viver um cristianismo sem Cristo. Toda crítica a um cristianismo sem Cristo não tem sentido por pretender criticar o que não existe. O que temos visto em atividade em muitas denominações é uma caricatura, simulacro, qualquer outra coisa, menos cristianismo.

Vemos aqui um caso semelhante ao que Jesus certa vez enfrentou (Evangelho segundo Marcos 7:1-7). Os fariseus tratavam a ética criada pelo movimento rabínico que interpretava a Lei mosaica ao seu modo como se fossem a Lei de Deus. Seguiam algo que não era como se fosse. A Lei de Deus, manipulada e deturpada por homens, deixa de ser de Deus. Foi o que Jesus disse (Evangelho segundo Marcos 7:6-7).

Um exemplo marcante é a expressão milagre. Alguns aplicam a ela um significado reduzido. Pois consideram milagre apenas a ocorrência de sinais e prodígios. Esquecem de que milagre, de acordo com o que as Escrituras ensinam, é toda e qualquer – o pleonasmo é proposital – ação de Deus sobre a criação.

Certa vez ouvi uma pessoa dizendo que milagre é Deus operando fora das leis naturais. Não, não é. Explico por quê. Todas as leis foram estabelecidas por Deus. O homem e mesmo o diabo não têm poder de criar leis. O máximo que eles podem é deturpar as Leis de Deus. Deturpar não é criar. Se todas as leis foram criadas e estabelecidas por Deus, mesmo as que foram corrompidas como consequência do pecado do homem (Cf. Gênesis 3:17), Lhe são naturais. Todavia, embora um milagre seja considerado um acontecimento sobrenatural, ele é completamente natural para Deus.

Assim, toda ação de Deus é um milagre. Logo, não existe ação de Deus que não seja milagrosa. A criação - incluindo eu e você – é resultado da ação de Deus. Jesus ensinava e realizava sinais e prodígios. Resumindo, fazia milagres. O ato de ensinar era tão milagroso quanto as outras obras espetaculares que Ele realizou. Em Marcos 2, quando curou um paralítico, Jesus realizou dois milagres: perdoou os pecados do homem e restaurou suas pernas. Não é o perdão de Deus sobre nossos pecados um milagre? Tanto é que os próprios fariseus consideravam tal fato como sendo de competência exclusiva de Deus (Evangelho segundo Marcos 2:8-11).

Mas alguns, por não entenderem este princípio elementar, cometem o erro primário de classificar as ações de Deus como milagrosas e não milagrosas. O fato de acordarmos todas as manhãs é tão milagroso quanto ver um morto ressuscitado ou alguém curado, instantaneamente, de uma enfermidade grave. A racionalidade que nos foi concedida para entendermos as Escrituras que testificam de Jesus (Evangelho segundo João 5:39), para que possamos conhecê-Lo e imitá-Lo, é tão milagroso quanto. Assim, há quem diga que a racionalidade humana não é um milagre. Eis o mesmo princípio. O fato de um ser humano, criado por Deus, pensar é um milagre. A questão é o que fazemos com ele.

A Igreja moderna, como consequência de não se atentar a este caráter da expressão milagre, valoriza apenas o “extraordinário”. Com isso, o ensino da doutrina cristã, visando uma conduta ortodoxa, é deixada de lado. São cada vez mais comuns cultos onde não há pregação da Palavra, mas apenas orações pelos milagres sobrenaturais. Isto não é cristianismo.

Há muito mais a ser dito. Mas paro por aqui, antes que eu seja acusado - ainda mais do que já sou – de “racionalista antimilagreiro”. Quem faz tal acusação, contudo, ignora o fato de ser um milagre o fato de eu ter escrito este texto. Na verdade, o simples fato de estar vivo é um... milagre. Se você leu e entendeu este texto, acredite, foi um milagre.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Ensaios sobre o Reino de Deus - Parte II

Matheus Viana

Em qual terra? No ser humano e, consequentemente, em toda a criação. Foi neste princípio que o apóstolo Paulo declarou: “A natureza criada aguarda, com grande expectativa, a manifestação dos Filhos de Deus” (Romanos 8:19). Antes de elaborar as questões aqui analisadas, Jesus elucidou: “O Reino de Deus é semelhante a um homem que lança a semente sobre a terra” (Evangelho segundo Marcos 4:26). Analogia perfeita. O Reino de Deus começa pequeno, pois começa nos seres humanos, cuja pequenez foi relatada poeticamente pelo salmista: “Que é o homem para que com ele te importes?”. (Salmo 8:4). Mas torna-se grande, conforme o próprio Jesus afirmou: “No entanto, uma vez plantado, cresce e se torna a maior de todas as hortaliças...” (Evangelho segundo Lucas 4:32).
    
Contudo, seu processo de crescimento e desenvolvimento possui um alicerce: “uma vez plantado...”. Por ser como uma semente, ele deve ser plantado/cultivado em nós. O culto racional não é meramente causa ou efeito. É as duas coisas ao mesmo tempo. Ele é o efeito do governo de Jesus Cristo sobre nós e é por meio dele (causa) que o Reino de Deus é disseminado e manifesto, conforme Jesus ordenou, a toda criatura (Evangelho segundo Marcos 16:15) e a todas as nações (Evangelho segundo Mateus 28:19), a fim de que toda terra seja cheia do conhecimento Dele (Isaías 11:9).
    
Eis um grave problema que a Igreja no ocidente enfrenta: Uma semente chamada entretenimento tem substituído a semente chamada Reino de Deus. Semelhantemente aos primeiros seres humanos, temos trocado a ética de Deus por uma ética contrária que vá de encontro aos nossos desejos por substituirmos o culto racional por um culto ególatra. A egolatria em si é indício de que o Reino de Deus não é operante no indivíduo. Descrição precisa da realidade humana atual.

Jesus não é mais apresentado como o único e soberano SENHOR, mas como uma espécie de “guru espiritual” que oferece soluções para os anseios humanos fúteis; como um “manager”, CEO ou “coaching” – confesso minha repulsa a estes termos presentes no contexto eclesiástico - cujos princípios são usados meramente para enriquecimento material; ou como um mero psicólogo consultado para resolver tensões emocionais e afetivas.
    
A grandeza do Reino de Deus nada tem haver com ufanismo, mas com universalidade – e não universalismo (o conceito de que todos, no final das contas, serão salvos). Ou seja, visa atingir pessoas de todas as nações, mas sempre de forma humilde, uma de suas características indeléveis. Este amplo alcance, portanto, não ignora as premissas preconizadas pelo próprio Jesus: “Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos o que a encontram”. (Evangelho segundo Mateus 7:13-14).
    
Aqui é necessário um ajuste de termos. Grandeza não significa ufanismo, tampouco massificação do Evangelho. O fato de Jesus ter afirmado serem poucos os que entram no Reino de Deus, por sua vez, também não significa exclusivismo ou sectarismo. Dois extremos atualmente em voga. As multidões seguiam Jesus, mas Ele estava à procura de discípulos. E este mesmo princípio Ele passou aos Seus discípulos: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei” (Evangelho segundo Mateus 28:19-20).
    
Nesta advertência, Jesus falou sobre os dois pontos que integram o Reino de Deus ao afirmar: “... vão e façam discípulos de todas as nações”. O fato de fazer discípulos simboliza o plantio da semente do Reino de Deus no coração do ser humano. Por sua vez, o fato de serem discípulos de todas as nações simboliza o longo alcance do germinar desta semente.
    
Muitos em meio à Igreja têm desejado multidões, o que culmina na descaracterização do Evangelho do Reino de Deus e no comprometimento do discipulado. A premissa básica que demonstra o intento de disseminarmos o Evangelho do Reino de Deus é o discipulado, conforme Jesus preconizou. No entanto, não há discipulado sem cruz. Palavras do próprio Jesus: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, tome a tua cruz e siga-me” (Evangelho segundo Mateus 16:24).
    
O Evangelho, que é a base do discipulado ordenado por Cristo, não é atrativo para as multidões. Por isso a alternativa para os que as buscam é tentar a insanidade de extirpar a cruz de Cristo de modo a tornar o Evangelho do Reino atrativo. Impossível. A verdadeira conversão, o primeiro passo do discipulado, é fruto da ação do Espírito Santo no ser humano (Evangelho segundo João 16:8). O registro de Marcos em relação ao centurião romano que participou da crucificação de Jesus Cristo é pertinente neste sentido: “Quando o centurião que estava em frente de Jesus ouviu o seu brado e viu como ele morreu, disse: ‘Realmente este homem era o Filho de Deus’” (Evangelho segundo Marcos 16:39). Este centurião teve uma experiência com o Cristo crucificado. O Cristo o qual Paulo pregou (I Coríntios 2:2). Não há como desvencilhar Evangelho do Reino da cruz de Cristo.
    
Mas, infelizmente, ele tem sido substituído por um pseudo-evangelho regado a baladas gospel entre outros entretenimentos que nada tem haver com a liturgia do culto racional elucidada pelos apóstolos, parte fundamental da ortodoxia cristã. O resultado: multidões entorpecidas pelo entretenimento eclesiástico, convencidas de que são devotas a um cristianismo sem cruz, – algo cuja existência é impossível – completamente conformado com o sistema secular (Cf. Romanos 12:2). Sem Evangelho do Reino, não há discipulado. Sem discípulos, não há Igreja. Sem Igreja, não há instrumento para a manifestação do Reino de Deus sobre a terra (Cf. Evangelho segundo Mateus 16:18). Apostasia na certa.
    
Todavia, a Igreja Gloriosa de Cristo, Seu corpo na terra, triunfará. O Reino de Deus está em seu processo de crescimento sobre ela, embora completamente na contramão do “cristianismo pós-moderno”. Você é um membro dela?

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Ensaios sobre o Reino de Deus - Parte I

Matheus Viana

“Com o que compararemos o Reino de Deus?” (Evangelho segundo Marcos 4:30). A resposta a esta indagação é crucial para entendermos todo o ensino de Jesus Cristo. Ele o iniciou falando exatamente sobre o Reino de Deus (Evangelho segundo Marcos 1:15). Não foi em vão que, ao ensinar Seus discípulos a orar ao Pai, declarou: “Venha a nós o Seu Reino, seja feita a Sua vontade, assim na terra como nos céus” (Evangelho segundo Mateus 6:10). Também pudera! Antes de Sua concepção em forma humana, o anjo disse à Maria: “Você ficará grávida e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Jesus (...) e ele reinará para sempre sobre o povo de Jacó; seu Reino jamais terá fim”. (Evangelho segundo Lucas 1:33).

Seu antecessor, João, o Batista, viveu pautado na mesma temática (Evangelho segundo Mateus 3:2). Os profetas que profetizaram a vinda de Jesus, como Isaías, por exemplo, declararam que Ele viria como o Rei que estabeleceria o Reino de Deus: “Então, em amor será firmado um trono; em fidelidade um homem se assentará nele na tenda de Davi: um juiz que busca a justiça e se apressa em defender o que é justo” (Isaías 16:5).

O fato de O Reino de Deus ser a essência da vida de Jesus levou Seus discípulos, após Sua ressurreição, Lhe perguntarem: “Senhor, é neste tempo que vais restaurar o reino em Israel?” (Atos 1:6). Ao estabelecer sobre eles a chamada grande comissão, lhes afirmou: “Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra” (Evangelho segundo Mateus 28:18). Antes disso, portanto, lhes advertiu: “E este evangelho do Reino será pregado em todo o mundo...” (Evangelho segundo Mateus 24:14 – Ênfase acrescentada). É impossível dissociar Reino de Deus do Evangelho de Jesus Cristo, bem como de Sua pessoa.

A primeira vez que apareceu o termo evangelho nas Escrituras foi na carta do apóstolo Paulo aos romanos. Este era um termo de caráter governamental utilizado pelo império romano. Conforme ensina o professor Franklin Ferreira, quando uma nação era conquistada por Roma, era-lhe enviada uma comitiva de emissários para levar o evangelion. Isto era a mensagem de que aquela nação tornara-se propriedade do império e que o César estava a caminho de sua parousia: a ida do imperador para estabelecer nela seu governo.

Este termo, em seu sentido literal, significa estar presente. A doutrina apostólica cristã o utilizava para se referir à vinda definitiva de Jesus Cristo à terra para julgá-la e reinar plenamente sobre ela. Sendo assim, o evangelho é o Reino de Deus estabelecido sobre o ser humano, e consequentemente sobre toda a terra, para que o Rei, Jesus Cristo, venha (parousia) e reine de maneira soberana.
    
Ao utilizar o termo evangelho, Paulo quis afirmar que o verdadeiro governante não era César, mas Jesus Cristo. Por isso ele (Paulo) era um enviado do próprio Jesus Cristo para pregar o verdadeiro evangelho: O Reino de Jesus Cristo. E foi exatamente este evangelho do Reino sobre o qual Jesus elucidou, conforme registrou o evangelista Mateus, no versículo citado nas linhas acima. Isto, portanto, não foi mero elemento do advento messiânico de Sua encarnação, mas algo manifestado pelo Deus Trino desde a criação.

O governo que o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, exerceria sobre a terra (Gênesis 1:28) seria o reflexo do governo que Deus exerce nos céus e sobre o ser humano. Por isso, ribomba sobre nós a indagação feita por Jesus. Mas antes de tentar responde-la, precisamos responder outra que lhe está diretamente relacionada: O que é o Reino de Deus?
    
Jesus não respondeu esta questão de forma direta. Quanto mais estudamos as Escrituras, fica mais claro que a resposta começa com o que não é o Reino de Deus. Jesus disse que ele não é físico nem visível: “O Reino de Deus não vem de modo visível, nem se dirá: ‘Aqui está ele’, ou ‘Lá está’; porque o Reino de Deus está entre vocês”. (Evangelho segundo Lucas 17:20-21). Ele também disse que o governo que lhe é característico não é a tirania dos homens, mas consiste em servir (Evangelho segundo Mateus 20:25-28). O apóstolo Paulo afirmou que ele não é comida nem bebida, mas paz, justiça e alegria no Espírito Santo (Romanos 14:17).
    
Várias definições de Reino de Deus podem ser, como foram ao longo da história, construídas a partir das expectativas e anseios das pessoas. Os judeus, após milênios sofrendo sob diferentes cativeiros, aguardavam o Messias que estabeleceria um reino político e militar que restauraria o trono de Davi e os libertaria do jugo do império romano. Quando Jesus pergunta aos Seus ouvintes sobre com o que o Reino de Deus poderia ser comparado, um dos intentos era demonstrar que ele era na contramão do clamor popular. Esta pergunta é pertinente a nós. A definição de Reino de Deus é concernente às nossas expectativas e anseios?
    
Em meio a todas as características que mostram o que o Reino de Deus não é, há uma que ajuda a definir o que ele é: “... o Reino de Deus está entre vocês” (Evangelho segundo Lucas 17:21). Ele é uma pessoa: Jesus Cristo. Após indagar sobre com o que o Reino de Deus poderia ser comparado, Jesus questiona sobre como ele poderia ser descrito. Passa então, ao mesmo tempo, a compará-lo e a descrevê-lo como um grão de mostarda (Evangelho segundo Lucas 4:31). Por que grão de mostarda? Por que Jesus usou como metáfora algo pequeno para elucidar sobre algo magnífico? Um dos motivos é porque o grão de mostarda é a menor semente que se planta na terra.

Plantar na terra. Longe de ser mera característica, é fator essencial. Ele simboliza a encarnação de Deus em forma humana (Evangelho segundo João 1:14). A semente de Deus plantada/cultivada no ventre humano a fim de que o Deus Filho participasse da natureza humana para redimi-la. O ser humano, feito do pó-da-terra, foi receptáculo da vida (fôlego) de Deus (Gênesis 2:7) e, consequentemente, de Sua ética (Gênesis 1:28). Por isso, a maneira que Deus instituiu ao homem para cultuá-Lo foi cultivar a terra/solo do jardim onde habitava (Gênesis 2:15). O Reino de Deus começa com o plantio/cultivo na terra. Começa com culto racional.


Continua...