Matheus Viana
Conforme
Jesus afirmou, Seu propósito em contar a parábola não foi um artifício lúdico para facilitar o entendimento da
multidão de ouvintes, como afirmam alguns. Foi, pelo contrário, de que não compreendesse:
“Por esta razão eu lhes falo por parábolas:
‘Porque vendo, eles não veem e, ouvindo, não ouvem nem entendem’” (Evangelho
segundo Mateus 13:13). Jesus, por sua vez, não falou de Si mesmo, ainda que
possuísse (e possui) toda a autoridade para falar (Evangelho segundo Mateus
28:18). Mas evocou a profecia feita por Isaías: “Neles se cumpre a profecia de Isaías: ‘Ainda que estejam sempre
ouvindo, vocês nunca entenderão; ainda que estejam sempre vendo, jamais
perceberão. Pois o coração deste povo tornou-se insensível; de má vontade
ouviram com os seus ouvidos e fecharam os seus olhos...’” (Vs. 14).
A
percepção plena da realidade, em todos os seus âmbitos, bem como o entendimento
dela são desdobramentos do reconhecimento e exercício do pleno Senhorio de
Jesus Cristo sobre tudo e todos. A multidão - assim como a cúpula religiosa
judaica, cujos membros faziam parte dela - não reconhecia Jesus como soberano e
único SENHOR, conforme afirma o Shemá. A
maneira como aquelas pessoas pensavam, sentiam e agiam denunciava tal carência.
Sem o conhecimento de quem Cristo é, não é possível conhecer quem somos e como
é a realidade a qual estamos inseridos, em todos os seus níveis. Pois eles são
fundamentados nos absolutos que Ele estabeleceu na criação (Colossenses
1:15-17).
Assim,
o empirismo científico não é suficiente, bem como o racionalismo naturalista
também não é. O subjetivismo pós-moderno, por sua vez, não apenas é insuficiente
para interpretá-la, como cria uma realidade paralela e reduzida. Antes de
elucidar sobre a semente que germinou e produziu bons frutos, Jesus descreveu
três situações distintas. A primeira é a que chamo de periférica, de caráter sensitivo (empírico). A segunda é a superficial, de caráter sentimental
(emocional). A terceira é a materialista,
de caráter secular (racionalista). Embora distintos, estão relacionados de
forma coesa.
O
fato de Jesus usar a linguagem da semente
na terra é alicerçado no princípio do culto
racional, que consiste na tríade cultivo-culto-cultura.
O ser humano foi formado do pó da terra e recebeu do fôlego de vida de Deus
(Gênesis 2:7). Somos, portanto, o cultivo
de Deus. Seu propósito para nós consiste em, através do nosso cultivo,
cultuarmos a Ele e desenvolvermos Sua cultura sobre toda a criação (Isaías
11:9). Processo chamado de mordomia,
conforme elucidado por mim no livro Culto
racional. Devemos compreender criação
como a realidade que nos permeia em todos os seus âmbitos. Assim, somos a
primeira terra que deve receber o
cultivo da semente do Evangelho do Reino,
mas não a única.
Toda
a criação sofreu um intenso processo de degradação por conta da depravação
oriunda do pecado original (Gênesis 3:17). Tal fato fez com que vários
obstáculos surgissem, impedindo o florescer desta preciosa e soberana semente. A
primeira situação elucidada por Jesus foi a parte
da semente que caiu à beira do
caminho. Aqui surgem algumas indagações: À beira de qual caminho? Em qual
caminho temos trilhado? Os fatos falam por si. É nítida, na abordagem de Jesus,
a existência de dois caminhos: um trilhado pela multidão e outro pelos
discípulos. O trilhado pela multidão é o que conduz às bênçãos que Jesus pode
oferecer. O outro conduz ao próprio Cristo. Quando Jesus afirmou ser O Caminho
(Evangelho segundo João 14:6), não se referiu meramente a uma rota – externa a
Ele - que iria mostrar. Mas afirmou que Ele
é o próprio Caminho.
O
salmo 18:30 diz: “O caminho de Deus é
perfeito”. O texto hebraico, transliterado, afirma: “HaEl tamiyn darko (derekh) imerat”. A tradução literal deste texto é “O Deus caminho perfeito é”. Para que ele tenha sentido ao leitor de língua portuguesa,
os tradutores utilizaram das seguintes formas: “O caminho de Deus é perfeito” e “Deus, cujo caminho é perfeito”. Mas, para os judeus, não é necessário
o acréscimo de nenhum artifício para dar sentido a esta afirmação. O sentido
para eles é claro e definitivo: O Deus é o caminho perfeito. Jesus,
ao fazer tal afirmação, estava declarando que Ele é a plena personificação do derekh tamiyn. Por isso Seus discípulos
ficaram conhecidos como a seita do
Caminho. E não há outra forma de se achegar a Ele sem a obra do Espírito
Santo em nós (Evangelho segundo João 16:8). E esta, por sua vez, é resultado de
nos submetermos à Sua cruz. Pois, para que o Espírito Santo viesse sobre os
discípulos, era necessário que Jesus primeiramente fosse crucificado (Cf.
Evangelho segundo João 15:26).
Assim,
seguir e viver um evangelho desprovido de cruz é estar à beira do caminho. Considerar, equivocadamente, a dicotomia vida secular/vida espiritual é estar à beira do caminho. Interpretar o Evangelho
pelas lentes do secularismo, em suas várias nuanças, é estar à beira do caminho. Por isso Jesus
afirmou, ao explicar a mensagem íntegra de seu ensinamento: “Quando alguém ouve a mensagem do Reino e não a entende, o Maligno vem e arranca o
que foi semeado...” (Evangelho segundo Mateus 13:18 – Ênfases
acrescentadas).
Ouvir e não
entender.
Conforme vimos anteriormente, não entenderemos a mensagem do Reino, de forma
íntegra, sem submetermos nosso modo de pensar a Ele (II Coríntios 10:5). Ou
seja, não devemos submeter a Ele apenas o nosso aspecto sensitivo, mas também o
racional (Tiago 1:22). Isso, claro, como desdobramento de nosso comprometimento
espiritual (coração). Eis o ‘x’ da questão. Qual é a epistemologia que
fundamenta o pensamento do evangelicalismo moderno?
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