segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O limbo do silêncio

Matheus Viana    

“Ai de vós, mestres da lei e fariseus, hipócritas!” (Evangelho segundo Mateus 23:13). Tais palavras saíram dos lábios de Jesus. E conforme Ele mesmo preconizou: “A boca fala do que está cheio o coração” (Evangelho segundo Mateus 12:34). O coração de Jesus estava farto da devoção incoerente que, afirmando – e acreditando – obedecerem a Deus, os alvos de Sua severa repreensão exerciam e, com isso, desviavam os homens cada vez mais Dele.
    
Na esteira desta narrativa, proponho-lhe: Imagine qual seria a realidade dos judeus se Jesus não proferisse tais palavras, mas ficasse em silêncio! Imagine se Ele agisse conforme muitos dizem: “Jesus, fique na sua, cuidando de sua vida e ensinando Seus discípulos! Deixe os fariseus e os mestres da Lei com os seus erros para lá!”. Em outras palavras: “Permaneça no limbo do silêncio!”.
    
Imagine se os apóstolos – os primeiros discípulos de Jesus Cristo - fizessem silêncio frente às seitas que ameaçaram a Igreja cristã, que se espraiava por todo o império romano, como os judaizantes, os gnósticos, os libertinos e os nicolaítas! Imagine se Justino - o mártir -, Orígenes, Irineu entre outros se calassem diante do escárnio que a fé cristã sofreu! Imagine se Atanásio permanecesse em silêncio diante da heresia ariana que pervertia a Pessoa de Jesus Cristo durante o concílio de Niceia!
    
Imagine se Jan Huss, em Praga, e John Wycliff, na Inglaterra, permanecessem em silêncio em relação ao abandono das Escrituras por parte da igreja romana! Imagine se Lutero permanecesse em silêncio em relação às indulgências e a tantos outros erros e abusos cometidos pela mesma instituição religiosa durante o papado de Leão X!
    
Jesus foi chamado de blasfemo (Evangelho segundo Mateus 26:65). Os apóstolos foram considerados apóstatas e pertencentes de uma seita chamada Caminho. Em outras palavras: hereges. Jan Huss foi queimado como um... herege. Lutero, até hoje, assim como os protestantes, independente da vertente ao qual pertençam, são considerados pelos católicos romanos como traidores e hereges.
    
Qualquer semelhança não é mera coincidência. “Se você quiser viver o Evangelho, viva-O de forma particular e deixe a gente viver o nosso evangelho”. Este é limbo do silêncio atual proferido, como um mantra, por muitas denominações evangélicas e direcionado às vozes que analisam as condutas do cristianismo vigente com a ortodoxia descrita nas Escrituras. Jesus veio para cumprir a plenitude da Lei de Deus (Evangelho segundo Mateus 5:17). Por isso foi enfático e direto (Evangelho segundo João 6:25-29). Foi público, abrangente e sem rodeios (Mateus 23:1-38). Tal firmeza O levou a se lamentar sobre Jerusalém. Pois a exposição do Evangelho, embora firme, sempre é feita em amor. Os apóstolos, por terem recebido este ensino, também.
    
Vejam a orientação do apóstolo Paulo aos filipenses: “Pois, como já lhes disse repetidas vezes, e agora repito com lágrimas, há muitos que vivem como inimigos da cruz de Cristo” (Filipenses 3:18). Como sabemos, estas cartas corriam as igrejas de várias cidades e eram lidas aos fiéis durante o culto público e coletivo. Ao seu discípulo Timóteo, advertiu: “Evite as conversas inúteis e profanas, pois os que se dão a isso prosseguem cada vez mais para a impiedade. O ensino deles alastra-se como câncer; entre eles estão Himeneu e Fileto. Estes se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição já aconteceu, e assim a alguns pervertem a fé” (II Timóteo 2:17).

João, o apóstolo do amor, não agiu diferente no tocante à manutenção da ortodoxia cristã. Falando sobre os anticristos de sua época, afirmou: “Eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois, se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos. (...) Quem é mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo?” (I João 2:19-20 e 22). Há várias outras citações. Mas não quero deixar o texto exaustivo.
    
O argumento usado para arrefecer as vozes dissonantes é o do “Não se levante contra uma autoridade instituída por Deus!”. Sendo assim, não devemos nos levantar contra os abusos do governo, em qualquer uma de suas esferas; o impeachment da Dilma foi “coisa do cão”; e não devemos nos levantar contra o Ministério da Educação (MEC), por exemplo, no tocante à imposição da ideologia de gênero, entre vários outros artifícios que visam o estabelecimento de uma sociedade anticristã. Pois o Sr. Ministro da educação é uma autoridade. E toda autoridade é instituída por Deus, e por isso devemos obedecê-las, não é verdade? Não completamente, de acordo com Atos 5:19. Como é possível se levantar contra estas autoridades e, ao mesmo tempo, sustentar o discurso do “não se levante contra as autoridades”? O nome disto foi dito por Jesus: hipocrisia.
    
Jesus afirmou que Ele possui toda a autoridade nos céus e na terra (Evangelho segundo Mateus 28:18). Assim, só é munido de autoridade quem permanece Nele. Como permanecer Nele? Vivendo, de forma íntegra, segundo o Seu Evangelho. Quem não estiver de acordo com Ele, ainda que não tenha deixado de ser pecador (Cf. I João 1:8), o que é completamente diferente de não abandonar a vida de pecado, não possui autoridade diante de Deus, ainda que a tenha diante dos homens.
    
A cúpula religiosa que Jesus enfrentou estava munida de autoridade diante dos homens, mas não diante de Deus (Evangelho segundo Marcos 7:6-9). A da época dos apóstolos, idem. A igreja romana que classificou de hereges Huss, Wycliff e Lutero, não estava munida da autoridade de Deus, por mais que o Papa falasse ex-cathedra por ser o “vigário de Deus na terra”, pois havia abandonado o Evangelho de Cristo.
    
Posso imaginar Lutero, diante de alguns representantes da cúria romana, na dieta de Worms em 17 de abril de 1521. Após ser forçado a renunciar seus escritos, sermões e as 95 teses que fixara quatro anos antes na Catedral de Wittemberg, sob a ameaça de morte, disse: “Levo minha consciência cativa à obediência de Cristo”. Nesta mesma ocasião, propôs que aqueles representantes da cúria dissessem a ele onde seus escritos, sermões e teses estavam contra as Escrituras. Não havia nada errado.
    
Esta é a mesma proposta, guardadas as devidas proporções, que faço aos meus detratores. Chamar-me de herege por expor as Escrituras é direito deles. Mas meu dever é continuar a expor as Escrituras como base para refutar, em amor, mas com seriedade, o falso evangelho que desviam pessoas da fé, apesar de minhas imperfeições. Uma coisa não anula a outra. Excetuando Jesus, todos os demais citados nas linhas acima eram pecadores. João chegou a afirmar que aquele que diz não ter pecado é mentiroso, ou seja, pecador (I João 1:8). Paulo declarou: “Miserável homem que sou” (Romanos 7:24). Mesmo assim, não titubearam em expor o Evangelho e as práticas erradas de pessoas que pervertiam a fé. Por que eu, embora pecador, agiria diferente?

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