Matheus Viana
A
parábola do semeador, contada por Jesus há milênios, é a descrição da realidade
vocacional dos cristãos. De acordo com Ele, somos chamados a cultivar a semente
do Evangelho do Reino de Deus. No
entanto, esta não é uma tarefa simples. Há sobre ela alguns elementos os quais
precisamos conhecer para seu êxito.
O
primeiro é o fato de Jesus ter utilizado duas formas para emitir Sua mensagem.
Cada uma delas com um público específico como alvo. Para a grande multidão que
O rodeava, Jesus contou uma parábola,
método comum entre os mestres judeus, também chamados de rabinos. Jesus era um rabino. E como tal, tinha seguidores
(discípulos), conhecidos como talmidim.
Para eles, a forma utilizada foi a descrição
integral da mensagem.
Durante
Seu ministério terreno, Jesus foi seguido, por muitas vezes, pelas multidões.
Contudo, uma característica marcante de Seu legado foi a busca por discípulos, pessoas que não apenas O
seguiam pelo que pudesse oferecer, mas pelo que era (e É): O Messias, Filho de
Deus, o Deus encarnado. Nesta passagem, tal distinção é notória. Mas algo que
chama atenção é que os discípulos, diferentemente da multidão, não ficaram
satisfeitos com a elucidação de Jesus, o que os levou a indagarem-Lhe: “Os discípulos aproximaram: ‘Por que fala ao
povo por parábolas?’ (Evangelho segundo Mateus 13:10). A resposta de Jesus revelou o motivo, que escancarou a distinção:
“Ele respondeu: ‘A vocês é dado o
conhecimento dos mistérios do Reino dos céus, mas a eles não’” (Vs. 11).
Parábolas eram histórias fictícias
usadas como metáforas pelos rabinos para descreverem traços da realidade. E os
discípulos, por serem formados na matriz religiosa judaica, sabiam disso. Tal
fato faz brotar a questão: O que é o Evangelho
do Reino de Deus para você? A resposta revela quem, de fato, és em relação
a Jesus.
Muitos
que se denominam cristãos são devotos a um “evangelho” que contempla apenas a
vitória de Cristo e as bênçãos dela provenientes. Um reducionismo que dá origem
a uma “realidade” paralela. Sim, uma espécie de esquizofrenia. Pessoas estão
entorpecidas pela perniciosa “teologia”
da prosperidade. Fato que as alienam no tocante à cruz que o próprio Jesus
estabeleceu como elemento fundamental para o exercício de Seu discipulado –
leia-se cristianismo: “Aquele que quiser
me seguir, negue-se a si mesmo, tome cada um a sua cruz e siga-me” (Evangelho
segundo Mateus 16:24).
A
realidade, portanto, é nua e crua: Não há cristianismo sem Cristo. Não há como
viver de acordo com o Seu legado sem ser Seu discípulo. Não há discipulado cristão
sem cruz, sem renúncia, sem resignação. O apóstolo Paulo sintetizou, de forma
brilhante, todos estes pontos ao preconizar: “Eu prego Cristo, e este crucificado” (I Coríntios 2:2). Qualquer
proposta contrária é... Parábola motivacional, comum em muitos púlpitos.
O
motivo de tal disseminação é que seus ocupantes não querem formar discípulos de
Jesus. Querem atrair multidões que encham seus templos para que este inchaço
demográfico transforme sua denominação em algo lucrativo e, ao mesmo tempo, dê
a ela visibilidade – leia-se fama. É errado uma denominação cristã ter muitos
membros? Não, desde que sejam discípulos, e não mera multidão.
Como
professor da faixa etária infanto-juvenil, lido com alguns alunos que, mesmo
professando Jesus Cristo com seus lábios, demonstram pela forma como pensam,
sentem e agem que a conduta de vida que levam é totalmente alienada ao
Evangelho de Cristo. O veem apenas como um subterfúgio que alimenta e satisfaz
a religiosidade ególatra que lhes é peculiar. Não estão dispostos a ultrapassar
esta embriaguez subjetiva rumo à sobriedade objetiva do Evangelho Pleno a fim
de conhecerem e viverem a realidade integral que Cristo propõe ao ser humano. Interpretam
parábolas como se fossem a realidade total
do Evangelho.
Consequentemente,
a ortodoxia cristã está sendo conformada aos preceitos modernos, ainda que
frontalmente contrários ao caráter e essência do Evangelho de Cristo. Uma
“pequena” demonstração disto é o fato de que adereços da cultura pop – como
“super-heróis”, dinossauros, picadeiros circenses, “cultos” chamados de
“baladas gospel” - são transformados, à exaustão, em elementos de culto ao
SENHOR. E tudo isso, na maioria das vezes, trata-se de manifestações sinceras
de devoção, o que é pior e denuncia o nível do engano presente em muitos
altares.
Além
da profanação do culto, esta conduta transforma Jesus em um mero pop star, deturpando Sua imagem e
reduzindo Sua identidade. Conforme
diagnosticou o historiador e sociólogo Leandro Karnal, sobre o que chamou de customização da fé: “O Jesus criado pela
sociedade atual não transforma as pessoas, apenas concede seus desejos”. O
apóstolo Paulo falou sobre isso muito antes e com mais propriedade: “Pois virá o tempo em que não suportarão a
sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para
si mesmos, segundo os seus próprios desejos” (II Timóteo 4:3). Esta sã doutrina é o mistério do Evangelho do Reino que apenas os
discípulos de Jesus Cristo entendem.
O
“Jesus” usado como metáfora para justificar e satisfazer os desejos humanos,
criados por uma sociedade líquida, conforme
afirmou Zygmund Baumam, é uma realidade completamente distorcida em relação ao
que Ele verdadeiramente É. Ela satisfaz as multidões. Mas não os discípulos
que, comparados à grande multidão, são poucos. Embora em menor número, não se
conformam a esta parábola. Pois a
eles são dados, conforme o próprio Jesus afirmou, a capacidade de conhecer os
mistérios do Reino de Deus.
Discipulado
começa com o SENHORIO – o maiúsculo é proposital – de Jesus Cristo. Para a
multidão, que se satisfaz com a parábola,
basta o “Jesus” milagreiro, o “Jesus” coaching, o “Jesus” psicólogo, o “Jesus”
administrador, entre outros. O “Jesus” que mais se aproxima de SENHOR é o que é
considerado como líder. Contudo, não
se engane! Este é usado apenas como modelo de como devemos liderar as pessoas
em um caráter e estruturas corporativistas. Pois o organograma utilizado é baseado na hierarquia vertical, e não na
horizontal preconizada pelas Escrituras, tendo Jesus como O Cabeça.
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