Matheus
Viana
O
episódio narrado em Gênesis 32:22-32 é bastante conhecido. Jacó seguia sua
jornada com a família e bens. Guardadas as devidas proporções, contexto semelhante ao
nosso cotidiano. Mas algo inusitado aconteceu e resultou em uma profunda
transformação em sua vida. Ele foi precedido por alguns fatos. Analisemos-os
antes dos resultados.
O
primeiro fato foi o de que Jacó ficou sozinho (Gênesis 32:24). Solitude. Algo
incomum na sociedade globalizada em que vivemos. Um estranho paradoxo. O ser
humano tem necessidade de relacionamento, conforme preconiza a pirâmide das necessidades humanas
elaborada por Abraham Maslow. Mas – isso ele não disse de forma explícita – também
tem necessidade de ficar sozinho. Contudo, ficar
só é diferente de viver só.
A
existência humana é baseada no relacionamento mútuo. Somos oriundos do
relacionamento entre um homem e uma mulher. E por mais que alguns tentem, tal
fato não será mudado. Schopenhauer afirmou que a vida (essência) humana é vontade por sermos gerados como
resultado das vontades de um homem e
de uma mulher sintetizadas pelo relacionamento sexual. Desde muito antes dele,
todavia, as Escrituras preconizam a necessidade de vivermos em comunhão não
apenas na conotação reprodutiva. Trata-se do decreto feito pelo próprio Deus: “Não é bom que o homem esteja (viva) só. Farei-lhe uma auxiliadora que lhe seja
idônea.” (Gênesis 2:18). Logo, vida é comunhão.
Mas
Jesus, apesar de praticar e ensinar a vida em comunidade, também praticou e ensinou
a importância da solitude. Antes de andar sobre as águas, por exemplo, insistiu
para que Seus discípulos fossem de barco à Betsaida, despediu a multidão que O
seguia e subiu, solitário, um monte para orar (Evangelho segundo Marcos
6:45-46). Ensinando como orar, disse: “Mas
quando você orar, vá para seu quarto, feche a porta e ore a seu Pai, que está
em secreto. Então seu Pai, que vê em secreto, o recompensará.” (Evangelho
segundo Mateus 6:6).
Atualmente,
solitude é visto como sintoma de depressão e, por conseguinte, o alarme de um
suicídio potencial. Sim, há casos em que é. Mas eles não anulam a necessidade
de ficarmos, por um breve momento, sozinhos de modo a refletirmos sobre nossa
vida.
Muitos
relacionamentos são desdobramentos de uma personalidade enferma. Pois esta
necessidade não anula, por exemplo, o nosso egoísmo. Isso também é um paradoxo complexo! Relacionamos-nos com o intento de satisfazer nossa necessidade. Ou seja, o
outro é apenas um mero instrumento de satisfação (realização) pessoal, a
primeira necessidade humana de acordo com Maslow. Relacionamento egoísta? Sim. E
isso não é apenas possível, mas comumente praticado à exaustão. Inclusive por
mim.
A
comunhão ensinada pelas Escrituras, na contramão, é pautada no altruísmo, pois
tem como referência o próprio Deus que entregou Seu Filho antes da fundação do
mundo para redimir todo aquele que Nele crer. A Igreja de Cristo, descrita no
livro de Atos, a exercia na íntegra (Atos 2:42-47) como reflexo da comunhão do
Pai com o Filho (Evangelho segundo João 17:21). Mas esta comunhão também não
anula a necessidade de solitude.
Ao
elucidarmos sobre a ação do egoísmo nos relacionamentos, não podemos deixar de
falar dos paliativos. São comuns pessoas que substituem momentos de solitude
pelos relacionamentos virtuais em redes sociais como facebook, por exemplo, mas ainda vivem em solidão. Possuem mais de
1000 amigos virtuais, mas carecem de comunhão. Apesar de todo o frenesi que
extingue a solitude da realidade de muitos, a sociedade globalizada não é capaz
de aplacar a solidão.
Precisamos
evocar a diferença entre solidão e solitude. Em termos conceituais ela não existe,
mas na prática é evidente. Richard Foster, em seu livro A celebração da disciplina, afirmou: “Podemos cultivar a solitude e o silêncio interiores, que nos libertam
da solidão e do temor. A solidão é o vazio do lado de dentro. A solitude é o
interior preenchido.”[1]
Não
existe solidão para quem com Deus tem comunhão. Mas é possível exercermos tal
comunhão em solitude. O exemplo clássico é a oração. Jesus advertiu que estaria
conosco até a consumação dos séculos (Evangelho segundo Mateus 28:19). O
apóstolo Paulo elucidou, de forma poética, o fato de que não há nada que nos
separe do amor de Deus, manifesto em Jesus Cristo (Romanos 8:35). E tal
elucidação foi fundamentada em sua erudição nas Escrituras, principalmente do salmo
que diz: “Para onde poderia eu escapar do
teu Espírito? Para onde poderia fugir de tua presença?” (Salmo 139:7).
Solidão
é o ser humano apartado de Deus e, consequentemente, de todos os outros, não
tendo nada além dele mesmo. Solitude, por sua vez, é quando ficamos sozinhos
para desfrutarmos de comunhão com Deus e, nesta perspectiva, refletirmos sobre
nossa vida de modo a alinharmos à Sua ética. Foi a solitude que o apóstolo
Paulo evocou, na ocasião da ceia, – também chamada de eucaristia ou comunhão –
quando disse: “Examine o homem a si
mesmo!” (I Coríntios 11:28).
Continua...
[1] FOSTER, Richard. Celebração da
disciplina: o caminho do crescimento espiritual; tradução de Marson Guedes. São
Paulo: Editora Vida, 2007. p. 144.
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