Matheus Viana
“Bem-aventurado aquele que não segue o conselho dos
ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos
escarnecedores.” (Salmo 1:1).
O intento da salmista é refletir sobre a ética da felicidade. Convenhamos! Não há como
definir felicidade. Nesta tentativa, apenas responderemos as questões “o
que é ser feliz?” e “como ser feliz?”. O salmista, por sua vez, não
tentou responder “o que é bem-aventurança?”, e sim as questões
consequentes. E não há como falar em ser feliz sem evocar três
necessidades humanas: existência, referência e relacionamento.
Necessidade de existência
Quando falo da necessidade de existência,
não me refiro ao ato de existir, mas do que fazemos para que a nossa existência
tenha sentido. Sendo assim, podemos nomeá-la também como necessidade de sentido
existencial.
Ao afirmar que feliz é aquele que não segue
o conselho dos ímpios, o salmista referiu-se à necessidade de existência.
Quando disse que feliz é aquele que não imita a conduta dos pecadores,
referiu-se à necessidade de referência. E, por último, ao afirmar que feliz
é aquele que não se assenta na roda dos escarnecedores, referiu-se à
necessidade de relacionamento.
O psicólogo americano Abraham Maslow (1908-1970),
responsável pela teoria da hierarquia das necessidades, também conhecida
como pirâmide de Maslow, afirmou que as três principais necessidades humanas
são: satisfação (autorrealização), aceitação (autoestima) e relacionamento
social.
Por ter feito seus estudos em um contexto de
modernidade, e por isso, antropocêntrico, a perspectiva usada por Maslow foi
pautada no egoísmo. Não encontrando sentido existencial além dele mesmo, o
indivíduo, na tentativa de suprir tal necessidade, passa a ver sentido
existencial em sua realização pessoal, transformando-a em alvo principal.
Aqui reside uma questão crucial. O salmista
descreve a ética da felicidade baseada na Lei de Deus e na sentença
proferida por Ele: “Não é bom que o homem esteja só.” (Gênesis 2:18).
Deus é, por natureza, altruísta e comunitário. Por isso não há sentido em uma
existência solitária e, consequentemente, egoísta. Não é em vão que Jesus é o “cordeiro
morto antes da fundação do mundo.” (Apocalipse 13:8). Deus realizou o
altruísmo desde a eternidade por ser um atributo de Sua existência. Conosco não
deve ser diferente, pois fomos, em nosso padrão original, formados à imagem e
semelhança Dele.
Deste enredo, emerge uma questão: qual a causa
do egoísmo? Ela está, de certa forma, evidente em seu efeito. O ato
egoísta é considerar apenas o nosso eu e desconsiderar todo o resto. O
distanciamento do ser humano para com Deus e a tentativa de ser autônomo em
relação a Ele são resultantes de egoísmo. Eis, portanto, a causa: o ser humano
desconsiderou Deus de sua existência. Objetivo que o ateísmo e outras formas de
reducionismo visam alcançar. Sem sucesso.
Apesar de ser considerado mitológico para ateus e
afins, o relato de que Eva preteriu a ética de Deus para se submeter à ética da
serpente reverbera sobre o ser humano. Óbvio que tal substituição foi impelida
por um propósito egoísta. No entanto, não podemos ignorar o fato de que o mesmo
egoísmo que leva o indivíduo a desconsiderar Deus e Sua ética, o impele a ouvir
uma ética contrária à divina, independente da maneira como ela se manifesta. Ou
seja, muitos revivem, querendo ou não, o episódio do Éden. Assim, ele é mais
real do que imaginamos.
Na tentativa de extirpar Deus de nossa existência,
nos apegamos a qualquer padrão ético que seja contrário ao Dele. É por isso que
o salmista adverte que feliz é aquele que “não segue os conselhos dos
ímpios”. Pois tais conselhos são utilizados na tentativa desesperada de
anularmos Deus e convencermos nossa alma de que Ele não existe. Impossível. Mas
muitos vociferam: “Vale a pena tentar.” Será?
O indivíduo que se apega aos “conselhos dos
ímpios” não é impelido somente pelo intento de extirpar Deus, mas também
pelo fato de que tais padrões éticos vão de encontro à sua realização pessoal.
Conforme preconizou o jornalista ex-ateu Lee Strobel: “Quando era ateu, certamente tinha muitas motivações para
encontrar defeitos no cristianismo. Sabia que meu estilo de vida beberrão,
imoral e egocêntrico teria de mudar se me tornasse um seguidor de Jesus, e não
estava certo de que queria mudar estas coisas”.[1]
Não há como conciliar realização pessoal,
fundamentada no caráter autônomo, e sujeição a Deus. Mais do que isso: são
excludentes. A única conciliação possível entre ambos é quando a necessidade de
realização pessoal passa a ser satisfeita quando a vontade de Deus é realizada,
a exemplo da oração que Jesus ensinou aos Seus discípulos: “Venha a nós o
teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus.” (Mateus
6:10) e também como orou no jardim do Getsêmani: “Pai, afasta de mim este
cálice. Contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres.” (Mateus
26:39). Conciliação inconcebível para um indivíduo que crê ser possível viver
de forma autônoma em relação a Deus.
[1] STROBEL, Lee. Em defesa da fé; tradução Alderi S. Matos – São Paulo; Editora
Vida, 2002. p. 305
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