quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Ensaios sobre a felicidade - Parte II



Matheus Viana

“Bem-aventurado aquele que não segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.” (Salmo 1:1).

O intento da salmista é refletir sobre a ética da felicidade. Convenhamos! Não há como definir felicidade. Nesta tentativa, apenas responderemos as questões “o que é ser feliz?” e “como ser feliz?”. O salmista, por sua vez, não tentou responder “o que é bem-aventurança?”, e sim as questões consequentes. E não há como falar em ser feliz sem evocar três necessidades humanas: existência, referência e relacionamento.

Necessidade de existência

Quando falo da necessidade de existência, não me refiro ao ato de existir, mas do que fazemos para que a nossa existência tenha sentido. Sendo assim, podemos nomeá-la também como necessidade de sentido existencial.

Ao afirmar que feliz é aquele que não segue o conselho dos ímpios, o salmista referiu-se à necessidade de existência. Quando disse que feliz é aquele que não imita a conduta dos pecadores, referiu-se à necessidade de referência. E, por último, ao afirmar que feliz é aquele que não se assenta na roda dos escarnecedores, referiu-se à necessidade de relacionamento.

O psicólogo americano Abraham Maslow (1908-1970), responsável pela teoria da hierarquia das necessidades, também conhecida como pirâmide de Maslow, afirmou que as três principais necessidades humanas são: satisfação (autorrealização), aceitação (autoestima) e relacionamento social.

Por ter feito seus estudos em um contexto de modernidade, e por isso, antropocêntrico, a perspectiva usada por Maslow foi pautada no egoísmo. Não encontrando sentido existencial além dele mesmo, o indivíduo, na tentativa de suprir tal necessidade, passa a ver sentido existencial em sua realização pessoal, transformando-a em alvo principal.

Aqui reside uma questão crucial. O salmista descreve a ética da felicidade baseada na Lei de Deus e na sentença proferida por Ele: “Não é bom que o homem esteja só.” (Gênesis 2:18). Deus é, por natureza, altruísta e comunitário. Por isso não há sentido em uma existência solitária e, consequentemente, egoísta. Não é em vão que Jesus é o “cordeiro morto antes da fundação do mundo.” (Apocalipse 13:8). Deus realizou o altruísmo desde a eternidade por ser um atributo de Sua existência. Conosco não deve ser diferente, pois fomos, em nosso padrão original, formados à imagem e semelhança Dele.

Deste enredo, emerge uma questão: qual a causa do egoísmo? Ela está, de certa forma, evidente em seu efeito. O ato egoísta é considerar apenas o nosso eu e desconsiderar todo o resto. O distanciamento do ser humano para com Deus e a tentativa de ser autônomo em relação a Ele são resultantes de egoísmo. Eis, portanto, a causa: o ser humano desconsiderou Deus de sua existência. Objetivo que o ateísmo e outras formas de reducionismo visam alcançar. Sem sucesso.

Apesar de ser considerado mitológico para ateus e afins, o relato de que Eva preteriu a ética de Deus para se submeter à ética da serpente reverbera sobre o ser humano. Óbvio que tal substituição foi impelida por um propósito egoísta. No entanto, não podemos ignorar o fato de que o mesmo egoísmo que leva o indivíduo a desconsiderar Deus e Sua ética, o impele a ouvir uma ética contrária à divina, independente da maneira como ela se manifesta. Ou seja, muitos revivem, querendo ou não, o episódio do Éden. Assim, ele é mais real do que imaginamos.

Na tentativa de extirpar Deus de nossa existência, nos apegamos a qualquer padrão ético que seja contrário ao Dele. É por isso que o salmista adverte que feliz é aquele que “não segue os conselhos dos ímpios”. Pois tais conselhos são utilizados na tentativa desesperada de anularmos Deus e convencermos nossa alma de que Ele não existe. Impossível. Mas muitos vociferam: “Vale a pena tentar.” Será?

O indivíduo que se apega aos “conselhos dos ímpios” não é impelido somente pelo intento de extirpar Deus, mas também pelo fato de que tais padrões éticos vão de encontro à sua realização pessoal. Conforme preconizou o jornalista ex-ateu Lee Strobel: “Quando era ateu, certamente tinha muitas motivações para encontrar defeitos no cristianismo. Sabia que meu estilo de vida beberrão, imoral e egocêntrico teria de mudar se me tornasse um seguidor de Jesus, e não estava certo de que queria mudar estas coisas”.[1]

Não há como conciliar realização pessoal, fundamentada no caráter autônomo, e sujeição a Deus. Mais do que isso: são excludentes. A única conciliação possível entre ambos é quando a necessidade de realização pessoal passa a ser satisfeita quando a vontade de Deus é realizada, a exemplo da oração que Jesus ensinou aos Seus discípulos: “Venha a nós o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus.” (Mateus 6:10) e também como orou no jardim do Getsêmani: “Pai, afasta de mim este cálice. Contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres.” (Mateus 26:39). Conciliação inconcebível para um indivíduo que crê ser possível viver de forma autônoma em relação a Deus.


[1] STROBEL, Lee. Em defesa da fé; tradução Alderi S. Matos – São Paulo; Editora Vida, 2002. p. 305



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