Matheus Viana
A
temporalidade nas Escrituras é algo
fascinante. Muitas profecias nelas contidas foram cumpridas, mesmo assim emitem
uma mensagem pertinente a nós. Sob tal perspectiva está o livro de Daniel. A realidade descrita nele é, em
alguns aspectos, semelhante à nossa. O que o torna alvo de uma necessária
análise.
Ele
começa narrando o episódio quando o reino de Judá - do Sul - é levado cativo
pela Babilônia. Mas tal fato é o efeito
de uma causa. Para a compreendermos,
devemos considerar seu contexto. A Bíblia diz: “No terceiro ano do reinado de Jeoaquim, rei de Judá, Nabucodonosor,
rei da Babilônia, veio a Jerusalém e a sitiou.” (Daniel 1:1-2). Por que tal
fato ocorreu no terceiro ano de Jeoaquim? Por ter sido consequência de seu
governo autônomo em relação a Deus e à Sua Lei que, por isso, tornou-se corrupto.
O
comentário sobre o reinado de Jeoaquim é sucinto: “Ele fez o que o SENHOR reprova, tal como os seus antepassados.” (II
Reis 24:37). O cativeiro babilônico “...
aconteceu a Judá conforme a ordem do SENHOR a fim de removê-los de sua
presença, por causa de todos os pecados que Manassés cometeu, inclusive o
derramamento de sangue inocente.” (II Reis 24:3-4). Ou seja, a causa não
foi apenas o governo corrupto de Jeoaquim, mas as atrocidades cometidas contra
o povo e contra Deus no governo de seu antecessor, Manassés.
Jeoaquim
era da linhagem de Manassés, o pior rei que governou sobre Judá. “Ele fez o que o SENHOR reprova, imitando as
práticas detestáveis das nações que o SENHOR havia expulsado de diante dos
israelitas. Reconstruiu os altares idólatras que seu pai, Ezequias, havia
demolido e também ergueu altares para Baal e fez um poste sagrado para Aserá,
como fizera Acabe, rei de Israel. Inclinou-se diante de todos os exércitos
celestes e lhes prestou culto. Construiu altares no templo do SENHOR, do qual
este havia dito: ‘Em Jerusalém porei o meu nome’.” (II Reis 21:2-4).
Manassés
não agiu conforme seu pai, Ezequias. Fez exatamente o contrário. De acordo com
o relato bíblico, se submeteu às culturas pagãs. Algo, infelizmente, presente
em meio à Igreja. Manassés “importou” os conceitos e valores das culturas não
aliançadas com Deus, assim como a Igreja tem “importado” práticas seculares,
desprovidas de aliança com Ele por meio de Sua Palavra. Fato que demonstrou seu
abandono às Leis de Deus dadas através de Moisés.
Manassés
imitou as práticas detestáveis a Deus. Isso fala de aculturação. O rei de Judá fez com que seus súditos fossem
doutrinados de acordo com a cultura pagã não condizente com a vontade de Deus
estabelecida na Lei. A Igreja tem sofrido uma aculturação semelhante. E não é de hoje. Na tentativa de fazer com
que o Evangelho seja acessível às pessoas, Seu caráter tem sido relativizado e,
consequentemente, corrompido. Refletindo sobre este perigo, Alister McGrath
preconiza: “Permitir que novas ideias e
valores tornem-se controlados por qualquer coisa ou pessoa, que não a
auto-revelação de Deus na Escritura, é adotar uma ideologia, em vez de uma
teologia; é tornar-nos controlados por ideias e valores cujas origens se acham
fora da tradicão cristã – e potencialmente tornar-nos escravizados por eles.”[1]
Na
mosca! O Evangelho deve ser pregado de modo que as pessoas O compreendam, pois
a fé é resultado de ouví-Lo (Romanos 10:17). No entanto, a compreensão do
Evangelho é fruto da ação do Espírito Santo no intelecto humano (Evangelho
segundo João 16:8, I Coríntios 2:10-16), e não na capacidade do orador ou
eficácia da “estratégia de evangelismo” (I Coríntios 2:4-5). Sendo assim, o
poder do Evangelho se manifesta quando, através dele, Jesus Cristo, o próprio Logos, é revelado - em detrimento de
qualquer valor ou conceito - de modo a ser conhecido. Por isso Jesus afirmou: “Examinai as escrituras, pois elas de mim
testificam.” (Evangelho segundo João 5:39). Ou seja, não devemos subjugar o
Evangelho a nenhuma tendência não alicerçada em Cristo, mesmo que tenha grande
abrangência cultural.
Escrevendo
aos coríntios, que eram versados na cultura grega, Paulo afirmou: “Eu mesmo, irmãos, quando estive entre
vocês, não foi com discurso eloquente (alicerçado no método socrático e na
retórica aristotélica), nem com muita
sabedoria (filosofia platônica e o mistério dos gnósticos) para lhes proclamar o mistério de Deus. Pois
decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado.”
(I Coríntios 2:2-3).
Paulo
não configurou ou aculturou o Evangelho conforme os
valores e conceitos dos coríntios, provenientes de uma cultura gentílica, a fim
de proclamá-Lo. Mas preservou Seu caráter – a Cruz de Cristo - e Nele perseverou para mantê-Lo íntegro. Algo
que a Igreja não tem feito. Pelo contrário, o Jesus que temos apresentado é o
mais aculturado possível.
Sobre
isso, McGrath afirma que o Evangelho “...
é fortemente contracultural, defendendo o direito fundamental do cristianismo
de ser dominado por Cristo, em vez de dominá-lo à luz dos costumes sociais
transitórios contemporâneos.”[2]
A pessoa de Jesus Cristo – assim como Seu Evangelho – está acima de
qualquer contexto e elemento culturais que não estejam Nele alicerçados.
Continua...
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