Matheus Viana
Euforia
é a falsa alegria. Sensação inebriante, porém momentânea. Que vem como um “fogo
que arde sem se ver”, parafraseando Camões, ao descrever a paixão. Mas, de
súbito, desaparece dando lugar a um lúgubre sentimento de culpa e frustração.
A
euforia embriaga nossos desejos reduzindo-os à escravidão. Ouso dizer que foi
euforia que Eva e Adão sentiram antes de pecarem. Ávidos por obterem algo
ilícito, abandonaram a razão e se esqueceram da advertência que Deus havia emitido: “Não coma da árvore do conhecimento
do bem e do mal, pois no dia em que dela comer, certamente morrerás” (Gênesis
2:17). O fato de notarem que estavam nus
foi mero desdobramento da consciência de que cometeram um equívoco. Ou seja,
culpa e frustração por sucumbirem à euforia. É ela que sentimos quando nos
deparamos com o desejo pelo ilícito. Ela é resultado de nossa cobiça e o
combustível para o ato do pecado.
Euforia
é uma palavra grega que significa “poder de perseverar”. Com isso, podemos ver
que euforia, além do conceito de senso comum de alegria e entusiasmo, é a
capacidade humana de perseverarmos em nossos instintos e desejos, fazendo tudo o
mais ser reduzido à irrelevância. Não é em vão que o termo em questão é usado
para denominar o sentimento que um dependente (viciado) possui em relação ao
objeto de sua dependência (seu vício). Um dependente-químico, por exemplo, fica
eufórico antes (desejo, cobiça) e, principalmente, depois (prazer) do uso da
substância desejada (ou necessitada). Os sintomas da insatisfação, também
conhecida como crise de abstinência, surgem logo depois. O termo também é usado
para descrever um dos sentimentos que os deficientes mentais possuem, pois a
euforia compromete a razão.
Euforia
é completamente oposta à “alegria” elucidada por C. S. Lewis, quando dissertou em
seu livro Surpreendido pela alegria sobre
o sentimento que lhe acometeu quando teve uma experiência com Deus, em sua
infância. É também diferente da alegria do homem quando viu a mulher que Deus
formara de uma de suas costelas, que o levou a exclamar: “Carne da minha carne, ossos dos meus ossos.” (Gênesis 2:23).
Alegria
traz satisfação, a euforia não. Por isso o salmista declara: “Alegra-te do Senhor, e ele satisfará os
desejos do teu coração.” (Salmo 37:4). Por sua vez, a euforia traz remorso.
Ela é fruto da vontade humana, por isso é ansiosa e inconsequente. A alegria é
resultado de nossa submissão à vontade de Deus, ainda que seja antecipada pela
tristeza e pela dor. Foi isso que Isaías descreveu a respeito do Messias que, como
fruto de seu sofrimento, “verá o fruto de
seu penoso trabalho e ficará satisfeito” (Isaías 53:11). Alegria é o
sentimento que acomete uma mãe quando, após passar pelo doloroso processo do
parto, recebe o filho em seus braços.
Assim
como a desobediência traz culpa, a obediência gera alegria. Por isso o salmista
testifica: “Como é feliz aquele que não
segue o conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores, nem se assenta
na roda dos zombadores. Ao contrário, sua satisfação está na Lei (vontade) do Senhor, e nela medita de dia e de noite”.
(Salmo 1:1-2). O seguinte salmo complementa: “Dirige-me
pelo caminho dos teus mandamentos, pois nele encontro satisfação”.
(Salmo 119:35). Mas a obediência à vontade de Deus é dolorosa, pois exige a “dor”
da renúncia às nossas vontades e, sim, à ela mesma: euforia.
Apesar
da dor que sinto em meu corpo por conta da deformidade óssea que o acomete, sou
alegre pelo fato de que Deus tem, mesmo sem eu merecer, me concedido vida.
Acredite, sou satisfeito com a vida que levo. É verdade que desejo ser curado. E
tenho fé de que serei. Mas, independente de ser curado ou não, a alegria de
estar vivo é permanente. Após 20 anos, compreendi a mensagem do salmo 37.
“Entra no gozo do seu
Senhor”
é o comando de Jesus aos fiéis, elucidado em algumas de Suas parábolas. No
entanto, ser fiel não é algo prazeroso. Sim, o salmista proclamou: “Tenho prazer em sua lei” (Salmo
119:70). Este prazer não é propriamente em observar a Lei, mas o pleno
exercício de consciência de que a Lei de Deus é benéfica para o ser humano. A
partir disso, o fato de passarmos pela tensão de renunciar nossa vontade para
fazer a vontade de Deus se torna prazeroso na medida em que adquirimos tal consciência.
É por isso que o apóstolo Paulo preconizou: “Transformai-vos
pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, perfeita
e agradável vontade de Deus.”. (Romanos 12:2). Este é o nosso “culto racional” (Romanos 12:1).
A
questão é que o conceito de alegria disseminado
pelo senso comum está ligado ao exercício da vontade humana e,
consequentemente, ao prazer dela oriundo. Schopenhauer afirmou que a essência
humana é vontade, e vontade de viver. Na esteira, Nietzsche definiu moral como nobre e escrava, onde diz
que a “nobre” está pautada no egoísmo, ou seja, na vontade pessoal que Rousseau,
em seu livro Contrato Social, definiu como vontade comum (a vontade do indivíduo),
acima das demais coisas. A alegria – que conduz à satisfação - passou a ser
definida como vontade de poder. No
entanto, este deslocamento de conceito teve seu início na queda dos primeiros
seres humanos. Questão de causa e efeito.
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