sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Ação equilibrada

Matheus Viana

“Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um. (Apóstolo Paulo, Romanos 12:3).

Não se trata de filosofia holística. É fato: todo indivíduo em sã consciência busca o equilíbrio entre os extremos em muitas áreas de sua vida. Ouso dizer em todas.  Aristóteles, em seu livro Ética a Nicômaco, reflete sobre algumas virtudes como sendo o meio-termo entre o excesso e a escassez, lembrando que seu principal objetivo é refletir sobre a ação humana.

Diz, por exemplo, que a virtude da liberalidade é o meio-termo entre a avareza e o ser pródigo. A própria experiência humana mostra que todo extremo, seja na escassez ou no excesso, é nocivo. Até algo bom como o amor, quando praticado em excesso, é nocivo. Aliás, o verdadeiro amor é, conforme o apóstolo Paulo preconiza em sua carta aos coríntios, equilibrado. Mas ouvimos sobre muitos casos de pessoas que mataram “por amor” e de pais que escravizaram filhas “por amor”. Sim, a origem de casos mórbidos como estes não é amor, mas patologias que enganam a psique do indivíduo. Contudo, podemos dizer que tais patologias são exatamente desdobramentos do amor em sua forma extremada. Sobre a falta de amor, bem, desnecessário gastar linhas para demonstrar o quanto é nociva...

Há quem diga que o nosso amor a Deus deve ser extravagante, extremado. Será? O amor a Deus deve obedecer o bom senso. Sim, romper os limites da sabedoria humana, mas ser submisso à coerência de Deus. A obra da cruz é loucura para os que perecem, mas para os que creem é o poder de Deus (I Coríntios 1:18). O amor de Jesus por nós demonstrado na cruz foi extravagante. Mas tal “extravagância” obedeceu a coerência da Lei (Galátas 3:13) e da justiça de Deus (Romanos 3:21). Ou seja, foi feito sob a tutela da razão de Deus, e não um ato incoerente ou inconsequente, fruto de um impulso qualquer.

Jesus sabia exatamente o que estava fazendo, o que evidencia que Ele em nenhum momento abandonou Sua razão (Evangelho segundo Mateus 26:39). Pois era, desde antes da formação do mundo (Apocalipse 13:8), o cordeiro que tira (o verbo no presente é proposital) o pecado do mundo (Evangelho segundo João 1:29). E não podemos nos esquecer que nenhuma “extravagância” que façamos se equipara ao que Jesus realizou por nós.

Repito, ainda que seja extremado em relação ao bom senso humano, foi a demonstração do amor de Deus em sua justa medida que é “recalcada, sacudida e transbordante.” (Evangelho segundo Lucas 6:38). Em suma, amor extravagante é aquele que é exercido de acordo com a sobriedade das Escrituras, que devem ser compreendidas em virtude da inseparável parceria entre o Espírito de Deus (I Coríntios 2:10-11, Evangelho segundo João 16:8-13) e a razão humana (Evangelho segundo Mateus 22:29, Evangelho segundo João 5:39, Romanos 12:1-2).

Assim como o amor, o desejo pela santidade, quando é excessivo, também é nocivo. Há pessoas que, no desejo de serem santas, se esquecem de que são pecadoras (I João 1:8-10) e de que, por isso, são dependentes da misericórdia de Deus que se renova a cada manhã e é a causa de não sermos consumidos (Lamentações 3:22). Sim, como extensão de nosso amor a Deus, que obedece Sua coerência, o desejo de viver como Cristo viveu é parte do pacote (Romanos 8:29, Efésios 4:13). No entanto, o excesso abre precedente para um misticismo perigoso e, consequentemente, a segregação.

A devoção extremada resultou em barbáries como as Cruzadas - cujo bradar era “morte aos inimigos de Deus” -, a Inquisição - na ânsia de exercer a “santidade” de matar os hereges -, o extermínio dos cátaros e anabatistas, como também o radicalismo proveniente do protestantismo luterano que queimou igrejas e assassinou “os hereges presos em tradições humanas”. Isso falando apenas da vertente cristã. Se estendermos aos exemplos do fundamentalismo islâmico, alicerçado pela guerra santa (Jihad), o texto ficará exaustivo. Nestes casos, vemos que a devoção extrema gerou a escassez do amor ao próximo. Questão de causa e efeito.

Um equilíbrio que quero tratar, no entanto, é entre o legalismo e a permissividade que conduz ao pecado em relação à conduta cristã. Com o desejo de não errarmos, muitas vezes nos tornamos legalistas. E, quando percebemos nosso legalismo, temos a tendência de partir rumo à permissividade. Como alcançar o equilíbrio? Não tenho a resposta para tal questão. Apenas fui ousado, confesso, de salientar a reflexão bastante comum. Falaremos sobre ela em textos futuros. Até lá!

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