O oitavo dia é o
dia em que renunciamos toda liturgia religiosa para recebermos a circuncisão
que não é na carne, mas no coração (Romanos 2:29). E, a partir de então,
recebermos, um dia após o outro, a identidade que Ele estabeleceu a nós.
Matheus Viana
Imagine
o drama! Uma aglomeração de vizinhos e parentes dos pais de um menino que
nascera há oito dias. Prestes a ser circuncidado, conforme preconiza a cultura
judaica, os presentes queriam batizar-lhe com o nome do pai, Zacarias. (Evangelho
segundo Lucas 1:58).
“Nada
disso!”, vociferou Isabel, a mãe do bebê. “Ele
deve ser chamado de João”. (Evangelho segundo Lucas 1:60). No entanto, aquela
pequena multidão foi rápida no gatilho: “Não
há ninguém na tua parentela com este nome.”, alguém argumentou. Mas Zacarias,
impossibilitado de falar, pegou uma tábua e emitiu o veredicto: “João é o seu nome”.
Embora
pareça um fato meramente cotidiano, ele carrega em seu bojo uma verdade
poderosa. Não era em vão que os pais do menino queriam lhe dar o nome de João.
Mas sim por obedecer a profecia previamente proclamada: “Disse-lhe, porém, o anjo: Zacarias, não temas, porque a sua oração foi
ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho a quem darás o nome de
João”. (Evangelho segundo Lucas 1:13).
O
nome João carregava sobre si um chamado, uma peculiaridade fundamental para o
estabelecimento da vontade divina sobre a Terra. “E irá adiante dele no espírito e poder de Elias, para converter os
corações dos pais aos filhos e dos filhos aos pais, converter os desobedientes
à prudência dos justos...”. (Evangelho segundo Lucas 1:17).
Mas
para que tal profecia fosse cumprida, algo deveria acontecer. O fato daquele
menino de oito dias não receber o nome de batismo de seus antecessores
simboliza o surgimento de um novo sacerdócio que deve romper com a tradição
religiosa, não se limitar ao templo e renunciar a liturgia sacerdotal para ser
a voz do que clama em meio ao deserto da desolação humana (Evangelho segundo
Lucas 3:4).
Este
menino de oito dias era descendente de Arão por parte de pai e mãe. Mas só
poderia cumprir a plenitude da profecia que pairava sobre sua vida se rompesse
com todo tipo de tradição. Seu nascimento se deu após 400 anos de silêncio
profético, o que fez, entre outros fatos, o sacerdócio se corromper.
Deus
estava enojado da corrupção político-religiosa que os sumo-sacerdotes
compartilhavam com o império romano. Enquanto alimentavam suas cobiças e
volúpias, o povo vivia num verdadeiro deserto existencial, na expectativa do
surgimento do Messias.
Por
isso, assim como Jesus se desfez de Sua glória e se tornou homem a fim de
comunicar o Evangelho do Reino (Filipenses 2:6-9), João, o menino de oito dias,
precisou abandonar o ritualismo sacerdotal e fazer a voz de Deus, restrita ao
templo, ser ouvida no deserto. O fato de muitos se dirigirem ao deserto para
ouvir e serem batizados por João é a suma demonstração da realidade interior
que os assolava.
É
exatamente por isso que Deus estabelece o seguinte chamado ao menino de oito
dias, antes mesmo de seu nascimento: “Voz
do que clama do deserto: Preparai o caminho do Senhor, endireitai as suas
veredas. Todo vale será aterrado, e nivelado todos os montes e outeiros; os
caminhos tortuosos serão retificados, e os escabrosos, aplainados”.
O
chamado que repousava sobre os seus ombros era o de restituir os padrões morais
em linear processo de degradação, estabelecer a justiça em todos os níveis e
trazer a necessária restauração familiar. Tudo isso, claro, desdobramentos do
arrependimento e da submissão ao Evangelho do Reino dos Céus.
Vivemos
em um contexto semelhante. Deus, em pleno século XXI, ainda clama deste
deserto. Ele espera que este novo sacerdócio (Evangelho segundo Mateus 17:11, I
Pedro 2:9, Apocalipse 1:6) continue o ministério exercido por João, o Batista,
até sua prisão e consequente morte pelo rei Herodes. Mas, para isso, devemos
renunciar toda e qualquer tradição obsoleta da religião (como por exemplo,
rudimentos judaicos, e não as bases históricas do Cristianismo) e recebermos a
renovação que Deus deseja, todos os dias, estabelecer sobre nós. Não é a toa
que Jesus nos adverte que somente odres novos recebem vinho novo (Evangelho
segundo Mateus 9:17).
Um
menino de oito dias. Oito. Deus criou o mundo e tudo o que nele há em seis
dias, descansou no sétimo e no oitavo... A Bíblia não diz. O oitavo dia é o dia
do renovo de Deus. É o dia em que renunciamos toda tradição da Lei para
recebermos a circuncisão que não é na carne, mas no coração (Romanos 2:29). E,
a partir de então, recebermos, um dia após o outro, a identidade que Ele deseja
estabelecer em nós (Romanos 8:29).
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