A ‘logos’ que vence
a tentação
Matheus
Viana
Introdução
Um
dos principais diálogos registrados nas Escrituras é o narrado por Mateus entre
Jesus e Satanás (Evangelho segundo Mateus 4:1-11). Nele podemos conferir que a
vitória de Jesus foi pavimentada tanto pelo aspecto
espiritual (sobrenatural) quanto pela razão (intelectual). Simplesmente
incrível!
O
aspecto sobrenatural – a ação do Espírito Santo em Sua vida – é notório no
tocante ao propósito que O levou a ser conduzido ao deserto: ser tentado pelo
diabo. Sua humanidade seria colocada à prova. Sim, Ele era o Filho do Deus
vivo, conforme o próprio Deus havia dito momentos antes na ocasião de seu
batismo por João Batista (Evangelho segundo Mateus 3:16) e Pedro,
posteriormente, afirmaria (Evangelho segundo Mateus 16:16). Mas ele também é o
Deus que se fez homem, ou seja, assumiu a plenitude da forma humana (Filipenses
2:6-8). Resumindo, conforme ficou definido no Concílio de Calcedônia (451 d.C), Jesus era 100% Deus e 100% homem.
Jesus
teria que vencer o tentador como homem. Assim, Sua vitória seria plena, a fim
de que a profecia de Isaías se cumprisse sobre a humanidade (Leia Isaías 53:5).
Era pegar ou largar. Ele enfrentou o desafio e venceu. Contudo, o tentador não
parou por ali...
Após
a consumação da vitória na cruz, pouco antes de Sua ascensão, Jesus fez pelos
Seus discípulos a seguinte oração: “Não
peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal”. (Evangelho segundo João
17:15). Intercessão emblemática que carrega um propósito: difundir o Evangelho
do Reino dos céus a fim de que Ele seja estabelecido sobre a terra, conforme o
pedido expresso na oração que, anteriormente, ensinou-lhes a fazer: “Venha a nós o teu Reino, seja feita a tua
vontade, assim na terra como nos céus.” (Evangelho segundo Mateus 6:10). Mas,
para isso, eles não poderiam cair em tentação.
Não
é diferente conosco. Para o êxito desta empreitada é necessário vencermos as
tentações do “deus deste século” que
cega o entendimento das pessoas para que não lhes resplandeça a luz do
Evangelho do Reino dos Céus (II Coríntios 4:4). O tentador aplicou a mesma
tática para com Jesus com o intuito de desviá-lo da plenitude do propósito
divino. No entanto, Jesus venceu. Já a humanidade tem sucumbido. A causa: mentes “cegadas” – entorpecidas - por suas tentações ardilosas.
Embora
tenha sido um desafio de caráter espiritual, Jesus utilizou um arsenal
racional. Assim como preconiza a teologia de Agostinho de que a razão é serva
da fé, Jesus usou sua razão para estabelecer o poder espiritual que possuía
como Filho de Deus. Não foi em vão que Jesus, ao vencer cada tentação que lhe
foi proposta, bradou: "está escrito". Não foi meramente uma opção, mas um
princípio. Pois, conforme vimos anteriormente, a estratégia que o tentador usa
para nos impedir de concluirmos o propósito de Deus sobre a humanidade é a
deturpação em nossa mente. Foi desta forma que ele logrou êxito com Eva e Adão
no Éden (Gênesis 3:1-6). Corrompeu o entendimento de Eva que passou a pensar de
forma contrária aos princípios e propósitos de Deus à sua vida. A desobediência
e a consequente queda foram meros efeitos colaterais.
Cada
uma das três tentações propostas a Jesus pelo tentador representa um período e
também uma teoria filosófica/científica de nossa história. A primeira delas foi
a de que Jesus, sentindo fome, transformasse pedra em pão (Evangelho segundo
Mateus 4:3). Nesta proposta é clara a ideia de transformar algo duradouro em um
suprimento momentâneo.
Esta
proposta é feita a nós, além de outras teorias, através do chamado materialismo
histórico/dialético. Teoria criada pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883) que preconiza
que a consciência humana é determinada pela ação da matéria sobre a realidade.
Consciência, neste contexto, não é meramente a razão do indivíduo, mas sua plena
personalidade, considerando que o materialismo de Marx deriva da dialética de outro filósofo alemão, Georg Hegel (1770-1831), que define consciência como a “ideia absoluta”. A diferença é que,
enquanto Hegel diz que esta “ideia absoluta” gera a matéria, Marx afirma o
contrário: a matéria determina a consciência. Falaremos sobre a origem, o
contexto e as implicações sociais do materialismo sobre a humanidade em breve.
A
segunda proposta feita pelo tentador a Jesus foi a de que Ele se lançasse da
parte mais alta do Templo a fim de ser salvo pelos anjos. Aqui é evidente a
ideia da fé inconsequente, ou seja, completamente desprovida de razão. Sim,
Jesus poderia pular e, com certeza, seria salvo pelo sobrenatural de Deus. Mas
o fato de não ter cedido a esta ardilosa proposta nos deixa uma lição que
veremos adiante.
Esta segunda proposta é feita a nós hoje através do
existencialismo, filosofia que apregoa o “salto de fé”. Ou seja, a conduta
humana que abandona a razão e que se pauta unicamente pelos seus instintos e impulsos, sentido de sua existência. O
filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) define como ‘falsa moral’ qualquer
artifício usado para controlar ou coibir os impulsos e instintos humanos. É a
morte da moralidade. Neste mesmo mote, o filósofo francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi
o mentor intelectual da revolução contracultura, em 1968, que apregoou o lema ‘sexo,
drogas e rock´n roll’. O que gerou o crescimento vertiginoso da sexualidade
juvenil e do consumo de drogas ilícitas. Veremos as implicações do
existencialismo e o êxito que o tentador tem conseguido com tal proposta sobre a
humanidade em breve.
Já a terceira
proposta do tentador a Jesus foi de conceder a Ele todos os reinos do mundo se
prostrasse diante de seus pés e o adorasse (Evangelho segundo Mateus 4:9-10).
Aqui é clara a ideia de que as riquezas e os poderes deste mundo podem se
tornar ídolos aos homens. Realidade que nos enreda. É explícita a tentação de
Satanás a nós através da cultura consumista. Se no materialismo histórico/dialético
a consciência (personalidade e modo de pensar) do indivíduo é determinada pela
ação da matéria sobre a realidade que o cerca, no consumismo é por aquilo que
ele pode adquirir e consumir. O ter define o ser. Ambos são deturpações da razão que Deus
estabeleceu sobre o homem.
A humanidade tem
sucumbido diante destas três tentações disseminadas ao entendimento coletivo:
materialismo histórico/dialético, existencialismo e a cultura do consumo
(consumismo). O que a tem distanciado do propósito de Deus. É por isso que o
apóstolo Paulo adverte: “Transformai-vos
pela renovação da vossa mente para que experimenteis a boa, perfeita e
agradável vontade de Deus”. (Romanos 12:2).
Analisaremos cada um
destes três pontos e depois mergulharemos nos pormenores que Jesus usou para
vencer cada tentação que lhe foi proposta. O mesmo Espírito que estava sobre
Ele está sobre nós. Que renovemos a nossa mente a fim de sentirmos (Filipenses
2:5), pensarmos (I Coríntios 2:16) e agirmos (I João 2:6) como Ele. Deste modo,
a vitória é certa (Romanos 8:37).
Até breve...
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