quinta-feira, 10 de maio de 2018

A relação entre verdade e vontade

Matheus Viana


A sociedade atual está cada vez mais formatada pela vã e insana tentativa de destruir absolutos, que também recebe o nome de relativização. Seu principal alicerce é a máxima de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coisas”, que é entoada como um mantra e obedecida com uma devoção religiosa. O conceito de mundo preconizado por Arthur Schopenhauer, de que ele é a representação da vontade do homem, é o plus complementar. Por isso o filósofo afirmou que o mundo em que vivemos é fruto da ação de nossas vontades sobre ele. Sendo assim, o mundo é moldado pela vontade do homem. Logo, a “verdade” sobre si mesmo e sobre a realidade onde vive também é. A completa hegemonia humana.

Soma-se a esta torre de Babel a união equivocada dos conceitos de liberdade e autonomia. Simbiose semântica que sustenta o antropocentrismo vigente. Há, entretanto, o contraponto. Ao nos depararmos com o conceito de que verdades gerais (universais) não existem, mas apenas as “verdades” que cada ser humano constrói para si (particulares) e que, apesar de divergentes, devem ser consideradas como complementares; podemos afirmar: Se nenhuma verdade pode ser descartada, a verdade de que existem verdades universais também não pode. A resposta “Esta é a sua verdade” não cola. Pois, ainda que você não a considere, tal fato não anulará sua existência. A própria afirmação de que “não existem verdades absolutas” é absoluta para quem a faz. Assim, existem absolutos que não serão extintos pelo bradar exaustivo de máximas relativistas, como as citadas nas linhas acima. O fato de que o ser humano tem necessidade de encontrar a verdade, por exemplo, é um absoluto que não pode ser relativizado.
     
Feita esta breve análise, é possível detectar a relação ambígua entre verdade e vontade que hora funciona como uma dialética de causa e efeito e outra como dualismo. Na primeira, a “verdade” é construída – seja ela: (1) a partir de uma narrativa criada, (2) uma mera distorção da realidade ou (3) as duas alternativas funcionando de forma simultânea - a partir da vontade humana.
     
Já na segunda, a verdade, por funcionar como uma antítese, é preterida diante da vontade humana. Foi sobre esta relação que o apóstolo Paulo elucidou, em sua carta a Timóteo: “Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se aos mitos” (II Timóteo 4:3-4 – Ênfases acrescentadas).
     
Estes dois aspectos que compõem a relação entre verdade e vontade não constituem um único movimento. Ou seja, é um erro dizer, por exemplo, que o materialismo histórico-dialético é fundamentado no primeiro aspecto enquanto o existencialismo pós-moderno fundamenta-se no segundo. Tanto o materialismo quanto o existencialismo possuem, em seus respectivos bojos, os dois aspectos. Nem mesmo a Ideologia de gênero escapa. Ao mesmo tempo em que ela cria “verdades” através de uma leitura sociológica do ser humano, considerando, sobretudo, o sentimento (subjetivo) que o indivíduo possui em relação ao gênero – sendo que o conceito de gênero utilizado é completamente destituído do sexo biológico - segundo o qual se define; ela desconsidera, em detrimento deste mesmo sentimento, as verdades biológicas (objetivas) que o abarcam.
     
A supremacia da vontade tem dado o tom do “cristianismo” atualmente vigente. Pois ela - a vontade - tem sido o principal elemento utilizado como ferramenta para a interpretação da Escritura. Prática a qual chamo de hermenêutica da conveniência.

segunda-feira, 7 de maio de 2018

O admirado rejeitado - Parte II

Matheus Viana


Liberdade é o conjunto de direitos a serem usufruídos e deveres a serem cumpridos. A sociedade atual, no entanto, define liberdade como exigência de direitos e a abolição de deveres, vistos como instrumentos de opressão. Esta definição, por sua vez, é fruto de um conhecimento adquirido pelo fato de a emoção governar a razão. Lembremo-nos do processo de sabedoria para visualizarmos melhor este conceito.


Informação -------------- Conhecimento ------------------- Prática
(Senso-percepção)    Cognição
                               Emoção --------- Razão   
                               Desejos            Lei/ética – categorias de pensamento
                               Instintos           Consciência                                                                                                                 
Montesquieu preconizou: “Todo homem é livre para fazer o que a lei o permite fazer”. Tal afirmação está à sombra da afirmação de Jesus Cristo: “Conhecereis a verdade, e a verdade os libertará” (João 8:32). Esta lei a que Montesquieu se referiu é uma postulação da razão. Ou seja, o governo da razão - que estipula a lei e o exercício de legislar sobre ela - sobre a emoção – instintos e desejos – a fim de refreá-la. Esta postulação, todavia, consiste no processo de cognição. A questão a qual precisamos refletir é: Sobre quais pressupostos uma lei é estipulada?
     
Conforme Jesus afirmou, a verdadeira liberdade é produto do conhecimento da Verdade (Jesus – Verdade substantiva e seus absolutos), a fim de que ela governe nossa razão. Consequentemente, nossa razão, governada pela Verdade, rege nossas emoções (paixões, instintos). O resultado não pode ser outro senão a plena liberdade (completamente contrária à autonomia) em contraposição à sermos escravos de nossos instintos e paixões.
     
O ideal da revolução francesa consistiu, na esteira do humanismo renascentista, no renascer de um novo homem, chamado de virtú, que formaria uma nova sociedade pautada na vontade geral de Rousseau. Este novo significa a plena destituição de todos os valores e conceitos preconizados e estabelecidos pela tradição cultural e pela religião, por serem elementos coesos. A revolução fracassou. Mas o ideal permanece, mudando apenas a forma como ele se tornaria realidade.
     
Com o fracasso do radicalismo bélico e genocida dos jacobinos e napoleônicos, o movimento revolucionário partiu do idealismo hegeliano, que por sua vez veio na esteira do criticismo kantiano. O objetivo seria alcançado pela constante transformação do homem e da sociedade através da dialética tese-antítese. Contudo, esta transformação, conforme reza a teoria, acontece no espírito do homem, que é a síntese entre o corpo e a alma. Mas isto também não deu certo, pois a tão desejada síntese não foi alcançada, apesar do profetismo escatológico de Hegel em relação ao curso da história. O fato de a síntese sempre se transformar em tese para ser contraposta a uma antítese, tornava-a uma utopia. A tão desejada transformação da sociedade aconteceria como consequência do homem alcançar esta – inalcançável - síntese em seu espírito. Ou seja, nunca.
     
A “solução”, segundo Marx e Engels, seria a mudança do caráter abstrato do idealismo, mantendo a mesma dialética, para o materialismo. De acordo com tal proposta, a transformação não acontece a partir das ideias contidas no espírito, mas no que ele faz, em suas ações, que Marx nomeou de práxis. A tese seria, à semelhança da revolução francesa, a tradição cultural e a religião (cristã); e a antítese seria os valores e conceitos revolucionários, necessários para a construção de um novo homem e, consequentemente, uma nova sociedade.
     
Neste mote, Nietzsche elucidou sobre a construção não apenas de um novo homem, mas do super-homem pautado em sua vontade de poder. Nela, o homem não poderia se render à sua razão (consciência), mas sim ao livre fluir de seus instintos e desejos que pulsam em seu interior. Insano, para ele, seria tentar conter tal impetuosidade. Uma completa inversão psicótica. A razão, segundo ele, é um obstáculo incapaz de conter o turbilhão das paixões. A coisa mais “sensata” a se fazer, então, é se entregar ao domínio das emoções e ao mesmo tempo usá-las como instrumentos de domínio. Concluindo: o super-homem de Nietzsche é dominado pelas suas emoções e, consequentemente, usa-as como plataforma de domínio sobre outros. Assim, leis não são postulações da razão, mas das emoções.
     
Eis o paradoxo: A liberdade atual consiste em viver dominado pelos instintos e desejos. Em outras palavras, pelas emoções. E o pior escravo é aquele que não tem consciência de seu atual estado. Não foi em vão que o nazismo, por exemplo, visou doutrinar de modo a saturar as emoções das pessoas com o sentimento pelo nacionalismo alemão e pela supremacia ariana. Marx e Engels, algumas décadas antes, usaram a mesma fórmula, tendo como conteúdo o sentimento revolucionário – o combustível da práxis - dos que compõem o proletariado.
     
Deus criou o ser humano para ser livre. Tal liberdade, no entanto, consiste na escolha de se submeter à vontade de Deus e desfrutar do propósito que Ele estabeleceu. A advertência de não se alimentar do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gênesis 2:17) foi o limite para que o homem não a perdesse. Pois a morte relatada ali se daria – como se deu – em vários níveis. Morte da infinitude da vida, morte da plena comunhão com Deus, morte da pureza e santidade... Morte da liberdade. O homem pós-moderno interpreta escravidão das emoções como liberdade. Sintoma da interpretação equivocada das realidades individual, coletiva e universal. O motivo: distanciamento da Verdade que as fundamenta, Jesus Cristo.

O admirado rejeitado - Parte I

Matheus Viana


“O bom filho para casa volta”, preconiza o adágio popular. Jesus viveu uma experiência similar. Lucas foi enfático em sua narrativa: “Ele (Jesus) foi a Nazaré, onde havia sido criado, e no dia de sábado entrou na sinagoga, como era seu costume” (Evangelho segundo Lucas 4:16). Antes disso, porém, Lucas detalhou que Jesus voltou para a região da Galileia “no poder do Espírito” (Vs. 14).

O que vem em sua mente quando ouve ou lê esta expressão? O que, de fato, significa estar sob o poder do Espírito? Não pretendo, por conta de minha incapacidade, dar uma resposta definitiva. Mas desejo que nos atentemos ao que a Escritura afirma a respeito. Esta narrativa segue uma cronologia. Jesus foi batizado por João no rio Jordão, onde o Espírito Santo veio sobre Ele (Evangelho segundo Lucas 3:22). Depois, foi conduzido pelo Espírito Santo ao deserto para ser tentado pelo Diabo (Evangelho segundo Lucas 4:1), por ser parte do plano da redenção ao que Se submeteu. Portanto, vemos dois elementos vividos por Jesus estando sob o poder do Espírito: Ser batizado e provado.
     
O fato de Jesus ser batizado por João representou Sua plena submissão ao Pai. Pois Ele não tinha pecados dos quais se arrepender e ser purificado. Por não ter nascido da semente humana, era imaculado. Assim, estar sob o poder do Espírito é ser plenamente submisso ao SENHOR. Infelizmente, esta é uma verdade que tem sido deturpada. O significado empregado a esta expressão possui uma conotação muito maior de entretenimento do que de submissão. O modelo de devoção cristã em voga prioriza a experiência sensorial em detrimento da transformação interior que culmina em uma devoção integral e constante. “Sentir” arrepios por estar na “unção” é mais desejado do que a plena obediência a Deus – através da observação à Sua Palavra - gerada pela contrição que o Espírito Santo realiza no coração do ser humano.
     
Jesus foi à Galileia no poder do Espírito e... “Ensinava nas sinagogas”. Tal fato não é mera coincidência. Não há manifestação do poder do Espírito que não culmine em ensino. O apóstolo Paulo exortou a Igreja em Corínto, que fluía nos dons do Espírito, contra as divisões e imoralidades que seus membros exerciam.  Em sua advertência, afirmou: “E foi com fraqueza, temor e com muito tremor que estive entre vocês. Minha mensagem e minha pregação não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria, mas em demonstração do poder do Espírito”. (I Coríntios 2:3-4 – Ênfase acrescentada). Este poder do Espírito se referiu ao seu ensino e testemunho de vida perante os membros daquela congregação.
     
Jesus estava no poder do Espírito diante daquela sinagoga em Nazaré. Sua atitude, que evidenciou tal fato, foi o ensino da Escritura. E Seu ensino foi justamente sobre viver sob a ação do Espírito. Nele podemos ver quais são as evidências. O fato de Jesus escolher o texto escrito pelo profeta Isaías não foi em vão. Ao ler a sentença “O Espírito do SENHOR está sobre mim”, explicitou o fato de que Ele era o Messias (ungido) de Deus. Pois o pensamento que permeava as mentes dos judeus ali reunidos era sobre a expectativa da vinda do Messias. O Espírito do SENHOR repousava sobre pessoas específicas, com finalidades específicas. E Jesus queria deixar claro que Ele era o cumprimento daquela profecia (Vs. 21). Munido desta autoridade, Ele soprou este mesmo Espírito sobre Seus discípulos logo após Sua ressurreição, e também em Pentecostes, a fim de que eles continuassem Sua obra (Atos 1:8).
     
Desta forma, podemos ver que a primeira demonstração de estar sob o poder do Espírito é “pregar boas novas aos pobres” (Evangelho segundo Lucas 4:18), o que é comumente relacionado ao ato de evangelizar. No entanto, podemos exercer evangelismo sem, contudo, pregarmos as boas novas aos pobres. O cerne da questão está na mensagem. A expressão traduzida como boas novas é evangelion. O que é pregar boas novas aos pobres? Fazer e ensinar o que Jesus fez e ensinou (Atos 1:1).
     
É possível pregar outro evangelho que não seja o de Jesus Cristo? Sim, é possível. É possível estar no poder do Espírito e pregar outro evangelho que não seja o de Jesus Cristo? Não, não é possível. É possível, então, estar sob o poder do Espírito e não pregar as boas novas aos pobres? Não, também não é possível. Mas qual é, afinal, a mensagem destas boas novas? Nascimento (encarnação), morte (cruz) e ressurreição (glorificação e Senhorio) de Jesus, o Cristo. Quando algum destes elementos é extraído da mensagem, ela é deturpada.
     
Uma pessoa sob o poder do Espírito proclama liberdade aos cativos. Esta proclamação, no entanto, é resultado de o proclamador ser livre e viver como tal. Por isso o apóstolo Paulo afirmou: “Onde está o Espírito, aí há liberdade...” (II Coríntios 3:17). No entanto, esta palavra tem sofrido uma severa mudança em seu significado. A liberdade apregoada pelo sistema secular é completamente conflitante com a que o Espírito Santo nos concede. Eis o conflito...