Matheus Viana
Não há prática correta sem ensino correto. Não há ensino
correto sem pensamento (razão)
correto. Não há como definir o que seja correto
sem os conceitos de certo e errado. E eles não existem sem absolutos, também chamados de verdades universais. Eis, portanto, nosso objeto
de reflexão: o pensamento moderno diz que tudo é relativo. Tal afirmação, por sua
vez, é absoluta ou relativa?
Se tudo
é relativo, tal afirmação também é. Assim, não deve ser considerada como
verdadeira. Se é absoluta, então é indício de que absolutos existem.
Temos, portanto, uma contradição de termos. Pois é, em essência, exatamente
aquilo que afirma não existir. Eis o cúmulo da incoerência. Tal consideração é
baseada em uma crença. Crença é desdobramento de fé, também
chamada por William James de hipóteses funcionais.
Não há como desvencilhar ação humana de fé. Por sua vez, não é possível desvencilhar fé ou hipótese de pensamento. Não existe pensamento desprovido de fé. Só posso pensar – no intento de conhecer - a respeito de algo ou alguém, seja ele concreto (físico) ou abstrato (metafísico). E tal pensamento parte da premissa de que este ser – o objeto de meu pensamento – existe, ainda que seja apenas em minha imaginação. Ou seja, eu preciso crer na veracidade desta premissa. A questão é: sobre quais bases está o pensamento que determina as ações do ser humano atual?
Desde seus primórdios, o ser humano tem seu pensar e agir permeados pela religião. Não me refiro ao caráter
institucional e reducionista ao qual o termo se apropriou no decorrer da
história. Mas ao que João Calvino chamou de senso
de divindade (sensus divinitatis). As civilizações mais antigas registradas
na história exerciam atividades religiosas. Bertrand Russell afirmou tal fato:
“O Egito e a
Mesopotâmia, como sociedades agrícolas, cresceram nas margens dos grandes rios
e seus governantes eram reis divinizados, uma aristocracia militar e uma poderosa
classe de sacerdotes que presidiam os complexos sistemas religiosos
politeístas.” [1]
O conhecimento que elas
tinham sobre a realidade a qual viviam era determinado pelos absolutos preconizados
por seus antepassados. Tais absolutos eram oriundos da crença em seres
sobrenaturais, denominados deuses.
Tal fato denota algo crucial: a necessidade do ser humano de se religar a algo
ou alguém além dele e de sua realidade. Este é o sensus divinitatis do homem em relação a Deus ao qual Calvino se
referiu. Quando falo de religião, refiro-me a esta necessidade. Algo inegável.
No afã de supri-la, o
ser humano criou, e ainda cria, vários deuses, também chamados de ídolos. Eles podem ser concretos ou
abstratos. O iluminismo do século 18, por exemplo, colocou a razão como
deus/ídolo. O ateísmo coloca o naturalismo em tal patamar. Os comunistas
colocaram Karl Marx nesta posição. Por isso, seu materialismo histórico,
fundamento da leitura social pela lente da dialética opressor/oprimido e o humanismo que dela emana, para eles, têm
caráter dogmático e, assim, são tratados como doutrinas as quais tornam-se
devotos. Os libertarianos colocam a liberdade, desprovida de qualquer
autoridade ou ente regulatório, como deus ou ídolo. Apesar de objetos e devoções
diferentes, todas têm algo em comum: a necessidade religiosa.
Mas qual a origem desta
necessidade? Seria ela desdobramento da evolução? Antes de mostrar os argumentos
que baseiam a resposta negativa, consideremos, hipoteticamente, a positiva. Se
o senso religioso é fruto da evolução, ela ainda demanda o ponto original de
onde começou a se desenvolver. Seria ela fruto do desenvolvimento das moléculas
e suas respectivas adaptações ambientais, conforme preconizou Darwin? Se sim,
como um senso natural cria, ainda que num processo evolutivo, a necessidade de
se religar a algo sobrenatural e ela, por sua vez, pautará sua ação no meio em
que vive? Seria ela algo necessário para a sobrevivência das espécies? Se não, por
que ela se desenvolve no ser humano? Se sim, qual a explicação de um ente
puramente natural buscar um atributo sobrenatural necessário para sua sobrevivência?
Se alguém disser que na verdade este senso foi se formando ao longo dos vários
estágios da evolução, em qual estágio o desenvolvimento desta necessidade
religiosa teve início?
Passemos, então, para
outro prisma. Queria me dispor de mais tempo para apresentar a problemática de
dizer que o senso moral e a origem do ato do pensamento, por exemplo, nada mais
são do que construções sociais, mas farei em outra oportunidade.
O ser humano foi formado
por Deus com um propósito. Foi munido, entre outros atributos, de racionalidade
para que pudesse compreender a ética e o propósito estabelecidos por Ele à sua
vida: Governar (cuidar e desenvolver) de toda a criação. Ou seja, atividade
cultural. Ambos, portanto, seriam realizados como consequências de seu
relacionamento com o Criador, o que é chamado de Culto racional. Por isso Deus, apesar de conceder-lhe o
livre-arbítrio, colocou sobre ele a necessidade de se relacionar com seu Criador.
Mas num determinado momento, este relacionamento (culto) foi quebrado. Mas a necessidade
permaneceu. O objeto de culto foi substituído pelo homem quando a vontade de
Deus foi preterida em relação a uma proposta contrária. O ídolo passa a ser o
próprio homem, conforme Feuerbach preconizou. É o início da egolatria humana. A
essência foi perdida.
Perdido em seu labirinto
existencial, sem a referência do Criador pautando sua vida, o objeto que o ser
humano passa a cultuar será ele mesmo ou uma “divindade” gerada por ele. E são
os absolutos sobre estes ídolos que passam a determinar o seu pensamento e suas
consequentes ações.
Diante disso, reflita:
Qual é o seu objeto de culto? Lembrem-se, todos têm um. Até mesmo os ateus,
cujo deus, para muitos deles, é o próprio ateísmo. Quais são os absolutos que
pautam seus pensamentos? Quais pensamentos determinam suas atitudes? Quais as
consequências de suas atitudes para o mundo em que vivemos? Refletir em tais
questões é refletir em cultura.
[1] RUSSELL, Bertrand. História do pensamento ocidental;
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013. p. 14.