segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Marginalizados da fé

Matheus Viana

A fé cristã nasceu sob a pressão de uma intensa marginalização. Era vista pelos judeus como uma espécie de dissidência. Mas não era esta sua essência. Jesus foi visto de tal forma pela cúpula religiosa de Sua época, embora tenha vindo para cumprir toda a Lei dada por Deus através de Moisés a fim de colocá-la sobre a Sua perspectiva (Evangelho segundo Mateus 5:17, Romanos 6:14). Veio romper com a devoção baseada nos ditames da Lei do Talião a fim de estabelecer uma devoção baseada em Seu fazer e ensinar. Isto é discipulado (Cf. Evangelho segundo Mateus 28:19). Isso é ser testemunha (Cf. Atos 1:8).

A Igreja Primitiva, dirigida por Jesus através dos Apóstolos (os verdadeiros, Cf. Evangelho segundo Mateus 16:18, Efésios 2:20-22), era vista como um grupo de insurgentes. Alister McGrath afirmou:

“É quase certo que no princípio o cristianismo tenha sido visto simplesmente como mais uma seita, ou grupo, dentro do judaísmo (...). No entanto, apesar do cristianismo ter as suas origens dentro do judaísmo, que era visto como uma ‘religião legal’ (religio licita) pelas autoridades romanas, as comunidades cristãs não eram reconhecidas como legítimas.”[1].

A história se repete. Vários séculos após a Igreja se tornar a instituição oficial do cristianismo, há uma classe de cristãos ávidos por viverem o cristianismo genuíno que estão à margem desta pseudoigreja que se apresenta atualmente como Igreja. São aqueles que se levantam contra a tendência de monopólios humanos e oligarquias espirituais que se tornam cada vez mais uniformes. Não me refiro aos desigrejados, mas àqueles que desejam ver a verdadeira Igreja se manifestar sobre a terra e cumprir o propósito que Deus a outorgou.

O contexto atual é semelhante ao que Jesus enfrentou. Certa vez, alguns fariseus lhe questionaram sobre o fato de Ele e os seus discípulos não lavarem as mãos antes de comer. A narrativa dos fariseus é flagrante: “Por que os seus discípulos não vivem de acordo com a tradição dos líderes religiosos?..” (Evangelho segundo Marcos 7:5). Esses religiosos não seguiam a Lei de Moisés, mas a tradição oral de homens conhecida como talmud. Por isso Jesus, citando o profeta Isaías, declarou: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. Em vão me adoram; seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens.” (Evangelho segundo Marcos 7:6-7).

Realidade triste, mas atual.

Jesus é a essência do Evangelho. Esta essência é manifesta em Sua ética e, por fim, em Sua estética. Ou seja, a vida plena de Jesus deve pautar a nossa forma de pensar (I Coríntios 2:16) e sentir (Filipenses 2:5) – ética - e consequentemente agir (Romanos 8:29) - estética. Mas, infelizmente, a essência tem sido substituída por preceitos humanos, sejam eles modelos eclesiásticos ou doutrinas teológicas. Sim, a doutrina é importante. Mas ela deve ocupar o lugar da ética, nunca da essência, que é e sempre será Jesus Cristo (Evangelho segundo João 5:39).

Há muitos casos de congregações que estão pautadas em modelos eclesiásticos de evangelismo em massa e gestão de pessoas. O expressivo aumento no número de cristãos no Brasil não é desdobramento de crescimento, mas de inchaço. Inchaço é sintoma de enfermidade e crescimento é sinal de desenvolvimento. Se a Igreja estivesse crescendo, sua atuação e consequente influência sobre a sociedade seriam positivamente notórias. Não é esta, portanto, a realidade. Repito, a Igreja está provando de um grave inchaço. Pois está acometida por uma enfermidade chamada pseudo-evangelho.

Jesus não tem ocupado o lugar da essência. Ele tem sido relegado ao mero papel da ética, o que tem gerado um fundamentalismo insano que está mais preocupado em consolidar o juízo divino do que espalhar as boas novas da salvação. Ou ao papel da estética, onde É usado apenas como um subterfúgio para que o desejo dos líderes (leia-se pastores e “apóstolos”) de obterem poder, riqueza e fama seja realizado.

Tudo isso elimina a tão necessária diversidade do Corpo de Cristo. O apóstolo Paulo, perseguido tanto pelo judaísmo como pelo império romano, elucidou sobre ela em sua carta aos coríntios ao falar dos dons concedidos pelo Espírito Santo (Cf. I Coríntios 12, Efésios 3:20). Alister McGrath, sobre isso, afirmou:

“Embora seja correto falar do cristianismo primitivo como uma tradição única, talvez seja melhor pensar nele como uma rede complexa de grupos e indivíduos que existam em diferentes contextos sociais, culturais e linguísticos. Estes grupos procuravam relacionar a sua fé a esses contextos e expressá-la em termos que fizessem sentido dentro daqueles contextos.” (...) “... Contudo, essa observação histórica não nega a ideia de que havia um fio unificador no cristianismo primitivo.”[2].


No dia 31/01, fui gentilmente convidado para trazer a reflexão nas Escrituras em um grupo de cristãos chamado Núcleo de Pensamento Cristão, popularmente conhecido como NPC. Foi uma bênção. Este grupo é composto por pessoas que desejam servir a Igreja a fim de vê-la se manifestar sobre a terra através de Sua diversidade. Contudo, ele foi preterido por não “atender o sistema doutrinário” que a Igreja ao qual fazia parte adotou. Sistema doutrinário. O conheço bem. Não, Ele não trata Jesus como essência. Jesus é visto apenas como Aquele que, ao chamar 12 discípulos, utilizou um método revolucionário. Isso mesmo. O culto a Jesus não é à Sua pessoa (quem Ele é), mas ao método que Ele utilizou (o que Ele fez).

A verdadeira Igreja cultua a Jesus por aquilo que Ele é. Por isso é marginalizada, pois rompe com qualquer outro padrão ético que não seja desdobramento do fato de Jesus ser a essência. O NPC, assim como outros – incluo, claro, a congregação a qual faço parte, entre outras - cultua Jesus por aquilo que Ele é, e não por aquilo que Ele fez somente. Sim, sabemos que não somos perfeitos. Longe disso. Não temos o pleno conhecimento da Verdade. Mas isto não nos impede de repudiarmos aqueles que dizem possuí-la através de uma “revelação especial” ou “estratégia”.

Li recentemente um texto de um pastor que afirmou: “Falo em nome do Senhor”. Cuidado com aqueles que se dizem profetas! Apesar do Espírito Santo ainda agir sobre Sua Igreja, não há ninguém que possa falar com tamanha ousadia. Este era um termo comum aos profetas do A.T, já que ele ainda estava em formação. Nem os apóstolos ousaram fazer tal acinte, pois tudo o que diziam estava respaldado no A.T. A autoridade que possuíam era proveniente do fato de que, além de serem escolhidos pelo próprio Cristo por terem andado com Ele, seus ensinos estavam baseados nas Escrituras. Em outras palavras, tinha Jesus como essência.

É claro que o NPC e outras congregações que, por amor ao Evangelho genuíno que ainda não alcançaram, caminham na contramão desta pseudoigreja com suas visões eclesiásticas e proselitismos doutrinários, são vistos como os marginalizados, como a igreja não oficial, à semelhança de como o cristianismo era visto até o quarto século. Somos - me incluo neste contingente - criticados e classificados como “rebeldes” e “dissidentes”. Ou melhor – ou seria pior? -, somos chamados de “doentes na alma”. Ao ouvir tal sentença, lembro-me das Palavras de Jesus: “Eu não vim para os sãos, vim para os doentes.” (Evangelho segundo Marcos 2:17)

Sei que os monopolistas da fé, na avidez de protegerem seus feudos, se levantarão esbravejando seus disparates. Por mais que tentem, a Verdade será manifesta. Como o próprio Jesus afirmou: “Depois de conduzir para fora todas as suas ovelhas, vai adiante delas, e estas o seguem, porque conhecem a sua voz. Mas nunca seguirão um estranho; na verdade, fugirão dele, porque não reconhecem a voz de estranhos.” (Evangelho segundo João 10:4-5). Por mais que estes monopolistas tentem minar a veracidade bíblica de textos como este que você lê descaracterizando-os, as verdadeiras ovelhas de Cristo ouvirão a voz Dele e O seguirão. Não sou eu quem digo. Apenas reproduzo o que o próprio Jesus afirmou.

Isto apenas atesta que estamos no Caminho certo, cientes de que ainda não O alcançamos. Fazemos nossas as palavras de Paulo: “Não que eu já tenha obtido tudo isso ou tenha sido aperfeiçoado, mas prossigo para alcançá-lo, pois para isso também fui alcançado por Cristo Jesus. Irmãos, não penso que eu mesmo já o tenha alcançado, mas uma coisa faço: esquecendo-me das coisas que ficaram para trás e avançando para as que estão adiante, prossigo para o alvo, a fim de ganhar o prêmio do chamado celestial de Deus em Cristo Jesus.” (Filipenses 3:12-14 – Ênfase acrescentada).

Notaram? O nosso galardão não está atrelado à devoção a um sistema eclesiástico ou modelo doutrinário – embora, repito, a doutrina, como ética, seja importante. Mas está atrelado a Jesus Cristo.




[1] MCGRATH, Alister. Heresia: uma história de defesa da verdade; tradução José Carlos Siqueira. São Paulo: Hagnos, 2014. p. 58-59.
[2] Ibid. p. 60.

2 comentários:

  1. Se a Igreja estivesse crescendo, sua atuação e consequente influência sobre a sociedade seriam positivamente notórias. (Matheus Vianna)

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  2. Se a Igreja estivesse crescendo, sua atuação e consequente influência sobre a sociedade seriam positivamente notórias. É isso professor Matheus, o nosso crescimento em número no Brasil não surtiu o efeito que se esperava, faltou qualiadade.

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