segunda-feira, 15 de junho de 2015

Aprendendo a humildade - Parte II

Matheus Viana

Obs: Caso não tenha feito, faça a leitura da parte I deste texto para melhor compreensão.

O ardiloso argumento da serpente, que deturpou a mente humana (II Coríntios 11:3), foi de que, além de não morrer conforme Deus havia dito (Gênesis 2:17), seria como Ele, conhecedor do bem e do mal (Gênesis 3:5). O que seria isto senão a soberba de querer ser como o Criador? A humildade de Jesus se manifestou exatamente na contramão. Eva, uma humana, quis ser como Deus, ou seja, obter um conhecimento que era lícito apenas a Ele. Jesus, sendo Deus, tornou-se humano.

O fato de Eva ser seduzida a desobedecer a Deus também demonstra uma atitude egoísta. Ela recebera a ordem de, juntamente com Adão, ser fértil e multiplicar sua espécie a fim de encher toda a terra (Gênesis 1:28). Não é em vão que seu nome significa “mãe de todos os seres humanos.” (Gênesis 3:20). Também era consciente de que seria acometida pela morte (tanto espiritual quanto física) se comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, o que lhe permitia saber que tal consequência não atingiria somente sua vida, mas também a de todos os seus descendentes. Mesmo assim, ela não levou isso em consideração.

O apóstolo Paulo começa sua carta aos filipenses fazendo uma aplicação prática da humildade de Jesus: “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente de seus interesses, mas também dos interesses dos outros.” (Filipenses 2:3 e 4). A humildade de Jesus não vai apenas na contramão da soberba humana, mas também do egoísmo.

Em minha opinião, um dos atributos mais marcantes contidos na humildade de Jesus foi a resignação. Ele se tornou humano como consequência de resignar – e não renunciar ao ponto de abandonar - o fato de ser Deus. De acordo com a ortodoxia estabelecida no Concílio da Calcedônia (451), que foi uma confirmação das doutrinas estabelecidas em Niceia (325) e Constantinopla (381), Jesus foi – e é – plenamente Deus e plenamente homem. Ele, ao tomar a forma humana, se submeteu às limitações, dores, dramas e tribulações que vieram a reboque. Ele resolveu viver os padecimentos humanos, incluindo a morte. O fato de Jesus ter morrido testifica que foi humano. E o de que Ele ressuscitou testifica que era – e é -Deus.

O resultado de tal resignação foi o altruísmo. Sim, o atributo que contrapõe o egoísmo humano demonstrado por Eva que resultou na Queda. Jesus, ao se tornar humano, tornou-se servo. Doulos é a expressão utilizada por Paulo, traduzida por servo. Doulos era a expressão que designava os escravos, algo comum nas sociedades hebraica e greco-romana. Ao ensinar sobre quem seria o maior no Reino de Deus, Jesus disse: “Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo, e quem quiser ser o primeiro deve ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos.” (Evangelho segundo Marcos 10:43-45).

Ele usou os contextos de dominação política, que era o que o império romano exercia sobre a Palestina, e o do escravismo exercido por algumas famílias hebraicas, gregas e romanas como metáforas para o serviço que um postulante ao Reino de Deus deve exercer. Não foi em vão que Paulo utilizou a expressão doulos em sua carta aos romanos: "Vocês foram libertos do pecado e tornaram-se escravos da justiça." (Romanos 6:18). Ou seja, Jesus tornou-Se um escravo. 

Não foi em vão que, em seu contundente escárnio ao cristianismo, Friedrich Nietzsche, em seus livros Além do bem e do mal e Genealogia da moral, desenvolve uma dicotomia entre o que chamou de moral nobre e moral escrava. A moral nobre é a conduta egoísta, pavimentada pelas ações que praticamos como resultados de nossas próprias vontades e em prol de nosso bem-estar. Não é esta a filosofia que pavimenta a conduta humana, que por vezes recebe o nome de autoajuda e consequentemente a teologia da prosperidade? Claro que é. A moral escrava, por sua vez, é a conduta altruísta, que visa não o bem-estar próprio, mas o bem-estar do próximo. Foi exatamente esta a moral que Jesus exerceu. E isso não foi apenas Nietzsche, que terminou sua vida em um manicômio, que descobriu. Ele, porém, ignorou sua aplicação prática.

O Criador do universo tornando-Se escravo? Isso mesmo. Escravo de quem? De Deus em nosso favor. Pois Ele morreu em nosso lugar quando ainda éramos pecadores (Romanos 5:2, I João 4:10). Não apenas um mero escravo, mas um escravo maldito. Pois além de Paulo salientar o fato de Jesus ter se tornado escravo, ele explicou como Jesus exerceu tal escravidão: “E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo, e foi obediente até a morte, e morte de cruz.” (Filipenses 2:8).

Jesus não morreu no madeiro como coincidência ou mero acaso. Houve um princípio contido na Lei mosaica que apontava para a maneira – com seu consequente propósito - como ela aconteceria (Deuteronômio 21:23). Paulo fala sobre ele em sua carta aos gálatas: “Cristo nos resgatou da maldição da Lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: ‘maldito todo aquele que for pendurado no madeiro.’” (Gálatas 3:13).

Um Deus que assumiu a forma humana, o que fez dEle um escravo. Escravidão que O tornou maldito e tal maldição O levou à morte. O Divino que se tornou humano. O Rei Soberano que se tornou escravo. O imaculado que tomou sobre si o pecado dos seres humanos. O Eterno que se tornou mortal. Sua ressurreição, além de testificar o fato de que também era Deus, inaugurou a nossa ressurreição pelo poder do Espírito Santo. É sobre isso que o apóstolo Paulo fala em sua carta aos coríntios (I Coríntios 15).

A pergunta que surge após esta reflexão é: como aplicamos, de forma prática, esta humildade em nossas vidas? Conforme Jesus orientou, devemos servir aos nossos próximos assim como Ele serviu. Ou seja, praticando a mesma humildade que Ele exerceu em nosso favor. “A ardente expectativa da criação aguarda pela manifestação dos filhos de Deus.” (Romanos 8:19). Eis a importância de aprendermos e exercermos a humildade praticada por Jesus.

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