Parte
I - A ética da felicidade
Matheus Viana
Aristóteles
afirmou em seu livro Ética a Nicômaco
que todas as ações humanas, provenientes de suas escolhas, visam um bem. Por
isso, para ele, o sentido da vida está no conhecimento e alcance deste bem.
Esta dedução o levou a indagar: “Não terá
o conhecimento deste bem, então, grande influência sobre a nossa vida?”1. Diante disso, surge a questão: que bem é este?
É
consenso que, independente dos propósitos primários de nossas escolhas e ações,
visamos, através deles, alcançar a felicidade, seja no presente ou no futuro.
Portanto, não há como negar: este bem é a felicidade. Aristóteles chegou a esta
conclusão: “... pois tanto o vulgo como
os homens de cultura superior dizem que esse bem supremo é a felicidade e
consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz; porém, divergem
a respeito do que é a felicidade.” 2.
Conclusão
seguida de uma questão: o que é felicidade? Aristóteles elucida: “A maioria das pessoas pensa que se trata de
alguma coisa simples e óbvia, como o prazer, a riqueza ou as honras, embora
também discordem entre si; e muitas vezes o mesmo homem a identifica com
diferentes coisas, dependendo das circunstâncias: com a saúde quando está doente
e com a riqueza quando está pobre. Cônscios, porém, da própria ignorância,
admiram aqueles que propõem algum ideal grandioso e inacessível à sua
compreensão.”3.
Por
mais que tentemos, não conseguiremos chegar numa definição única e consensual. Felicidade,
na perspectiva humana, é determinada pelas circunstâncias que vivemos ou que
projetamos como ideal. Nem as Escrituras definem o que é a felicidade. Definem
apenas a ética que o ser humano deve seguir para ser verdadeiramente feliz.
Vemos, por exemplo, Davi declarando: “Feliz
a nação cujo Deus é o Senhor.” (Salmos 33:12). Por sua vez, Salomão também
elucida: “Feliz o homem que confia no
Senhor.” (Provérbios 16:20). Jesus, em seu Sermão da Montanha, falou sobre esta ética. Agostinho, em seu livro
Confissões, registrou: “Quando te
procuro, ó Deus, estou à procura da felicidade”.4.
Já
no primeiro salmo, encontramos o que podemos chamar de ética da felicidade: “Feliz (ou
bem-aventurado) o homem que não anda no
conselho dos ímpios, não imita a conduta dos pecadores nem se assenta na roda
dos escarnecedores. Ao contrário, sua satisfação está na Lei do Senhor, e nessa
Lei medita de dia e de noite.” (Salmos 1:1-2 – Nova Versão Internacional).
Antes
de analisarmos este versículo de forma pormenorizada, reflitamos sobre a
diferença – ou seria semelhança? – entre satisfação e felicidade. Satisfação é
o suprimento de uma necessidade. Por exemplo, quando sentimos fome, nos
alimentamos até que fiquemos satisfeitos, ou seja, até que a fome – ou necessidade
de alimento – deixe de existir. Mas isso não quer dizer que uma pessoa que
tenha sua fome saciada seja feliz. Pois, ainda que ela não sinta mais fome,
pode estar acometida de outras necessidades.
Podemos,
então, dizer que felicidade é o pleno suprimento de todas as nossas
necessidades. Seria uma resposta lógica, mas que não reflete a realidade.
Conforme afirmei no texto Cobiça x necessidade, a alma humana, degradada, ingrata e enganosa (Jeremias 17:9),
tem o poder de transformar cobiça em necessidade. Por isso, o ser humano nunca
se satisfaz com o que possui. Conclui-se, todavia, que não há felicidade sem
satisfação. Pois a insatisfação é sintoma de que ainda estamos à procura da
felicidade.
A
expressão que aparece em Salmo 1:2, que é traduzida como satisfação, no original hebraico é CHEFËTSO (חֶפְצוֹ). Esta expressão
refere-se aos verbos querer, desejar e gostar. Por isso é traduzida também como prazer: “Antes tem o seu prazer na lei do SENHOR, e na sua lei
medita de dia e de noite”. (João Ferreira de Almeida – Ênfase
acrescentada).
Contudo,
prazer é um sentimento momentâneo e circunstancial. Aristóteles classifica a
vida em três tipos: agradável (prazer), política (honra e virtude) e
contemplativa. Concentremos apenas no primeiro tipo para que o texto não fique
exaustivo. Assim, vemos que prazer para o filósofo é levar uma vida agradável.
Neste mote, o salmista adverte: “Agrada-te
do Senhor, e ele satisfará os desejos de seu coração.” (Salmos 37:4). Em
outras traduções aparece a expressão alegra-te
no lugar de agrada-te. Mas o que é
ter uma vida agradável ou alegre?
Com
certeza, muitos diriam que é uma vida sem problemas. Este é um quesito que o
cristianismo não atende. Pois o próprio Jesus afirmou: “No mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo”
(Evangelho segundo João 16:33). Mas o apóstolo Paulo, um homem que sofreu todo
tipo de tribulação por amor à Cristo e ao Seu Evangelho, classificou a vontade
de Deus como “boa, perfeita e...
agradável” (Romanos 12:2). Mas como pode ser agradável uma vida repleta de
aflições? Paulo dá a receita: ter uma mente renovada.
Mas
no que consiste ter uma mente renovada? Em adquirir a consciência de que a
vontade de Deus, por mais que pareça adversa, redundará no melhor para
nós. Pois, conforme Salomão elucidou: “Há
caminhos que ao homem parecem direito, mas no fim são caminhos de morte.”
(Provérbios 16:25). Ou seja, é um engano pensar que a plena submissão aos
nossos desejos nos conduzirá à plena felicidade. Lembre-se, nosso coração é
enganoso. Todavia, conforme Davi elucida, nossa satisfação – que nos conduzirá
à felicidade - está em meditar na Lei de Deus, que representa Sua vontade. Ou
melhor, Sua ética.
Notas e
referências bibliográficas:
1 - ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; tradução Torrieri
Guimarães. – São Paulo: Editora Martin Claret, 2001. Pg. 10.
2 – Idem 1, pg. 11.
3 – Idem 1, pg. 11 e 12.
4 - AGOSTINHO, Santo. Confissões; tradução
Frederico Ozanam Pessoa de Barros – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012 – Saraiva
de Bolso. Pg. 297.
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