Matheus
Viana
“Porque pela graça que me é dada, digo a cada um dentre vós
que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação,
conforme a medida da fé que Deus repartiu a cada um.” (Apóstolo Paulo, Romanos 12:3).
Não
se trata de filosofia holística. É fato: todo indivíduo em sã consciência busca
o equilíbrio entre os extremos em muitas áreas de sua vida. Ouso dizer em
todas. Aristóteles, em seu livro Ética a Nicômaco, reflete sobre algumas
virtudes como sendo o meio-termo entre
o excesso e a escassez, lembrando que seu principal objetivo é refletir sobre a
ação humana.
Diz,
por exemplo, que a virtude da liberalidade é o meio-termo entre a avareza e o
ser pródigo. A própria experiência humana mostra que todo extremo, seja na
escassez ou no excesso, é nocivo. Até algo bom como o amor, quando praticado em
excesso, é nocivo. Aliás, o verdadeiro amor é, conforme o apóstolo Paulo
preconiza em sua carta aos coríntios, equilibrado. Mas ouvimos sobre muitos
casos de pessoas que mataram “por amor” e de pais que escravizaram filhas “por
amor”. Sim, a origem de casos mórbidos como estes não é amor, mas patologias que enganam a psique do indivíduo. Contudo, podemos dizer que tais patologias
são exatamente desdobramentos do amor em sua forma extremada. Sobre a falta de
amor, bem, desnecessário gastar linhas para demonstrar o quanto é nociva...
Há
quem diga que o nosso amor a Deus deve ser extravagante, extremado. Será?
O amor a Deus deve obedecer o bom senso. Sim, romper os limites da sabedoria
humana, mas ser submisso à coerência de Deus. A obra da cruz é loucura para os que
perecem, mas para os que creem é o poder de Deus (I Coríntios 1:18). O amor de
Jesus por nós demonstrado na cruz foi extravagante. Mas tal “extravagância”
obedeceu a coerência da Lei (Galátas 3:13) e da justiça de Deus (Romanos 3:21).
Ou seja, foi feito sob a tutela da razão de Deus, e não um ato incoerente ou
inconsequente, fruto de um impulso qualquer.
Jesus
sabia exatamente o que estava fazendo, o que evidencia que Ele em nenhum
momento abandonou Sua razão (Evangelho segundo Mateus 26:39). Pois era, desde antes
da formação do mundo (Apocalipse 13:8), o cordeiro que tira (o verbo no
presente é proposital) o pecado do mundo (Evangelho segundo João 1:29). E não
podemos nos esquecer que nenhuma “extravagância” que façamos se equipara ao que
Jesus realizou por nós.
Repito,
ainda que seja extremado em relação ao bom senso humano, foi a demonstração do
amor de Deus em sua justa medida que é “recalcada,
sacudida e transbordante.” (Evangelho segundo Lucas 6:38). Em suma, amor extravagante é aquele que é exercido de
acordo com a sobriedade das Escrituras, que devem ser compreendidas
em virtude da inseparável parceria entre o Espírito de Deus (I Coríntios 2:10-11, Evangelho
segundo João 16:8-13) e a razão humana (Evangelho segundo Mateus 22:29,
Evangelho segundo João 5:39, Romanos 12:1-2).
Assim
como o amor, o desejo pela santidade, quando é excessivo, também é nocivo. Há
pessoas que, no desejo de serem santas, se esquecem de que são pecadoras (I
João 1:8-10) e de que, por isso, são dependentes da misericórdia de Deus que se
renova a cada manhã e é a causa de não sermos consumidos (Lamentações 3:22).
Sim, como extensão de nosso amor a Deus, que obedece Sua coerência, o desejo de
viver como Cristo viveu é parte do pacote (Romanos 8:29, Efésios 4:13). No
entanto, o excesso abre precedente para um misticismo perigoso e,
consequentemente, a segregação.
A
devoção extremada resultou em barbáries como as Cruzadas - cujo bradar era “morte
aos inimigos de Deus” -, a Inquisição - na ânsia de exercer a “santidade” de
matar os hereges -, o extermínio dos cátaros e anabatistas, como também o
radicalismo proveniente do protestantismo luterano que queimou igrejas e
assassinou “os hereges presos em tradições humanas”. Isso falando apenas da
vertente cristã. Se estendermos aos exemplos do fundamentalismo islâmico,
alicerçado pela guerra santa (Jihad),
o texto ficará exaustivo. Nestes casos, vemos que a
devoção extrema gerou a escassez do amor ao próximo. Questão de causa e efeito.
Um
equilíbrio que quero tratar, no entanto, é entre o legalismo e a permissividade
que conduz ao pecado em relação à conduta cristã. Com o desejo de não errarmos,
muitas vezes nos tornamos legalistas. E, quando percebemos nosso legalismo, temos a tendência de partir rumo à
permissividade. Como alcançar o equilíbrio? Não tenho a resposta
para tal questão. Apenas fui ousado, confesso, de salientar a reflexão bastante
comum. Falaremos sobre ela em textos futuros. Até lá!