Matheus
Viana
Desde
o advento do pecado, quando o ser humano preteriu a verdade de Deus à sua vida
para se apegar ao discurso ardiloso da serpente, nossa maneira de pensar e agir
está diante de duas éticas. No Éden, Eva se viu entre a ética divina e a que a serpente
lhe propôs. A segunda, portanto, levou vantagem.
O
desejo do ser humano em buscar a verdade a respeito de sua vida e do mundo em
que vive tem origem neste fatídico episódio. Desde então, este desejo gravita
entre duas éticas: a que Deus estabeleceu ao ser humano no momento de sua
criação e a que o ser humano tenta construir para si na tentativa de se
apegar a um padrão de conduta.
No
ofício de capelão, me deparo com muitos jovens ávidos por construir uma verdade
para pavimentar suas vidas e, com isso, encontrar um sentido para elas. Questão
de causa e efeito. Não há sentido na vida humana quando esta se encontra
apartada da verdade de Deus a ela. Sem sentido, o ser humano não tem outra
opção a não ser procurar outras “verdades”, melhores chamadas de padrões
éticos/morais ou religiosos.
Este
pensamento dialético é claramente demonstrado em Deuteronômio 28: a bênção e a
maldição. Posso ouvir o esbravejar de alguns: “Mas foi Deus quem colocou estas
éticas diante dos hebreus.”. Não, não foi. A maldição veio ao mundo por conta
do pecado do ser humano (Romanos 5:12), fato que Agostinho atribui ao “mau uso
do livre-arbítrio”. Já a bênção é o resultado de andarmos segundo a plenitude
ética de Deus a nós, ainda que seja composta de lutas e sofrimentos (Evangelho
segundo João 16:33).
Durante
todo o Antigo Testamento, principalmente o período dos profetas, vemos Deus
usando pessoas para alertar Seu povo que estava diante de duas éticas: a de
Deus, dada através de Moisés, e a dos povos estrangeiros. Vemos isto claramente
no discurso de Elias diante de seu desafio com os sacerdotes baalins: “Até quando coxeareis entre dois
pensamentos? Se Iavé é Deus, adore-o. Mas se Baal é Deus, adore-o.” (I Reis
18:31).
Jesus
disse: “Porque vos digo
que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum
entrareis no reino dos céus.” (Evangelho segundo Mateus 5:20). Aqui,
Jesus estava alertando seus ouvintes sobre uma realidade dialética: a de Deus e
a dos fariseus que, mesmo fundamentada na Lei divina, dada através de Moisés (Evangelho segundo Mateus 23:1-2),
estava permeada pelo jugo humano. Por isso Jesus adverte: “Porque o meu fardo é leve.” (Evangelho segundo Mateus 11:30).
Os
apóstolos da Igreja Primitiva se depararam com a abordagem de duas éticas: a
dos judaizantes, na avidez de fazerem prosélitos, e os ensinamentos de Jesus, o
Cristo. Esta realidade é claramente demonstrada no concílio de Jerusalém (Atos
15). O apóstolo Paulo, em suas cartas, alerta os leitores sobre a realidade
dialética que os enreda, em certo período entre o cristianismo e o judaísmo, e outro entre o
cristianismo e o gnosticismo. Na carta aos romanos, no capítulo 8, vemos Paulo
retratando a realidade dialética que se dá entre a vida na carne – ações oriundas
de nossa natureza caída e corrompida pelo pecado - e a vida no Espírito – ação
do Espírito Santo de Deus em nós através de Sua Palavra. No capítulo anterior,
no entanto, Paulo advertiu, usando sua própria vida como testemunho, da
dialética entre o bem que deseja fazer, mas não consegue, e o mal que não
deseja, mas realiza (Romanos 7:18-19). Eis o nosso drama.
O
mundo atual também é influenciado pelo pensamento dialético. Várias religiões,
incluindo o cristianismo durante o período da patrística, são influenciadas, em
grande parte, pela dialética platônica que consiste no movimento da alma
humana entre o mundo inteligível (metafísico) e o sensitivo (natural). Já o
pós-modernismo vigente é influenciado pela dialética hegeliana – criada por
Georg Hegel – que consiste na síntese entre éticas contrárias, chamadas de “tese”
e “antítese”. Esta dialética pavimentou a dialética histórico/materialista de
Karl Marx que analisa a ação humana mediante o seu ser social, ou seja, sua
consciência e essência – quem o indivíduo, de fato, é – resumem-se apenas à ação
que a matéria – contexto político (Estado), econômico (Capital) e social
(Status quo) – exerce sobre sua vida.
Contudo,
à margem da dialética que nos enreda, está a tentativa do ser humano de
derrubá-la. O ateísmo é um exemplo significativo, pois deseja estabelecer
apenas a realidade natural (material), extinguindo desta forma a metafísica e, consequentemente, Deus. A
Igreja atual, infelizmente, também é repleta de pessoas que tentam dissuadir o
ser humano em sua capacidade – e necessidade – de pensar de forma dialética e,
por que não dizer, antitética. Muitos pastores, dizendo serem “porta-voz” de
Deus, emitem ensinamentos completamente contraditórios aos do Mestre. No
entanto, o próprio Jesus disse que Suas ovelhas reconhecem a Sua voz (Evangelho
segundo João 10:4). O ouvir de Sua voz faz Suas ovelhas reconhecerem que a voz
que emite uma ética contrária à Palavra, ainda que seja a de um “porta-voz” de
Deus, não é a voz do Bom Pastor. Tal fato as faz compará-la ao Evangelho que Jesus emite
através das Sagradas Escrituras. Este é o exercício do pensamento dialético.
O
primeiro e principal sintoma das chamadas ‘massas de manobras’, comuns em meio
à Igreja atual, é a destituição de todo e qualquer pensamento dialético.
Desprovidos desta capacidade, as pessoas receberão, como a mais pura e genuína
verdade divina, os ensinamentos que são contrários à ética (não me refiro à "ética" no mesmo sentido do liberalismo teológico, que reduziu o cristianismo apenas ao nível racional) cristã, mas emitidos
por um “porta-voz” de Deus. Jesus reconheceu a autoridade dos fariseus, mas
alertou Seus ouvintes a, acima de tudo, exercerem o pensamento dialético
(Evangelho segundo Mateus 23:1-23).
O apóstolo Paulo elogiou os cristãos em Bereia por exercerem este pensamento, pois compararam seus ensinamentos com os descritos nas Escrituras (Atos 17:11). Conosco não pode ser diferente. Conforme disse Lutero na dieta de Worms: "Meu pensamento está cativo à verdade de Cristo.".
O apóstolo Paulo elogiou os cristãos em Bereia por exercerem este pensamento, pois compararam seus ensinamentos com os descritos nas Escrituras (Atos 17:11). Conosco não pode ser diferente. Conforme disse Lutero na dieta de Worms: "Meu pensamento está cativo à verdade de Cristo.".
Nenhum comentário:
Postar um comentário