Matheus Viana
Ao
lermos as narrativas sobre a incredulidade dos fariseus em relação ao ministério
de Jesus, precisamos confessar: somos rápidos em proferir juízo. No entanto,
algo que atenua esta má conduta farisaica é o fato de que, nos dias de Jesus,
houve vários homens que declaravam ser o Messias.
Gamaliel,
mestre fariseu de renome e um dos principais membros do Sinédrio (além de ter
sido o mestre de Paulo), citou, em seu parecer sobre o que a cúpula judaica
faria com Pedro e João por pregarem sobre Jesus, dois destes homens: Teudas e
Judas, o Galileu (Atos 5:36-37). À semelhança deste fato, temos visto
ribombando pela Igreja, em todo o mundo, pessoas que se declaram profetas e
apóstolos do Messias. Não, não são “falsos profetas”. Apenas pleiteiam o
exercício de uma autoridade além da que lhes é lícita. Por isso, exigem que
seus ensinos e discursos sejam recebidos como se fosse o próprio Jesus falando,
o que gera grandes equívocos e problemas contundentes.
Na
tangente desta triste realidade, temos a advertência de Jesus de que Suas
ovelhas conhecem Sua voz (Evangelho segundo João 10:2-4). Não foi a toa que,
falando sobre os falsos profetas, – agora sim - Jesus disse que eles enganariam
a muitos e, se fosse possível, até os salvos (Evangelho segundo Mateus 24:4-5).
Ou seja, as ovelhas do Bom Pastor discernirão Sua voz por conhecê-la e, de
forma alguma, seguirão uma voz estranha (Evangelho segundo João 10:5).
Um
dos aspectos usados para discernirmos a voz do Bom Pastor é o Seu aprisco
(Igreja). Conforme Jesus disse, apenas Suas ovelhas reconhecem Sua voz em meio
a tantas outras. Suas ovelhas, no entanto, são aquelas que habitam em Seu
aprisco. Um dos motivos que levou os judeus a se tornarem “vasos para desonra”,
conforme o apóstolo Paulo elucida em Romanos 9, é o fato de que eles não
quiseram se juntar a tal aprisco, ou seja, ao cajado do Messias, Jesus. Embora,
na ocasião, Jesus tenha usado a figura metafórica da galinha com seus
pintinhos, e não do pastor com suas ovelhas (Evangelho segundo Mateus
24:37-39). Mas a mensagem é a mesma.
O
fundamento da Igreja é Cristo (Evangelho segundo Mateus 16:18, Efésios
2:20-22). Verdade irrefutável. Uma característica significativa que Jesus
aponta é a de que apenas o Pastor entra pela porta deste aprisco. Não há como
não evocar o salmo davídico: “Levantai ó
portas, as vossas cabeças, para que entre o Rei da Glória.” (Salmo 24:7-10).
Há também a advertência de Jesus à Igreja em Laodiceia: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém abrir a porta, eu entrarei e
cearei com ele.” (Apocalipse 3:20). Neste contexto, esta “porta” refere-se ao nosso coração.
Mas
esta porta também se refere à nossa mente (modo de pensar). Não é em vão que Davi
diz que nós, as portas, devemos levantar as “nossas
cabeças”. É neste mote que o apóstolo Paulo elucida sobre a necessária
renovação de nossa mente para que possamos experimentar a salvação, ou seja, a
boa, perfeita e agradável vontade de Deus (Romanos 12:2). O termo “mente” no
original é nous
(inteligência/intelectualidade). Isso explica o Shemá (Deuteronômio 6:4-5),
citado, em parte, por Jesus em seu debate com os saduceus: “Amarás o Senhor vosso Deus de todo coração, de toda alma e com todo
entendimento.” (Evangelho segundo Mateus 22:37). Sendo assim, somente
reconhecerá a voz do Bom Pastor aquele que abrir a porta (coração e mente) de
sua vida para que apenas – e mais nada, nem ninguém – Jesus entre por ela. Algo
que implica em pensarmos, sentirmos e agirmos como Ele. Ou seja, em Seu pleno
senhorio sobre nós, lembrando que a soberania de Deus nada tem haver com
tirania.
A
partir do momento em que o Bom Pastor - que é a própria porta (Evangelho segundo João 10:7) - entra pela porta do aprisco, ele – o
aprisco - passa a refletir Sua imagem, ou melhor, Suas características. Uma
delas é a humildade. Humildade não é pobreza. Há pobres arrogantes e ricos
humildes, é verdade. Mas um fato inquestionável é que ostentação e humildade
são indissociáveis. Não é possível um “aprisco” ser ostentador e querer, contra
a lógica, exercer a humildade. Sim, a teologia da prosperidade é completamente
contrária à humildade de Cristo. Tenho ouvido com tristeza, ao longo de mais de
uma década, pessoas se esforçando para possuírem bens e riquezas com o
“louvável” intuito de “dar testemunho da ação de Deus em sua vida”, ignorando
desta forma as advertências de João (I João 2:15), de Paulo (Efésios 6:9-11) e
do próprio Jesus (Evangelho segundo Mateus 6:24, Evangelho segundo Lucas
18:22-23 e 25).
Jesus
preconiza: “Aprendei de mim, que sou
manso e humilde de coração.” (Evangelho segundo Mateus 11:29). Na carta aos
filipenses, Paulo elucida a humildade incorporada e exercida por Jesus
(Filipenses 2:6-9). Ele se tornou um doulos,
ou seja, um escravo. Isso mesmo! O Rei do Universo tornou-se escravo em prol de
pecadores. Não é de hoje que vejo um triunfalismo ufanista – o pleonasmo é
proposital – na boca de cristãos que usam textos bíblicos para o fundamentar. O
trecho das Escrituras mais utilizado, lamentavelmente, é: “Não te colocarei como cauda, mas como cabeça.” (Deuteronômio
28:13), e se esquecem de que o caráter neotestamentário, inaugurado no advento da
encarnação de Jesus Cristo, o Bom Pastor, é pavimentado no serviço. Não se
trata de “radicalismo” ou “legalismo”, adjetivos que frequentemente são
relacionados à minha pessoa. Mas no ensinamento do próprio Jesus (Evangelho
segundo Mateus 20:26-28).
Outra
característica do aprisco do Bom Pastor é que ele é composto por ovelhas comissionadas
a agir fora de seus limites. Por isso Jesus adverte: “As ovelhas reconhecem a sua voz quando ele as chama pelo nome, e ele
as leva para fora do curral.” (Evangelho segundo João 10:3). O diálogo e
ação da Igreja no mundo, visando influenciá-lo, não são alternativos, mas fazem parte do Ide (Evangelho segundo
Marcos 16:15) e da ordem de fazer discípulos (Evangelho segundo Mateus 28:19).
Qual tem sido a relevância social da Igreja? A resposta é mais que sabida.
Algo
importante de se atentar é que o Bom Pastor coloca as ovelhas para fora, mas
estas O seguem. A ação da Igreja no mundo ao qual está situada (Evangelho
segundo João 17) não pode tirar o foco do autor e consumador da fé (Hebreus 12:2). Não é em
vão que o apóstolo Paulo declara: “Prossigo
para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.”
(Filipenses 3:14). Este seguir a Jesus possui várias implicações. O primeiro é
o padrão ético. O segundo é seu discipulado que consiste em cruz.
Para
finalizar, a principal maneira de ouvir a voz do Pastor é através de Sua
Palavra. Falando aos fariseus, Jesus diz: “Examinais
as escrituras, pois elas de mim testificam.” (Evangelho segundo João 5:39).
Eraynate tas graphas é a frase no
original. A palavra eraynate é
traduzida como "estudar" e também como "perscrutar". Podemos ver nesta
expressão, portanto, a importância da coesão entre o natural e o espiritual; o
uso da razão humana e a ação do Espírito Santo na vida do ser humano. Em
relação ao uso da razão, conforme vimos anteriormente, o apóstolo Paulo nos
alerta sobre isso quando nos adverte sobre a transformação na nossa maneira de
pensar (Romanos 12:1-2). E em relação à ação do Espírito em nós, o mesmo
apóstolo elucida que ninguém pode perscrutar a mente de Deus a não o Seu
próprio Espírito que nos revela (I Coríntios 2:11-12). Jesus sintetiza este
fato dizendo: “Mas o Consolador, o
Espírito Santo, virá em meu nome, vos ajudará, vos ensinará, e vos fará lembrar
de tudo o que tenho dito.”
(Evangelho segundo João 14:26).