terça-feira, 4 de junho de 2013

Ensaios sobre a prosperidade – Parte I

Acredite! Cartaz de uma campanha evangélica.
Matheus Viana

Traduzindo os dois primeiros versículos da terceira carta do apóstolo João diretamente do grego, sem estilização da sentença, mas mantendo a escrita mais próxima possível do original, temos: “Ó presbítero Gaio amado, que eu amo na verdade. Amado, com respeito a tudo, desejo que prosperes em sua saúde e também prosperes em sua alma.”.

Prosperidade. Algo em franca e constante evidência. E que, por isso, seu conceito tem sido completamente deturpado. Não quero aqui, nesta primeira parte de nossa reflexão, complementar a teologia disseminada à exaustão que afirma a espécie de “clichê” de que prosperidade é estar no centro da vontade de Deus. Sim, isto é verdade. Mas é justamente esta a verdade que tem sido mudada.

Para a maioria, o “centro da vontade de Deus” ao ser humano é que ele viva uma vida abastada em todos os níveis. Com isso, a “prosperidade” sócio-econômica, consciente ou inconscientemente, permanece na berlinda (vide imagem acima). Mas eis o fato bíblico: Jesus não promete isso. Pelo contrário! Ele sentenciou: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que possuem riquezas! Porque é mais fácil entrar um camelo no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus.” (Evangelho segundo Lucas 18:25).

Interprete este “buraco de agulha” como queira. Sendo uma agulha literal ou algo natural existente, a questão em voga é que as riquezas as quais a “prosperidade” humana busca nos impedem de alcançar o reino de Deus. Palavras do próprio Jesus. Durante Seu sermão da montanha, disse: “Não podeis servir a dois senhores, pois amará a um e aborrecerá o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas”. (Evangelho segundo Mateus 6:24).

Vemos nas palavras de Jesus um claro e evidente antagonismo entre a prosperidade disseminada à exaustão, que preconiza as riquezas materiais, e o reino de Deus. Intrigante. Quer dizer, então, que exercer o verdadeiro cristianismo consiste em sermos pobres? Claro que não! O próprio Jesus disse que veio para que tivéssemos vida abundante (Evangelho segundo João 10:10). A questão é que precisamos compreender a prosperidade originada em Jesus. Pois, conforme João Batista elucidou, clamemos: “O homem não pode receber nada se do céu não lhe for dado.” (Evangelho segundo João 3:27).

O apóstolo Paulo dá a chave: “Porque em tudo fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento”. (I Coríntios 1:5). Em tudo fomos enriquecidos. No entanto, a fonte de nossa riqueza é Cristo. Se isto é verdade, toda riqueza que contraria e nos impede de entrar em Seu reino não pode vir Dele. Tal fato é dedução lógica pura e simples. Por isso, vemos, de acordo com o apóstolo Paulo, que a riqueza de Cristo para nós consiste em “toda palavra e em todo conhecimento.”. O que mais podemos querer?

A expressão “palavra” que aparece no versículo acima é logos na escrita original, diferentemente de graphás, que é comumente traduzida como “escritura”, como por exemplo, no Evangelho segundo Mateus 22:29. Paulo está dizendo que não fomos enriquecidos apenas nas escritas deixadas por Deus através de homens (II Timóteo 3:16), mas do Logos, ou seja, a essência do próprio Jesus conforme relata o apóstolo João no primeiro capítulo de seu registro do Evangelho de Cristo: “No princípio era a Palavra, a Palavra estava com Deus e era Deus.”.

Já a expressão “conhecimento” não é eidos (ideia) conforme aparece, por exemplo, em Mateus 22:29 quando Jesus diz aos saduceus: “Errais por não conheceres (“eidotes” – verbo originado na palavra “eidos”) as escrituras (graphás) nem o poder (dumanis) de Deus.”. A palavra usada por Paulo é gnose. Gnose é o conhecimento que não é obtido apenas pela razão, como por exemplo, o epistêmico, elucidado por Platão que consistia na consciência da existência do homem e na meditação no saber filosófico; mas também através de algo transcendental ao ser humano.

A seita que perturbou a Igreja no primeiro século, chamada de gnosticismo, dizia, grosso modo, que o ser humano só pode ser salvo se obter uma espécie de conhecimento alcançado através de renúncias e profundas meditações, o que anulava a obra salvífica de Jesus na cruz. Paulo e os demais pais da Igreja refutaram esta heresia.

Paulo não estava se referindo ao gnosticismo, mas sim ao pleno conhecimento de Jesus Cristo. Os coríntios, por serem gregos, eram influenciados pela filosofia clássica, sobretudo pela maiêutica de Socrátes e também pela sua proposta: “Conhece-te a ti mesmo”. Por isso o apóstolo Paulo também propôs: “Examine o homem a si mesmo.” (I Coríntios 11:28), além de dizer que é este conhecimento que nos faz ser prósperos. Portanto, só conheceremos a nós mesmos quando conhecermos àquele ao qual fomos formados à Sua imagem e semelhança: Jesus, a imagem do Deus invisível (Colossenses 1:15).

João Calvino afirmou: “O verdadeiro conhecimento de nós mesmos é completamente dependente do verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo”. Verdade completa. Pois só conheceremos (gnose) a nós mesmos quando conhecermos quem Jesus foi, é, e será eternamente (Hebreus 13:8). Conforme preconiza Ariovaldo Ramos: “Jesus é o que Deus é e o que todo ser humano deve ser”. Por isso, o próprio Jesus advertiu: “Examinai as Escrituras, pois elas de mim testificam.” (Evangelho segundo João 5:39). Conhecer a Cristo e, com isso, ter a consciência do ser que Deus deseja que sejamos. Isso sim é riqueza. Isso é estar no centro da vontade de Deus em todos os níveis de nossas vidas (Romanos 8:29).

O apóstolo Paulo possuía esta consciência. Por isso afirmou: “E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, pelo qual sofri a perda de todas estas coisas e as considero como esterco para que possa ganhar a Cristo.” (Filipenses 3:8). Comparemos, para encerrarmos esta longa reflexão, o balanço da vida do homem mais rico da Bíblia e do apóstolo Paulo. O primeiro chegou à conclusão de que tudo é vaidade, e de que sua devoção às muitas riquezas que possuía nada mais foi do que correr atrás do vento (Eclesiastes 1:1-6). Já o apóstolo Paulo, conforme ele mesmo disse, combateu o bom combate, completou a carreira, guardou a fé (II Timóteo 4:6-7). Qual destes dois foi, de fato, próspero?

Respondo. O mesmo que advertiu seu amado discípulo em Cristo, Timóteo: “Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e na ruína. Porque o amor ao dinheiro é a raiz do todos os males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores. Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas e segue a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência e a mansidão... Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que abundantemente nos dá todas as coisas para delas desfrutarmos.” (I Timóteo 6:9-10 e 18).

Continua...

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