Matheus
Viana
O
que é a verdade? Esta questão paira sobre a mente do ser humano. Baseado em tal fato,
quero refletir sobre algo intrigante. Pilatos, governador da
Judeia nos tempos de Jesus, fez esta questão diante da Verdade. O que o levou,
no entanto, a fazê-la? A afirmação que Jesus fez a ele: “... vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da
verdade, ouve a minha voz.” (Evangelho segundo João 18:37).
A
palavra “testemunho” no original é martireso. Isso mesmo: a expressão de
onde se deriva o substantivo mártir, aquele
que está disposto a morrer – e na maioria das vezes morre - por algo ou alguém.
Jesus havia dito aos discípulos: “Eu sou
o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai a não ser por mim.”
(Evangelho segundo João 14:6). Estas três características messiânicas são
completamente coesas. E seriam estabelecidas, de fato, ao ser humano após Seu
martírio na cruz.
Analisemos
cada uma delas. No original temos: caminho (odos),
verdade (aletheia) e a vida (zoe). Em relação ao caminho, Jesus havia elucidado sobre ele: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, toma a tua cruz e
siga-me. Aquele que quiser salvar a sua vida perdê-la-á, e quem quiser perder a
sua vida por amor a mim, achá-la-á.” (Evangelho segundo Mateus 16:24-25).
O
caminho é a cruz, que simboliza a total sujeição do nosso ‘eu’ diante da
soberania do Espírito vivificante de Deus sobre nós (II Coríntios 3:17). A
expressão vida que aparece no livro
de Mateus é diferente da que aparece no de João. Também pudera. Pois são
aspectos diferentes. A expressão que aparece no livro de Mateus é psique, que também é traduzida por alma por se referir à nossa
personalidade. Já no de João, a expressão, referindo-se a Jesus, é zoe.
Há
três expressões no grego traduzidas por vida
para o português: bio, psique e zoe. Bio é referente ao físico, psique é referente à nossa alma e zoe é a vida de Deus, a origem de toda a
vida, oriunda de Seu Espírito, no ser humano. Mas ela só seria derramada
plenamente sobre nós após Sua morte na cruz. Por isso repreendeu Pedro quando
este tentou impedi-Lo de ir à Jerusalém para ser crucificado.
E
a verdade? Pilatos estava diante dela e não a reconheceu. Aletheia significa desvelamento. Jesus era a verdade por ser a
plena revelação de Deus aos homens (Evangelho segundo João 1:14, Colossenses
1:15). Quando expirou na cruz, o véu do Templo foi rasgado ao meio (Evangelho
segundo Mateus 27:51). A Verdade foi plenamente revelada. Nossa parte é apenas
nos achegarmos a Ela e contemplá-La a fim de conhecê-La e sermos por Ela
transformados (II Coríntios 3:18).
A
cruz a qual Cristo passou e também nos convida a tomarmos (não um mero adereço
ou amuleto) é o maior testemunho da Verdade. Eis o processo: trilharmos o
caminho (cruz), adquirirmos o conhecimento da Verdade (o conhecimento de
Cristo) e recebermos de Sua vida abundante. Não há como ser da Verdade,
conforme Jesus elucidou, sem se submeter a ele.
O
fato de desejarmos obter o conhecimento da verdade, seja em que âmbito for, é
desdobramento da necessidade que temos de conhecer a Deus (Não deixe de ler o
texto: Perscrutando
o imperscrutável). No entanto, não conhecemos a Verdade, e por isso utilizamos
todos os meios disponíveis para a obtenção da verdade, por não termos uma
experiência com a cruz. Tal fato, por sua vez, desencadeia em algo lamentável:
o de contentarmos com simulacros da verdade. É neste momento
que entra em cena as religiões.
Após
questionar sobre a verdade, Pilatos diz ao povo que entregara Jesus para ser
julgado e condenado pelo governo romano: “’Não
acho nele crime algum. Mas vós tendes por costume que eu vos solte alguém por
ocasião da Páscoa. Quereis, pois, que vos solte o rei dos judeus?’ Então, todos
voltaram a gritar, dizendo: ‘Este não, mas Barrabás!’. E Barrabas era um
salteador.’” (Evangelho segundo João 18:39-40).
Pilatos,
embora não reconhecera a plena Verdade, discerniu parte da verdade. Jesus não
havia cometido nenhum crime. Não pecou em nenhum momento de Sua vida terrena (I
Pedro 2:22, Hebreus 4:15). Mas esta verdade sobre a Verdade não satisfez a
multidão que preferiu um ladrão em detrimento do Messias. Hoje não é diferente.
Vivemos a vigência do espetáculo em detrimento da verdade. Afinal, a verdade
não arrebanha multidões. Não consegue uma grande audiência...
O
Jesus pleno tem sido preterido pelo “Jesus” da teologia da prosperidade, da
autoajuda, das bênçãos celestiais... Resumindo, de um cristianismo sem
aflições, completamente contrário do que Ele prometeu (Evangelho segundo João
16:33). Isso sim atrai as multidões. Lembremo-nos, no entanto, que Jesus não deseja
multidões, mas discípulos que O conheçam, que sejam da Verdade (Evangelho segundo Mateus 28:19).
Em
seu livro Elogio da loucura, Erasmo
de Roterdã, usando a loucura em primeira pessoa, diz: “quanto mais contrária ao
bom senso é uma coisa, tanto maior é o número de seus admiradores, e
constantemente se vê que tudo o que mais se opõe à razão é justamente o que se
adota com maior avidez”. “Tudo o que se opõe à razão”. Tudo o que se opõe à Logos. Logos não apenas como a razão intelectual, conforme abordada na maiêutica
de Sócrates, mas ao próprio Jesus, o Verbo de Deus, conforme o apóstolo João
relata no início de seu livro sobre o Evangelho do Messias.