sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Disposição infantil


Matheus Viana

Jesus certa vez disse: “Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos Céus”. (Evangelho segundo Mateus 18:3 – Nova Versão Internacional).

Afirmação que exige reflexão. Já ouvi várias interpretações sobre ela. A que mais me satisfez foi a de Brennan Manning em seu livro O Evangelho Maltrapilho. Ele aborda a questão bastante explorada de sermos inocentes como uma criança e também a de adquirirmos o senso de dependência que ela possui. Mas vai além. Ele nos lembra de que crianças, nos tempos de Jesus, não eram contadas como cidadãs. Assim como as mulheres, “pecadores” – os que não cumpriam toda a Lei, como se alguém a cumprisse em sua plenitude -, publicanos e leprosos, faziam parte do “segundo escalão”.

Sim, Jesus veio para os pobres de espírito, os aflitos, os rejeitados, os marginalizados... Enfim, para aqueles que não possuem valor social. Mesmo assim, Sua mensagem é mais ampla. Quando resolvi ler este texto bíblico novamente, veio à minha mente o fato de que uma criança está sempre disposta a aprender.

Apesar de “inocentes”, crianças já nascem pecadoras (Salmo 51:5), ou seja, propensas para o mal. Por isso, não é apenas a “inocência” infantil que Jesus quis abordar. Penso que, ao fazer tal afirmação, se referiu à necessidade e desejo de aprendizado que a criança possui. Não é a toa que na fase posterior, a da adolescência, o ser humano é acometido pela síndrome do “sabe-tudo”, mesmo não sabendo.

Como professor, detecto facilmente esta discrepância. É comum em minhas aulas no ensino médio eu explicar o conteúdo e, ao fazer a questão: “Alguém tem alguma dúvida?”, todos dizerem “não”. Os resultados das provas, no entanto, revelam exatamente o contrário. O desinteresse em aprender é, podemos dizer, bastante comum nesta fase.

Ao analisarmos o texto, vemos que a conversão – mudança de mente (arrependimento), de comportamento e de conduta – não é suficiente para herdarmos o Reino dos Céus. É preciso também ser como uma criança. Estar sempre disposto a aprender. Por isso Jesus, antes da afirmação aqui analisada, disse: “Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração”. (Evangelho segundo Mateus 11:29). Entretanto, só aprende quem está disposto a se submeter ao Seu ensino. Jesus confrontou severamente a cúpula religiosa de Sua época por se julgar sábia pelo fato de conhecer a Lei mosaica. E, por isso, não estava disposta a aprender de Seu Evangelho.

Cabe aqui um contraste. Devemos nos lembrar de que o fato de sermos “crianças” não anula a necessidade de amadurecermos a fim de que alcancemos a “estatura do varão perfeito”. (Efésios 4:13). O próprio Jesus cresceu em sabedoria, estatura e graça diante de Deus e dos homens (Evangelho segundo Lucas 2:52). Em outras palavras, adquiriu como homem plena maturidade.

Amadurecer não extingue a nossa necessidade de aprender. O sábio Salomão adverte: “Confie no Senhor de todo o seu coração e não se apóie em seu próprio entendimento; reconheça o Senhor em todos os seus caminhos, e ele endireitará as suas veredas. Não seja sábio aos seus próprios olhos; tema o Senhor e evite o mal”. (Provérbios 3:5-7).

Conhecer a Deus equivale a aprender Seus ensinamentos. Foi por isso que o próprio Jesus afirmou: “Examinai as Escrituras, pois elas de mim testificam”. (Evangelho segundo João 5:39). Foi por isso que, milênios antes desta afirmação, o profeta Oséias advertiu: “Conheçamos o Senhor, esforcemo-nos por conhecê-lo”. (Oséias 6:3).

Reconhecermos que não sabemos o suficiente e nos dispormos a aprender são atitudes oriundas de mentes e corações sábios. Não é a toa que Sócrates, considerado o maior de todos os filósofos clássicos, afirmava: “Sei que nada sei”. Que tenhamos esta disposição infantil.

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