Matheus
Viana
“Vigiem e orem para
que não caiam em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca”. (Evangelho segundo
Mateus 26:41).
O
alerta de Jesus é sucinto e direto: vencer a tentação. Tentação. Ela fez Adão e
Eva sucumbirem e, consequentemente, surgir o pecado com seu efeito colateral: a
morte. Ela veio sobre Jesus durante toda sua vida humana (Hebreus 4:15, I Pedro
2:22). Mas de forma especial no deserto, logo após ser batizado no rio Jordão,
e no Getsêmani, momentos antes de sua crucificação.
Uma
simples derrota colocaria em xeque todo o plano de redenção estabelecido antes
da fundação do mundo (Apocalipse 13:8). A humanidade estaria eternamente
condenada. Graças a Deus, Jesus venceu. Porém, tal vitória precisa reverberar
em nós. É o que preconizou o apóstolo Paulo (Romanos 8:37). Vencedores. Este
título – ou nomenclatura – não tem sentido sem uma disputa, seja ela qual for.
Sim, somos vencedores porque estamos em uma guerra. Qual guerra? Contra a
tentação.
Mas
a tentação é apenas uma das muitas armas usadas por satanás (adversário), a quem Jesus advertiu
que veio somente para roubar, matar e destruir (Evangelho segundo João 10:10).
O apóstolo Paulo o descreveu como o “deus deste mundo” (II Coríntios 4:4).
Foi a ele que o apóstolo Pedro também se referiu quando falou sobre o ser que está
ao nosso derredor buscando alguém para devorar (I Pedro 5:8).
Mas
onde esta guerra acontece? O apóstolo Tiago elucida: “De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto,
a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?” (Tiago 4:1).
Isso mesmo! O ponto nevrálgico das tentações as quais somos acometidos é a NOSSA
vontade. Um campo minado. Por isso, Jesus adverte que a nossa “carne” é fraca. O
termo “carne” se refere ao nosso corpo. Neste mesmo mote, Tiago usa a expressão
“membros”. A palavra “corpo” tem sua raiz no latim corpus, que significa “cadáver”, ou seja, refere-se puramente à
matéria humana totalmente desprovida de vida.
No
grego, a palavra usada como “corpo” é soma.
Diferente de “cadáver”, soma é o corpo como extensão da alma do indivíduo. Daí
vem o termo “psicossomático”, comumente usado na psicanálise, que nada mais é
do que quando o corpo – soma – desenvolve alguns sintomas ou patologias
oriundas do estado em que a alma de determinada pessoa se encontra.
Diferentemente
da dicotomia entre corpo e consciência teorizada por Platão, onde a ação da “alma”
do corpo é separada da “alma” da consciência – razão -, e do dualismo
psicofísico, também chamado de cogito,
criado por Descartes, onde a essência do homem é seu ser pensante e o corpo é mera
matéria exterior; a “carne” que Jesus afirma ser fraca é justamente a soma, o
corpo como desdobramento dos desejos contidos em nossa alma. Isso significa que
não venceremos as tentações que nos acomete se não vencermos, primeiramente, a
nossa vontade. Esse é o grande desafio.
Vontade
é originada na alma. O termo grego psique,
traduzido como “alma”, engloba tanto os sentimentos (vontade) quanto
entendimento (mente). Conforme temos visto, vontade, diferente de instinto,
exige o uso da razão, tanto pensante quanto empírica. Portanto, não iremos
vencer a nossa vontade sem sermos transformados em nossa maneira de pensar
(Romanos 12:2). Pensamento aqui não se refere apenas à capacidade intelectual,
mas também à tomada de decisão. Por sua vez, decisão não exige apenas inteligência, mas
também sabedoria e convicção.
Estou,
em plena madrugada do dia 16/11, escrevendo estas palavras. Há alguns minutos,
sucumbi diante da tentação da imoralidade. Meus olhos contemplaram, por alguns
segundos, mulheres ilícitas na televisão. Fui derrotado pela minha vontade. O
pecado veio à tona. Neste momento, não desfrutei da vitória que Jesus
conquistou em meu favor (Romanos 8:37).
Não
é em vão que o sentido de arrependimento, principalmente no Novo Testamento, é “mudança
de mente”. Metanoia não se trata de
mera mudança na forma de pensar, mas em toda a amplitude descrita nas linhas
acima. Jesus conhece as nossas fraquezas. Sabe que o pecado habita em nossa
natureza corrompida (Romanos 7:18). Por isso nos oferece metanoia,
que não deve ser exercida apenas em nossa mente, mas também em nosso soma. Por isso, o apóstolo Paulo
advertiu: “Não sabeis que os vossos corpos
são membros do corpo de Cristo?”. (I Coríntios 6:13).
O
apóstolo Pedro é mais enfático: “Portanto,
uma vez que Cristo sofreu corporalmente, armem-se também do mesmo pensamento,
pois aquele que sofreu em seu corpo rompeu com o pecado, para que, no tempo que
lhe resta (nos resta), não viva mais
para satisfazer os maus desejos humanos, mas sim para fazer a vontade de Deus”.
(I Pedro 4:1-2).
Schopenhauer
define injustiça como o ato de alguém que, usando sua vontade própria, impede
outro de realizar o que deseja, seja através da coerção física ou verbal. Já
justiça, para ele, é quando uma pessoa usa sua vontade própria para fazer com
que a vontade de outro seja realizada. Ou também quando um indivíduo renuncia
sua vontade, segundo seu próprio querer, para que a
vontade de outro seja realizada. Esta última definição de justiça é bastante similar à que Pedro exortou através de sua carta.
Tal exortação é
classificada por Nietzsche de “moral escrava”. Isso mesmo! É a moral praticada
por aqueles que se consideram, conforme o apóstolo Paulo elucidou, servos da
justiça e escravos de Cristo (Romanos 6:19). Não que Cristo nos escravize. Pelo
contrário! Ele nos liberta (Evangelho segundo João 8:36). Mas porque o
verdadeiro arrependimento gera em nós a consciência de que a vontade humana,
degradada pelo pecado, nos conduz à ruína. Já a vontade de Deus,
gradativamente, nos restaura a plenitude de nossa essência e existência
originais.
Leia também: Cobiça x necessidade
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