segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Razão decapitada


Matheus Viana

João, o Batista, estava preso. O motivo? Confrontou Herodes em relação ao seu adultério com Herodias, mulher de Filipe, seu irmão. Na primeira oportunidade que teve, Herodias, através de sua filha, pediu e teve o que queria: a cabeça de João Batista (Evangelho segundo Mateus 14:8). Uma morte específica: decapitação. Algo expressivo e simbólico.

O apóstolo João afirmou: “Para isso se manifestou o Filho de Deus, para destruir as obras do maligno”. (I João 3:8). Lucas relatou em seus livros todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar (Atos 1:1). A continuação desta obra, todavia, se dará, até a consumação dos tempos e do propósito de Deus, através de Sua Igreja (Evangelho segundo Mateus 16:18).

Ou seja, estamos no mundo para destruirmos as obras do maligno, o governante desta era (I Pedro 5:8). O que consiste em deflagramos e lutarmos - lembrando de que nossa luta não é contra carne ou sangue - contra as ilicitudes existentes em todos os âmbitos com amor e misericórdia, mas também com firmeza, seriedade e santidade.

Por isso, a cabeça de um discípulo de Cristo, assim como a de João Batista, está a prêmio. Mas a conotação atual é diferente. O “deus” deste mundo quer decapitar a nossa razão. Platão, na tentativa de definir a essência do ser humano, o dividiu em três partes: razão, a cabeça, que, através do cérebro, comanda todo o corpo; coragem, região do tórax; e desejo, região do baixo ventre.

Usando esta tripartição, vemos de forma mais clara que o “deus” deste mundo quer a nossa “cabeça” (razão) com o intuito de exercer total controle sobre nós. Em outras palavras, tornar-nos alienados no tocante à nossa essência e o propósito de nossa existência. Atributos que apenas nos serão plenamente revelados na medida em que estudarmos as Escrituras. Jesus advertiu: “Examinais as Escrituras, pois elas de mim testificam”. (Evangelho segundo João 5:39). Sendo assim, quando conhecermos quem Jesus foi – e é –, saberemos quem, de fato, somos, pois fomos formados à Sua imagem e semelhança.

O apóstolo Paulo declara: “O deus deste mundo cegou o entendimento das pessoas para não lhes resplandecer a luz do evangelho”. (II Coríntios 4:4). Exatamente. Com o nosso entendimento (intelecto/razão) decapitado, não compreenderemos as Escrituras. Ou seja, não seremos iluminados pela luz a qual o salmista Davi declara: “Lâmpada para os meus pés (conduta) e luz para os meus caminhos (propósitos) é a Sua Palavra, ó Deus”. (Salmos 119:105). Este sim é o “iluminismo” salutar.

Lembre-se da advertência do profeta: “O meu povo se perde por falta de conhecimento” (Oséias 4:6). Diante de tudo isso, reflitamos: com o que temos ocupado o nosso intelecto? Nossa razão tem sido estimulada ou atrofiada? A futilidade se dissemina de maneira incontrolável. E ela tem “decapitado” a muitos, pois tem tomado a primazia das Escrituras e de Seus preceitos em seus corações e intelectos.

A filosofia atualmente em voga é o existencialismo, também chamado de anti-filosofia por não considerar o uso da razão e cujo lema principal é “a existência precede a essência”. Grosso modo, o existencialismo preconiza que o ser humano passou a existir por acaso, que sua origem é incerta. Diz também que o ser humano não é capaz de prover ou projetar o futuro, já que não tem certeza se existirá. Sua vida se resume inteiramente no presente. Portanto, deve vivê-lo intensamente. Aproveitar, da melhor maneira possível, os breves momentos da existência humana através de seus impulsos.

Esta filosofia é amplamente disseminada através dos vários meios de comunicação e na cultura de forma geral. Foi a pedra angular do movimento “sexo, drogas e rock´n roll”, também conhecido como “contracultura” em 1968, na França - através dos escritos de Albert Camus, Jean-Paul Sartre e de sua companheira, Simone De Beauvoir - que depois ribombou por todo o mundo.

Sorrateiramente, ainda determina a conduta da maioria. E, acredite, os cristãos não estão imunes desta influência. Desde Soren Kierkegaard (1813-1855), considerado o pai do existencialismo cristão, a razão tem sido colocada em segundo plano e, muitas vezes, demonizada por ser considerada inimiga e empecilho da fé. O resultado? A prática de um pseudo-evangelho, desprovido de segmentação e fundamentos bíblicos, repleto de superstições, autoajuda e apelos emocionais. Sobre isso falaremos em breve.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Campo minado


Matheus Viana

“Vigiem e orem para que não caiam em tentação. O espírito está pronto, mas a carne é fraca”. (Evangelho segundo Mateus 26:41).

O alerta de Jesus é sucinto e direto: vencer a tentação. Tentação. Ela fez Adão e Eva sucumbirem e, consequentemente, surgir o pecado com seu efeito colateral: a morte. Ela veio sobre Jesus durante toda sua vida humana (Hebreus 4:15, I Pedro 2:22). Mas de forma especial no deserto, logo após ser batizado no rio Jordão, e no Getsêmani, momentos antes de sua crucificação.

Uma simples derrota colocaria em xeque todo o plano de redenção estabelecido antes da fundação do mundo (Apocalipse 13:8). A humanidade estaria eternamente condenada. Graças a Deus, Jesus venceu. Porém, tal vitória precisa reverberar em nós. É o que preconizou o apóstolo Paulo (Romanos 8:37). Vencedores. Este título – ou nomenclatura – não tem sentido sem uma disputa, seja ela qual for. Sim, somos vencedores porque estamos em uma guerra. Qual guerra? Contra a tentação.

Mas a tentação é apenas uma das muitas armas usadas por satanás (adversário), a quem Jesus advertiu que veio somente para roubar, matar e destruir (Evangelho segundo João 10:10). O apóstolo Paulo o descreveu como o “deus deste mundo” (II Coríntios 4:4). Foi a ele que o apóstolo Pedro também se referiu quando falou sobre o ser que está ao nosso derredor buscando alguém para devorar (I Pedro 5:8).

Mas onde esta guerra acontece? O apóstolo Tiago elucida: “De onde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?” (Tiago 4:1). Isso mesmo! O ponto nevrálgico das tentações as quais somos acometidos é a NOSSA vontade. Um campo minado. Por isso, Jesus adverte que a nossa “carne” é fraca. O termo “carne” se refere ao nosso corpo. Neste mesmo mote, Tiago usa a expressão “membros”. A palavra “corpo” tem sua raiz no latim corpus, que significa “cadáver”, ou seja, refere-se puramente à matéria humana totalmente desprovida de vida.

No grego, a palavra usada como “corpo” é soma. Diferente de “cadáver”, soma é o corpo como extensão da alma do indivíduo. Daí vem o termo “psicossomático”, comumente usado na psicanálise, que nada mais é do que quando o corpo – soma – desenvolve alguns sintomas ou patologias oriundas do estado em que a alma de determinada pessoa se encontra.

Diferentemente da dicotomia entre corpo e consciência teorizada por Platão, onde a ação da “alma” do corpo é separada da “alma” da consciência – razão -, e do dualismo psicofísico, também chamado de cogito, criado por Descartes, onde a essência do homem é seu ser pensante e o corpo é mera matéria exterior; a “carne” que Jesus afirma ser fraca é justamente a soma, o corpo como desdobramento dos desejos contidos em nossa alma. Isso significa que não venceremos as tentações que nos acomete se não vencermos, primeiramente, a nossa vontade. Esse é o grande desafio.

Vontade é originada na alma. O termo grego psique, traduzido como “alma”, engloba tanto os sentimentos (vontade) quanto entendimento (mente). Conforme temos visto, vontade, diferente de instinto, exige o uso da razão, tanto pensante quanto empírica. Portanto, não iremos vencer a nossa vontade sem sermos transformados em nossa maneira de pensar (Romanos 12:2). Pensamento aqui não se refere apenas à capacidade intelectual, mas também à tomada de decisão. Por sua vez, decisão não exige apenas inteligência, mas também sabedoria e convicção.

Estou, em plena madrugada do dia 16/11, escrevendo estas palavras. Há alguns minutos, sucumbi diante da tentação da imoralidade. Meus olhos contemplaram, por alguns segundos, mulheres ilícitas na televisão. Fui derrotado pela minha vontade. O pecado veio à tona. Neste momento, não desfrutei da vitória que Jesus conquistou em meu favor (Romanos 8:37).

Não é em vão que o sentido de arrependimento, principalmente no Novo Testamento, é “mudança de mente”. Metanoia não se trata de mera mudança na forma de pensar, mas em toda a amplitude descrita nas linhas acima. Jesus conhece as nossas fraquezas. Sabe que o pecado habita em nossa natureza corrompida (Romanos 7:18). Por isso nos oferece metanoia, que não deve ser exercida apenas em nossa mente, mas também em nosso soma. Por isso, o apóstolo Paulo advertiu: “Não sabeis que os vossos corpos são membros do corpo de Cristo?”. (I Coríntios 6:13).

O apóstolo Pedro é mais enfático: “Portanto, uma vez que Cristo sofreu corporalmente, armem-se também do mesmo pensamento, pois aquele que sofreu em seu corpo rompeu com o pecado, para que, no tempo que lhe resta (nos resta), não viva mais para satisfazer os maus desejos humanos, mas sim para fazer a vontade de Deus”. (I Pedro 4:1-2).

Schopenhauer define injustiça como o ato de alguém que, usando sua vontade própria, impede outro de realizar o que deseja, seja através da coerção física ou verbal. Já justiça, para ele, é quando uma pessoa usa sua vontade própria para fazer com que a vontade de outro seja realizada. Ou também quando um indivíduo renuncia sua vontade, segundo seu próprio querer, para que a vontade de outro seja realizada. Esta última definição de justiça é bastante similar à que Pedro exortou através de sua carta.

Tal exortação é classificada por Nietzsche de “moral escrava”. Isso mesmo! É a moral praticada por aqueles que se consideram, conforme o apóstolo Paulo elucidou, servos da justiça e escravos de Cristo (Romanos 6:19). Não que Cristo nos escravize. Pelo contrário! Ele nos liberta (Evangelho segundo João 8:36). Mas porque o verdadeiro arrependimento gera em nós a consciência de que a vontade humana, degradada pelo pecado, nos conduz à ruína. Já a vontade de Deus, gradativamente, nos restaura a plenitude de nossa essência e existência originais.



Leia também: Cobiça x necessidade

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A outra face da verdade


Matheus Viana

Apesar de refutar as teorias de Nietzsche, concordo – em um contexto diferente, é claro – com a sua ideia sobre a busca pela verdade. Em seu livro Além do bem e do mal, além de criticar os filósofos de sua época, elucida o fato de que para descobrirmos a verdade plena sobre algo, temos que ir além dela.

É semelhante aos nos depararmos com um tapete ilustrado manualmente. A imagem pode ser bela. Contudo, é sustentada pelo seu avesso que não é belo. Mas tanto a frente quanto o verso constituem a verdade sobre a imagem. Sendo assim, quando contemplamos apenas a frente do referido tapete, temos contato com apenas parte de sua verdade.

Platão afirmava que o conhecimento da verdade não poderia ser pleno apenas com o uso dos sentidos. Mas somente quando o nosso contato com o mundo através dos sentidos – chamado de "mundo sensitivo" primeiramente por Parmênides e depois por Platão – fosse submetido ao crivo da razão. O jargão jornalístico preconiza: “Toda história tem dois lados”. Ela se aplica a todo ser humano. Por isso é imprescindível a parceria entre a fé e razão/Deus e o homem na completa compreensão das Escrituras.

O sábio Salomão orienta: “Confie no Senhor de todo o seu coração e não se apóie em seu próprio entendimento” (Provérbios 3:5). No entanto, Jesus declarou aos saduceus: “Errais por não conhecerem as Escrituras, nem o poder de Deus” (Evangelho segundo Mateus 22:29). Como? Os saduceus eram intérpretes da Lei mosaica. Conheciam as Escrituras... Não, não conheciam. Tinham apenas o conhecimento de um lado da verdade: a do entendimento humano. O conhecimento teórico das Escrituras sem a intervenção do poder de Deus é morto, conforme o apóstolo Paulo afirma: “A palavra por si só mata, mas o Espírito vivifica” (II Coríntios 3:6).

No entanto, a ação do Espírito Santo não anula, de forma alguma, a importância da razão humana. Jesus fez a seguinte promessa: “Mas o consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ajudará, vos ensinará e vos fará lembrar de tudo o que tenho dito” (Evangelho segundo João 14:26). Reflita! Conforme as palavras de Jesus, o Espírito Santo, chamado de Consolador, nos guiará a toda verdade (Evangelho segundo João 16:13).

A expressão “consolador” que aparece no original grego é parakletos: para – ao lado; e kletós – chamado, convocado. Ou seja, o Espírito Santo é convocado por Deus para estar ao nosso lado agindo em aspectos concernentes ao intelecto humano: ensinar e nos lembrar dos ensinamentos de Jesus. Isso mesmo! A ação sobrenatural do Espírito Santo possui conotação intelectual. É a parceria do Consolador com a razão humana. Não se trata de racionalização da fé, mas do uso de algo que Deus concedeu ao ser humano quando o criou: capacidade de pensar submissa à ação de Seu Espírito. Pois é Ele quem perscruta as profundezas da mente de Deus e nos revela (I Coríntios 2:11).

Sendo assim, as profecias bíblicas são constituídas de verdades complementares. Para testificar tal afirmação, analisaremos o texto de Gênesis 3:15: “Porei inimizade entre você e a mulher, entre a sua descendência e o descendente dela; este lhe ferirá a cabeça e você lhe ferirá o calcanhar”.

De acordo com alguns teólogos, o primeiro elemento que representa o cumprimento desta profecia é a morte na cruz ao qual Jesus se submeteu para salvar o homem de seu pecado e restaurá-lo de sua queda (Filipenses 2:8-9). O apóstolo João declarou: “Para isso se manifestou o Filho de Deus, para destruir as obras do maligno” (I João 3:8). Milênios antes, Isaías profetizou: “Pelas suas pisaduras, fomos sarados... O castigo que nos traz a paz estava sobre ele” (Isaías 53:4-6). É evidente que a narrativa de Isaías é sobre o sofrimento e a agonia de Jesus na cruz. Sua morte representou, temporariamente, o ferimento da serpente em Seu calcanhar. Mas, ao mesmo tempo, representou Sua vitória sobre ela.

No entanto, esta vitória não se concretizou na cruz. Sim, Jesus fez a parte Dele ao proclamar: “Está consumado”. (Evangelho segundo João 19:30). Não há o que completar. Ela apenas precisa ser estabelecida em sua plenitude. E será através da Igreja. É aqui que entra em cena o segundo elemento da profecia. Por isso Jesus disse a Pedro: “Tu és Pedro, e nesta pedra eu edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Evangelho segundo Mateus 16:18).

O nome “Pedro” no original grego é Petrus, que significa “pequena pedra”, equivalente ao nome aramaico Céfas. Já a “pedra” ao qual Jesus citou que Sua Igreja seria edificada não era Petrus, mas a Petra – rocha ou grande pedra – que se refere ao próprio Jesus que, conforme o apóstolo Paulo afirma, é a Pedra angular da Igreja (Efésios 2:20-21).

O apóstolo Paulo também afirma: “Em breve, o Deus da paz esmagará Satanás debaixo dos vossos pés” (Romanos 16:20). Vemos aqui que não será a Igreja, propriamente dita, que pisará a cabeça da serpente. Mas sim o próprio Jesus através dela. Pois este “Deus da paz” citado por Paulo é, conforme o texto de Isaías 9:6, o próprio Jesus, o descendente de Eva. O fato da serpente ferir o calcanhar do descendente de Eva representa também a perseguição da Igreja desde o seu nascimento em Pentecostes. Por isso Jesus, através do apóstolo João, alerta Sua Igreja no tocante à severa perseguição e promete que aquele que permanecer fiel até o fim receberá a coroa da vida (Apocalipse 2:10).