O holocausto que
Deus deseja receber não é fruto de pressão, mas sim de amor e devoção.
Matheus
Viana
O
rei Saul ofereceu um holocausto a Deus (I Samuel 13:9-10). Uma atitude
espiritual. Em meio a uma guerra - contexto em que Saul vivia - tal ato pode significar
dependência de Deus. No entanto, será que era este o sentimento que permeava seu
coração? Uma breve análise constata que não.
Saul
fez a coisa certa, mas do modo errado e na hora errada. O motivo foi único: se viu
pressionado. “Quando vi que os soldados
estavam se dispersando e que não tinhas chegado no prazo estabelecido, e que os
filisteus estavam reunidos em Micmás, pensei: agora os filisteus me atacarão em
Gilgal, e eu não busquei ao Senhor. Por isso senti-me obrigado a oferecer o
holocausto”. (I Samuel 13:12).
Mas
o que levou Saul a se sentir pressionado? Os motivos são explícitos. O primeiro
deles é que ele queria ganhar a guerra. Os soldados do exército que comandava
estavam com medo. Sentimento que culminaria em derrota. Em sua visão, oferecer
um holocausto os encorajaria. Contudo, por que Saul queria ganhar a guerra?
Apesar
da obviedade do objetivo, é pertinente e necessário refletirmos sobre seus
intentos. Queria Saul glorificar o Deus de Israel? Talvez. Perpetuar seu
reinado sobre Israel? Bingo! O profeta Samuel, ao exortá-lo, desnuda seus
objetivos ocultos: “Disse Samuel: 'Você
agiu como um tolo, desobedecendo ao mandamento que o Senhor, o seu Deus, lhe
deu; se você tivesse obedecido, Ele teria estabelecido para sempre o seu
reinado sobre Israel'”. (I Samuel 13:13).
Deus
reprovou o holocausto de Saul pela maneira e o motivo que o levaram a oferecê-lo.
Saul quis, em nome do Deus de Israel e no meio do seu povo, edificar seu reino
particular. Deus não tolera tal coisa. Vemos neste episódio duas realidades que
assolam a Igreja atual: edificação de reinos particulares e pressão para
oferecer “sacrifícios” no tempo indevido.
Comecemos
pelo segundo ponto. Saul aguardou o período estabelecido pelo profeta Samuel:
sete dias. (I Samuel 13:7). Sob este prisma, ele foi obediente. Foi o profeta
que se atrasou. E a justiça de Saul não tolera atrasos. “Pontualidade” que lhe
custou o reinado. Ela representa a justiça que pavimenta o “senso de
urgência” humana. A alma de Saul ribombava: “O exército está com medo. Vamos
perecer na batalha. O nome de Deus, o Senhor dos Exércitos, será envergonhado”.
Argumentos que levaram Saul a cometer um ato, embora de aparência espiritual,
precipitado e equivocado.
Argumentos
diferentes, mas munidos do mesmo caráter, ribombam sobre o âmago da Igreja: “Vidas
estão perecendo e indo para o inferno. A Igreja está apática, precisa acordar.
O fim dos tempos está chegando, e....”. Holocaustos indevidos são oferecidos a
Deus por conta de uma pressão tresloucada do “Evangelho em caráter de urgência”.
Sim,
o apóstolo Paulo preconizou, por várias vezes, sobre a urgência de pregarmos o
Evangelho do Reino de Deus. Ao seu discípulo Timóteo, advertiu: “Pregues a palavra, instes a tempo e fora de
tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina.
(II Timóteo 4:2). Ensinando cristãos em Roma, exortou: “A ardente expectativa da criação aguarda pela manifestação dos Filhos
de Deus”. (Romanos 8:19). No entanto, o mesmo homem que tinha tamanha
consciência do senso de urgência é o mesmo que diz: “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. Por isso, nem o
que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento.”
(I Coríntios 3:6-7).
Jesus
elucidou sobre o caráter e o processo de colheita do Evangelho em uma de suas
parábolas: “E dizia: O reino de Deus é como
se um homem lançasse semente à terra. E dormisse, e se levantasse de noite ou
de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como.” (Evangelho
segundo Marcos 4:27). Apesar da pressão que homens fazem por conta da “urgência”,
o tempo da colheita não lhes pertence, mas somente a Deus. Sim, devemos ser
conscientes da urgência em plantarmos esta preciosa e necessária semente em
todo tempo. Mas neste senso não cabe a pressão. O holocausto que Deus deseja
receber não é fruto de pressão, mas sim de amor e devoção.
Samuel
não chegou a Gilgal no tempo determinado. Isso denota sua falta de
responsabilidade? Se você acha que sim, acreditas que o erro de Samuel dava
autoridade para Saul oferecer um holocausto sem a presença do profeta? Se sim,
sinto lhe informar: você está errado! Deus se move por Seus princípios. Apenas
um sacerdote poderia oferecer holocausto a Deus (Levítico 6:12). Samuel, além de profeta, era juiz e sacerdote.
Mas
Saul se viu munido de uma autoridade que não lhe pertencia por se sentir
pressionado. Pois teria que ganhar a guerra a fim de perpetuar – edificar – seu
trono sobre Israel. Apesar de seus esforços, Deus o rejeitou como rei. Deus não
aceita servos pressionados. É melhor obedecer Seus princípios e Sua vontade –
incluindo dons, ministérios e chamados plurais e específicos, de modo a
respeitar a unidade orgânica da Igreja salientada pelo apóstolo Paulo em I
Coríntios 12 – a nós, do que sacrificar (I Samuel 16:22).
Por
isso, entre atender a pressão de homens de modo a me sacrificar e obedecer ao
chamado de Deus à minha vida de pregar o Evangelho através da escrita e do
ensino da Bíblia às crianças e jovens como professor de educação bíblica, eu
prefiro obedecer. Quero oferecer a Deus um holocausto que seja fruto de meu
amor por Ele, e não resultado da pressão.
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