segunda-feira, 28 de maio de 2012

O profeta do desvio


Depois de um feito glorioso, o homem de Deus obteve um fim trágico por ter ouvido a palavra do profeta sem examiná-la à luz da soberania da Palavra de Deus. Fato comum em nossos dias.

Matheus Viana

Homem de Deus. Esta é a única descrição que a Bíblia dispõe sobre sua identidade. Sua vida tornou-se exemplo para nós, tanto positivo quanto negativo.

No lado positivo, sua conduta foi digna de um homem de Deus de verdade. Atendeu à ordem do Senhor e, em plena cisão entre os reinos de Israel e Judá, ele, que era de Judá, foi à Jerusalém. Sua missão era profetizar contra o altar idólatra que Jeroboão, rei de Israel, levantara para oferecer sacrifícios a outros deuses. O que, obviamente, causou a ira do Senhor.

Missão cumprida! Não, não se trata do bradar clássico do veterano de guerra John Rambo, interpretado por Sylvester Stallone, no filme ‘Rambo II - A missão’. O homem de Deus profetizou contra o altar dizendo que um descendente de Davi nasceria e derribaria todo o altar idólatra. Em outras palavras, restauraria a ordem divina sobre Israel. Jeroboão não gostou da ideia. Nem um pouco. Com o dedo em riste, ordenou aos seus servos: “Prendam este homem”. O braço que estendera paralisou (I Reis 13:4). Demonstrando compaixão, o homem de Deus atendeu o clamor de misericórdia de Jeroboão e orou ao Senhor para que seu braço voltasse ao normal. O que aconteceu de imediato.

Estupefato, Jeroboão quis recompensar o homem de Deus. Fez-lhe um convite para que fosse à sua casa, comesse algo e recebesse presentes. Imagine a honra! Ser convidado para comer na casa do rei de Israel! Mas não. A conduta do homem de Deus era pautada por Sua palavra. Sobre ele pairava a ordem: “Não coma pão, nem beba água, nem volte pelo mesmo caminho por onde foi”. (I Reis 13:9). O homem de Deus rejeitou a tentadora oferta do rei e seguiu seu caminho.

Podemos tirar muitas lições edificantes deste homem de Deus. Desde sua abnegação e renúncia, até seu comprometimento com o plano e a Palavra de Deus. Mas algo trágico lhe aconteceu. E isso, além de desviá-lo do caminho de Deus, causou sua morte precoce e, o que é pior, não foi sepultado junto aos seus antepassados. Algo valioso para a cultura da época.

Sabe qual foi a tragédia? Dar ouvidos a um profeta. Assustado? Pois é. Em dias onde os ditos dos ‘profetas de Deus’ são inquestionáveis à semelhança da Infalibilidade papal romana, este episódio vem à calhar. Mais do que isso: alertar a Igreja do Senhor sobre observarmos as advertências de Jesus e também do apóstolo Paulo: “Examinais as escrituras...” (Evangelho segundo João 5:39) e “Examinais todas as coisas e retendes apenas o que é proveitoso”. (I Tessalonicenses 5:21).

Um profeta idoso, que habitava na cidade de Betel, ouviu falar dos feitos do homem de Deus. O procurou de imediato. Assim que o encontrou, fez-lhe a proposta – mais do que indecente – de ir até sua casa e lá se alimentar. O homem de Deus recusou, pois era obediente à Palavra de Deus. É aqui que acontece o que devemos nos atentar.

O profeta, vendo que não lograva êxito, mudou a estratégia. Fez o mesmo convite, mas com ares espirituais. Ou seja, usou o método ‘Deus me disse’. Este é, infelizmente, em muitos casos, infalível: “Eu também sou profeta como você. E um anjo me disse por ordem do Senhor: ‘Faça-o voltar com você para a sua casa para que coma pão e beba água’. Mas ele estava mentindo’. (I Reis 13:20).

Pensando ser uma direção vinda de Deus, o homem de Deus obedeceu ao profeta. Mas desobedeceu à Palavra do Senhor. Por isso, no caminho de volta, foi morto por um leão e não foi sepultado com sua família. Depois de um feito glorioso, obteve um fim trágico por ter ouvido a palavra do profeta sem examiná-la à luz da soberania da Palavra de Deus. Fato comum em nossos dias.

Os que questionam, à luz das Escrituras, as palavras dos ‘profetas’ são tachados de críticos ou rebeldes. Não me importo. Não quero desobedecer à Palavra de Deus, ainda que a proposta venha de um ‘profeta’ e soe como espiritual. Ou seja, vinda de Deus. É impossível algo que contrarie Sua Palavra vir dEle. Ele não é homem para que minta. (Números 23:19). Já provei do dissabor do engano de ouvir uma voz contrária pensando ser de Deus. É amargo como o fel. Não quero prová-lo de novo. Por isso submeto palavras e direções “proféticas” ao crivo bíblico. Este sim é infalível. Pois, conforme afirma o profeta Jeremias, a Palavra de Deus subsiste eternamente.

sábado, 5 de maio de 2012

O holocausto da pressão


O holocausto que Deus deseja receber não é fruto de pressão, mas sim de amor e devoção.

Matheus Viana

O rei Saul ofereceu um holocausto a Deus (I Samuel 13:9-10). Uma atitude espiritual. Em meio a uma guerra - contexto em que Saul vivia - tal ato pode significar dependência de Deus. No entanto, será que era este o sentimento que permeava seu coração? Uma breve análise constata que não.

Saul fez a coisa certa, mas do modo errado e na hora errada. O motivo foi único: se viu pressionado. “Quando vi que os soldados estavam se dispersando e que não tinhas chegado no prazo estabelecido, e que os filisteus estavam reunidos em Micmás, pensei: agora os filisteus me atacarão em Gilgal, e eu não busquei ao Senhor. Por isso senti-me obrigado a oferecer o holocausto”. (I Samuel 13:12).

Mas o que levou Saul a se sentir pressionado? Os motivos são explícitos. O primeiro deles é que ele queria ganhar a guerra. Os soldados do exército que comandava estavam com medo. Sentimento que culminaria em derrota. Em sua visão, oferecer um holocausto os encorajaria. Contudo, por que Saul queria ganhar a guerra?

Apesar da obviedade do objetivo, é pertinente e necessário refletirmos sobre seus intentos. Queria Saul glorificar o Deus de Israel? Talvez. Perpetuar seu reinado sobre Israel? Bingo! O profeta Samuel, ao exortá-lo, desnuda seus objetivos ocultos: “Disse Samuel: 'Você agiu como um tolo, desobedecendo ao mandamento que o Senhor, o seu Deus, lhe deu; se você tivesse obedecido, Ele teria estabelecido para sempre o seu reinado sobre Israel'”. (I Samuel 13:13).

Deus reprovou o holocausto de Saul pela maneira e o motivo que o levaram a oferecê-lo. Saul quis, em nome do Deus de Israel e no meio do seu povo, edificar seu reino particular. Deus não tolera tal coisa. Vemos neste episódio duas realidades que assolam a Igreja atual: edificação de reinos particulares e pressão para oferecer “sacrifícios” no tempo indevido.

Comecemos pelo segundo ponto. Saul aguardou o período estabelecido pelo profeta Samuel: sete dias. (I Samuel 13:7). Sob este prisma, ele foi obediente. Foi o profeta que se atrasou. E a justiça de Saul não tolera atrasos. “Pontualidade” que lhe custou o reinado. Ela representa a justiça que pavimenta o “senso de urgência” humana. A alma de Saul ribombava: “O exército está com medo. Vamos perecer na batalha. O nome de Deus, o Senhor dos Exércitos, será envergonhado”. Argumentos que levaram Saul a cometer um ato, embora de aparência espiritual, precipitado e equivocado.

Argumentos diferentes, mas munidos do mesmo caráter, ribombam sobre o âmago da Igreja: “Vidas estão perecendo e indo para o inferno. A Igreja está apática, precisa acordar. O fim dos tempos está chegando, e....”. Holocaustos indevidos são oferecidos a Deus por conta de uma pressão tresloucada do “Evangelho em caráter de urgência”.

Sim, o apóstolo Paulo preconizou, por várias vezes, sobre a urgência de pregarmos o Evangelho do Reino de Deus. Ao seu discípulo Timóteo, advertiu: “Pregues a palavra, instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina. (II Timóteo 4:2). Ensinando cristãos em Roma, exortou: “A ardente expectativa da criação aguarda pela manifestação dos Filhos de Deus”. (Romanos 8:19). No entanto, o mesmo homem que tinha tamanha consciência do senso de urgência é o mesmo que diz: “Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento. Por isso, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento.” (I Coríntios 3:6-7).

Jesus elucidou sobre o caráter e o processo de colheita do Evangelho em uma de suas parábolas: “E dizia: O reino de Deus é como se um homem lançasse semente à terra. E dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como.” (Evangelho segundo Marcos 4:27). Apesar da pressão que homens fazem por conta da “urgência”, o tempo da colheita não lhes pertence, mas somente a Deus. Sim, devemos ser conscientes da urgência em plantarmos esta preciosa e necessária semente em todo tempo. Mas neste senso não cabe a pressão. O holocausto que Deus deseja receber não é fruto de pressão, mas sim de amor e devoção.

Samuel não chegou a Gilgal no tempo determinado. Isso denota sua falta de responsabilidade? Se você acha que sim, acreditas que o erro de Samuel dava autoridade para Saul oferecer um holocausto sem a presença do profeta? Se sim, sinto lhe informar: você está errado! Deus se move por Seus princípios. Apenas um sacerdote poderia oferecer holocausto a Deus (Levítico 6:12). Samuel, além de profeta, era juiz e sacerdote. 

Mas Saul se viu munido de uma autoridade que não lhe pertencia por se sentir pressionado. Pois teria que ganhar a guerra a fim de perpetuar – edificar – seu trono sobre Israel. Apesar de seus esforços, Deus o rejeitou como rei. Deus não aceita servos pressionados. É melhor obedecer Seus princípios e Sua vontade – incluindo dons, ministérios e chamados plurais e específicos, de modo a respeitar a unidade orgânica da Igreja salientada pelo apóstolo Paulo em I Coríntios 12 – a nós, do que sacrificar (I Samuel 16:22).

Por isso, entre atender a pressão de homens de modo a me sacrificar e obedecer ao chamado de Deus à minha vida de pregar o Evangelho através da escrita e do ensino da Bíblia às crianças e jovens como professor de educação bíblica, eu prefiro obedecer. Quero oferecer a Deus um holocausto que seja fruto de meu amor por Ele, e não resultado da pressão.