terça-feira, 22 de março de 2016

Cegueira de essência

Matheus Viana

Jesus Cristo é a essência do Cristianismo. Óbvio ignorado por muitos, o que tem corroborado para a derrocada do Evangelho. A restauração rumo ao verdadeiro Cristianismo acontece na medida em que a revelação de quem Cristo É torna-se evidente (Cf. Colossenses 1:27-28, 2:2). E isto se dá através das Escrituras (Evangelho segundo João 5:39).

Mas outro fator que deve ser considerado é o nosso entendimento no tocante às Escrituras. Nossa mente não é, por si só, capaz de compreendê-las. Por isso é necessária sua renovação a fim de realizarmos o culto racional (Romanos 12:1-2) instituído desde o ato da Criação.

O apóstolo João narra um episódio protagonizado por Jesus que retrata esta realidade (Cf. João 9:1-12). Certa vez Ele viu um cego de nascença. Cego. Atributo que não pode passar despercebido. A narrativa não descreve nenhuma outra característica deste homem. Sua cegueira, de certa forma, era marca principal de sua identidade.

Cegueira na Bíblia fala de entendimento obscurecido. O apóstolo Paulo elucidou: “Porque o Deus deste século cegou o entendimento das pessoas, a fim de que não lhes resplandeça a luz do Evangelho.” (II Coríntios 4:4 – Ênfase acrescentada). Esta luz do Evangelho é o próprio Cristo. Esta afirmação está fundamentada no princípio elucidado pelo salmista que afirmou: “Lâmpada para os meus pés e luz para os meus caminhos é a Tua Palavra, ó Senhor.” (Salmos 119:105). Por sua vez, o apóstolo João, algumas décadas depois de Paulo, reiterou que Esta Palavra, a mesma que gerou a Luz criadora de todas as coisas (Gênesis 1:3), é o próprio Jesus (Evangelho segundo João 1:1-3). Como podemos ver, esta era a tônica da doutrina apostólica.

No entanto, nascemos em pecado (Cf. Salmos 51:5, Romanos 5:12), o que nos faz nascer com a mente degradada. Este entendimento incompleto e incorreto, e também o fato de que nosso coração é enganoso e desesperadamente corrupto são importantes entraves que nos impedem de conhecermos, de fato, quem Jesus foi, é e será (Cf. Hebreus 13:8) através das Escrituras.

O apostolo Paulo preconizou: “Destruímos argumentos e toda pretensão que se levante contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torna-lo obediente a Cristo.” (II Coríntios 10:5). Esta pretensão nada mais é do que o orgulho humano que, por sua vez, é resultado de nossa mente depravada e de nosso coração idólatra. Portanto, conforme disse Paulo, a única maneira de derrubarmos tais entraves a fim de obtermos o conhecimento de Cristo é submetermos todos os nossos pensamentos e sentimentos à obediência Dele. Isto nada mais é do que amá-Lo de todo coração, com toda alma e com todo o intelecto (Deuteronômio 6:5, Marcos 12:28).

Hoje, temos doutrinas oriundas de um falso evangelho que tenta colocar Jesus nos moldes dos pensamentos humanos. Vemos pessoas associando Jesus a ideologias políticas, a dinâmicas empresariais e a muitos outros modelos humanos. O que deve acontecer é exatamente o contrário. Jesus deve ser o nosso soberano modelo que norteia nossos pensamentos, sentimentos e, consequentemente, nossas atitudes.

Mas para isso, nossa cegueira deve ser curada. No processo de cura que Jesus realizou para com aquele cego, vemos uma abordagem interessante: “Seus discípulos lhe perguntaram: ‘ Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?”. (Evangelho segundo João 9:2). Indagação pertinente. O padrão religioso judaico contava com o fato de que toda doença era resultado de uma transgressão da Lei, que por Sua vez era uma transgressão contra o próprio Deus. Um exemplo disso é quando Moisés profere ao povo as bênçãos decorrentes da obediência e as maldições decorrentes da desobediência (Deuteronômio 28). Uma verdadeira teodiceia da retribuição.

Este padrão ainda está vigente, mas de uma forma um pouco diferente. A teologia da prosperidade preconiza que toda doença é sinal de falta de fé ou de pecado. Intrigante! Pois a Bíblia diz que todos temos pecado, e que quem afirma o contrário é mentiroso, ou seja, pecador (I João 1:8-10). Assim, todos nós deveríamos estar doentes. Portanto, a teologia da prosperidade torna-se incoerente. Devemos também observar que Jesus disse que passaríamos por aflições (Evangelho segundo João 16:33). Mas, afinal, quais aflições são essas? Jesus não especificou. A expressão que aparece no texto traduzida como aflições é tlipsin, que também pode ser traduzida como tribulações.

Jesus disse que passaríamos por toda sorte de aflições e/ou tribulações e mesmo assim devemos ter bom ânimo, ou seja, disposição para continuarmos a jornada. Não se trata de motivação autoajuda, mas de vida cristã. Sobre isso, o apóstolo Paulo afirmou: “Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês, e completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo (tlipseon tou Cristos), em favor do Seu corpo, que é a Igreja.” (Colossenses 1:24 – Ênfase acrescentada).

Este foi o mote que levou Jesus a responder aos Seus discípulos: “Nem ele nem seus pais pecaram, mas isto aconteceu para que a obra de Deus se manifestasse na vida dele.” (Evangelho segundo João 9:3). Independente da circunstância, devemos viver para glorificar a Cristo. Não há lugar, no cristianismo genuíno, para teologia da prosperidade ou qualquer outro ufanismo destoante do Evangelho. Devemos observar o princípio de que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus (Romanos 8:28). Mas que bem é este? Bênçãos materiais? Saúde? Riqueza? Sucesso? Não. Há apenas um bem para o verdadeiro cristão: glorificar a Cristo através de Sua vida em todos os momentos.

É claro que não estou querendo dizer que o verdadeiro Cristianismo consiste no sofrimento e que por isso devemos buscá-lo. Longe disso. Jesus veio para que fôssemos livres (Evangelho segundo João 8:36). O que a Bíblia afirma é que não estamos imunes às tribulações e aflições, mas mesmo em situações adversas o propósito divino que repousa sobre a nossa vida é glorificar Seu nome (Cf. I Coríntios 10:31). Esta foi a resposta de Jesus aos discípulos. O mal que vem sobre nós não deve ser creditado como poder do diabo, mas ao fato de que a Graça de Deus está sobre nós mesmo em meio às intempéries (Cf. II Coríntios 12:9).

Após Sua resposta, Jesus “cuspiu no chão.” Isso nos remete ao ato criador inicial em que Deus sopra nas narinas do ser humano Seu fôlego de vida (Gênesis 2:7). O elemento divino misturando-se com o humano (terreno). Isso aponta para a plenitude de Jesus em Sua dupla natureza divina/humana: O Deus que se fez homem para nos salvar. E esta salvação implica em curar nossa cegueira a fim de conhecermos quem Ele é (Filipenses 2:12). Pois Jesus é o Deus encarnado que veio revelar quem Deus é (Evangelho segundo João 1:14, 14:9, Colossenses 1:15).

Esta mistura foi colocada sobre os olhos daquele cego. A revelação do Deus/homem deve ser colocada sobre a nossa mente a fim de permear a nossa vida por completo. Esta é a renovação de mente elucidada pelo apóstolo Paulo. Interessante também foi o fato de Jesus orientar aquele cego para ir se lavar no tanque de Siloé, que significa enviado. Quem é o enviado de Deus a nós? Ele mesmo: Jesus Cristo. Este lavar os olhos nada mais é do que ter a nossa mente inundada com a Sua Palavra. Foi isto que Jesus disse, posteriormente, aos Seus discípulos: “Vos estais limpos pela Palavra que vos tenho dito.” (Evangelho segundo João 15:3). Depois de tudo isso, o resultado não poderia ser outro: “O homem foi, lavou-se e voltou vendo.”. Que esta seja a nossa realidade.

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