sábado, 28 de novembro de 2015

Protegendo-se do Evangelho



Matheus Viana   

Existe no ser humano um instinto de proteção. Coloque-o sob coação e veja como reage! Somos tentados a mentir, a agredir e até mesmo a matar para nos protegermos. E algumas vezes sucumbimos. O apóstolo João afirmou que aquele que odeia seu próximo é assassino (I João 3:15). Quem nunca sentiu ódio por alguém? Se você respondeu negativamente, mentiu para se proteger. De novo.  

Após pecarem, Adão e Eva, ao se depararem com Deus, não agiram de outra maneira. A acusação – usada como justificativa - foi a “ferramenta” de prontidão. “Foi a mulher que me concedeste”, “foi a serpente que me enganou”, disseram, respectivamente. Não houve, em nenhum momento, confissão como resultado de arrependimento.     

Este instinto nos leva a moldarmos o Evangelho de Cristo à nossa forma de viver. Quando nos deparamos com Ele, temos a tendência de nos protegermos. Para isso, não medimos esforços para que Ele se torne menos oneroso e o mais confortável possível. Em seu livro A bacia das almas, Paulo Brabo afirmou: “O sistema de defesa que herdamos e aperfeiçamos é de fato tão eficaz que é automático, inconsciente e indolor. Simplesmente decidimos, por padrão e sem pensar diretamente no assunto, todos os casos em que Jesus simplesmente não pode estar dizendo o que diz. Pasteurizamos suas palavras e ideias até que nos apeteçam sem chocar e sem exigir nenhuma correção de rumo; aparamos suas arestas até que a mensagem nos pareça suficientemente palatável, inócua e incontroversa.”.[1]    

De acordo com este instinto, o Evangelho não pode gerar prejuízo, muito menos sacrifício. Afinal, Jesus afirmou que Seu fardo é leve e Seu jugo é suave. Contudo, tal verdade não anula a necessidade de tomarmos a Sua cruz (Evangelho segundo Mateus 16:24). Não são elementos paradoxais do cristianismo, mas complementares. O fardo de Jesus é leve porque não são as nossas obras que nos justificarão, mas Sua cruz (Romanos 8:1). Contudo, precisamos nos submeter a ela. E aí é que entra em cena o sacrifício agradável a Deus, que Paulo chama de culto racional (Romanos 12:1).     

O Evangelho de Jesus nos traz liberdade, quebra todas as maldições, despedaça o jugo, entre muitos outros atributos – que na atualidade têm se transformado em jargões pertencentes ao marketing eclesiástico. Mas Ele é completamente contrário à nossa vontade. Sobre tal fato, o apóstolo Paulo elucidou: “No íntimo do meu ser tenho prazer na Lei de Deus; mas vejo outra lei atuando no meu corpo, guerreando contra a lei da minha mente, tornando-me prisioneiro do pecado que atua em meus membros. Miserável homem que sou!” (Romanos 7:22-24). Por ter o Espírito Santo habitando em seu interior, Paulo sentia prazer no Evangelho, mas sua alma não. Por isso, o Evangelho é desconfortável. E é deste desconforto que, instintivamente, nos protegemos, criando um evangelho que vá de encontro aos nossos anseios.     

Note que Paulo fala de outra lei atuando em seu corpo e em sua mente. A expressão traduzida como corpo é soma, que é a manifestação exterior de algo que está no interior do indivíduo. E a expressão traduzida como mente é nous, que se refere à capacidade e exercício de raciocinar. Dois aspectos que não podemos desconsiderar: a corrupção de nosso interior (Jeremias 17:9, Tiago 4:1-3) e a deturpação de nossa mente (II Coríntios 4:4, 11:3). Duas colunas que sustentam nosso instinto de proteção.    

Não foi em vão que, falando sobre ele, Paulo Brabo denomina-o como racionalização. “É o que se chama racionalização, o mecanismo semiconsciente pelo qual interpretamos o que está sendo dito de forma que não tenha nenhuma consequência para nós; um filtro mental pelo qual transformamos o profundamente revolucionário e radical no totalmente irrelevante.”[2].     

Esta racionalização levou alguns líderes judeus a criarem um “evangelho” à revelia da Lei de Deus dada através de Moisés. Uma tradição oral, que após alguns anos passou a ser escrita e é conhecida como Talmud. Não restou alternativa: Jesus os confrontou, severamente. Leia o texto escrito no Evangelho segundo Marcos 7:1-13. O que mais me intriga é o fato dos fariseus, devotos a este código religioso, perguntarem a Jesus: “Por que os seus discípulos não vivem de acordo com a tradição dos líderes religiosos (...) ?” (Vs. 5). 

Contextualize tal questionamento e terás: “Por que você não é arminiano?”. “Por que você não é calvinista?”. “Por que você não segue a visão celular no modelo (ou governo) dos 12?”. “Por que você não segue o MDA?”. “Por que você não segue o evangelho marxista?”. “Por que você rechaça as teologias da prosperidade e da quebra de maldição?”. “Por que você não é neo-pentecostal?”. “Por que você...”. Enfim, são muitos porques. Não são eles resultados de racionalização?     

Jesus foi conciso em Sua resposta: “’Em vão me adoram: seus ensinamentos não passam de regras ensinadas por homens. Vocês negligenciam os mandamentos de Deus e se apegam às tradições de homens’. E disse-lhes: ‘Vocês estão sempre encontrando uma boa maneira de pôr de lado os mandamentos de Deus, a fim de obedecerem às suas tradições.’ (...) ‘Assim vocês anulam a palavra de Deus, por meio da tradição que vocês mesmos transmitiram’”. (Evangelho segundo Marcos 7:8-9 e 13).

quem use estes textos como base bíblica para abandonar o fundamento canônico e teológico estabelecido por Deus ao longo da história. Ignora o “fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo Jesus como a Pedra Angular.” (Efésios 2:20-21) e toda a doutrina formada durante a história da Igreja para formular preceitos humanos. Embora tenha bases bíblicas, são usadas como artifícios na elaboração do evangelho ao gosto do freguês. Temos que nos fundamentar em uma tradição: o legado de Cristo que consiste em Seu fazer e ensinar e que foi disseminado – sem desconsiderarmos seus equívocos - pelos apóstolos, pais da Igreja e reformadores. O Evangelho de Cristo é completo. Portanto, não há espaço para “novas revelações”, tampouco de uma piedade desprovida de ortodoxia cristã. Não nos protejamos do Evangelho!


[1] BRABO, Paulo. A bacia das almas: confissões de um ex-dependente de igreja. – São Paulo: Mundo Cristão, 2009. p. 22


[2] Ibid.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Testemunhas da Testemunha



Matheus Viana    

Após registrar o que Jesus começou a fazer e ensinar, Lucas narrou os primeiros feitos dos apóstolos e o nascimento da Igreja como cumprimento da profecia estabelecida por Jesus à vida de Pedro (Evangelho segundo Mateus 16:18). Algo significativo. A Igreja tem Jesus como seu alicerce, conforme Paulo e Pedro afirmaram (Efésios 2:21-22, I Pedro 2:4-5) a fim de que Seu Reino se estabeleça sobre a terra.

    
Por isso, a Igreja reflete a imagem de Cristo (Efésios 5:27). Logo, as pessoas que a compõem, assim como fizeram os apóstolos e pais da Igreja, devem continuar fazendo e ensinando o que Ele fez e ensinou. Este é o plano desde o início. Jesus, como homem, seguiu este padrão, que podemos chamar de testemunha.

     
Jesus advertiu Seus discípulos a permanecerem em Jerusalém a fim de serem cheios do Espírito Santo (Atos 1:8). Para quê? Eles já haviam recebido o Espírito Santo pelo próprio Jesus (Evangelho segundo João 20:21-22). Mas este derramar seria diferente, pois tinha um propósito peculiar: torná-los testemunhas. O que significa, entretanto, ser testemunha de Cristo?

      
Quando pensamos no termo, logo emerge em nossa mente o conceito jurídico que ecoa sobre o senso comum: narrar, por ter presenciado, um ou mais fatos. Tal conceito não deve ser desconsiderado. Mas o termo aplicado por Jesus vai além. A expressão usada por Lucas é mártires. Sim, o termo mártir também tem um significado que domina o senso comum: o de morrer por uma causa. Conceito que não pode ser desconsiderado, mas que não define o termo de forma completa.

     
De acordo como o Léxico de F. Wilbur Gingrich e Frederick W. Danker, mártires significa, no contexto em que Jesus advertiu Seus discípulos, ser testemunha “em um sentido não legal, especialmente com relação à atestação de atos ou comunicações dignas de nota.” Atos ou comunicações. Em outras palavras, fazer e ensinar. Mas não é testemunhar quaisquer atos ou comunicações, e sim as que são dignas de nota. Ou seja, as que possuem um propósito que será cumprido na medida em que são disseminadas.

      
Jesus aplicou este padrão testemunha por tê-lo seguido na íntegra. Apesar de, como homem, ter sido a encarnação da Palavra que deu origem ao universo e a todas as coisas naturais (e sobrenaturais) que nele há (Gênesis 1:3, Evangelho segundo João 1:1, 14, Colossenses 1:16-17), Ele não veio como testemunha dele mesmo, mas do Pai. Claro que, ao testemunhar do Pai, testemunhou Dele mesmo (Evangelho segundo João 8:14-18), pois Ele e o Pai, embora não sejam os mesmos, são um (Evangelho segundo João 14:9, 17:21).

      
O próprio Jesus afirmou em determinada ocasião: “Se testifico acerca de mim mesmo, o meu testemunho não é válido.” (Evangelho segundo João 5:31). Ele usou, como artifício argumentativo, o princípio vigente entre os judeus de que para que um ato ou fato seja válido, deve ser testificado por duas ou mais pessoas (Cf. Deuteronômio 17:6, 19:15). Ao explicar a veracidade de Sua pessoa, demonstrou que tudo o que fazia e ensinava não era testificado apenas por Ele mesmo, mas por mais alguém: “Há outro que testemunha em meu favor, e sei que o seu testemunho a meu respeito é válido.” (Vs. 32). Quem é este outro? A própria Escritura (Vs. 39).

     
As ações e ensinamentos de Jesus eram desdobramentos do fato de ser testemunha do Pai. Ele mesmo afirmou: “Eu lhes digo verdadeiramente que o Filho não pode fazer nada de si mesmo; só pode fazer o que vê o Pai fazer; porque o que o Pai faz o Filho também faz.” (Evangelho segundo João 5:19). E também: “O meu ensino não é de mim mesmo. Vem daquele que me enviou.” (Evangelho segundo João 7:17). Tais afirmações, além de evidenciarem a veracidade do princípio do exemplo, atestaram o caráter do ser testemunha que Jesus estabeleceu aos discípulos ao receberem o Espírito Santo.

      
Assim, nossas ações e ensinamentos não devem testemunhar de nós mesmos. O fato de que eles devem testemunhar de Jesus Cristo transformou-se em um clichê. Mas entre o óbvio teológico e a prática (piedade) cristã há uma distância abismal formada pelo ego humano. O princípio, evocado pelos fariseus que perseguiam Jesus, de que o testemunho próprio não é válido (Evangelho segundo João 8:13) ao ser ignorado, é praticado à exaustão. Por isso as ações e ensinamentos da Igreja não têm surtido o efeito que Jesus deseja.

      
Nossos desejos, prazeres e intentos têm sido as chaves de interpretação e devoção do Evangelho. O nome de Jesus Cristo é usado, indevidamente, como pano de fundo para que Seu Evangelho venha de encontro aos interesses do nosso reino, a fim de que seja feita a nossa vontade, assim na terra como no céu.

     
A Igreja atual é vítima de uma síndrome diagnosticada por Francis Schaeffer, denominada como misticismo semântico. Expressões bíblicas, como por exemplo, cruz e santidade são utilizadas em discursos, mas completamente desprovidas de seus respectivos significados. Do elemento cruz é retirado o aspecto renúncia e considerado apenas a vitória de Cristo que nos faz dignos de desfrutamos das bênçãos celestiais. Ignorando desta forma que a participação na cruz de Cristo, conforme Ele mesmo afirmou (Cf. Evangelho segundo Mateus 16:24) e também os apóstolos, implica em renunciarmos a nossa vontade a fim de realizarmos a Sua. Aqui é pertinente aplicarmos ao elemento vontade o significado elucidado pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer, de que vontade é a essência (vida) do ser humano. Assim, o ser humano sem vontade de viver – expressão utilizada pelo filósofo - está morto, ainda que não o esteja fisicamente.

      
Veja o ensino do apóstolo Paulo, que evidencia quem ele testemunhava: “Trazemos sempre em nosso corpo o morrer de Jesus, para que a vida de Jesus também seja revelada em nosso corpo. Pois nós, que estamos vivos, somos sempre entregues a morte por amor a Jesus, para que a sua vida também se manifeste em nosso corpo mortal.” (II Coríntios 4:10-11). Isso é ser mártires. 

Não precisamos morrer, do ponto de vista físico (nekrós), para nos tornarmos testemunhas. O morrer aqui (thanaton – morte no sentido genérico) fala da soberania que os própósitos de Deus ocupam em nosso coração, de onde procedem todas as fontes da vida (Provérbios 4:23). Nossas ações e ensinos devem ter como objetivo glorificar a Cristo (I Coríntios 10:31). Esta era a tônica da piedade apóstólica e da chamada ética protestante. Isto é ser testemunha da Testemunha.

sábado, 21 de novembro de 2015

O que ensinamos?



Matheus Viana



“Você, porém, fale o que está de acordo com a sã doutrina.” (Tito 2:1).

Paulo caracterizou, com muita propriedade, o caráter do ensino apostólico em sua carta a Tito. Assim como fez com as outras que produziu, começou descrevendo as características do chamado que recebeu de Deus: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo para levar os eleitos à fé e ao conhecimento da verdade que conduz à piedade.” (Tito 1:1 – Ênfase acrescentada).


Fé é algo inerente ao ser humano. Por mais que muitos neguem, todos a possuem. Mas a fé que nos religa a Deus deve ter o objeto correto: Cristo (Hebreus 12:3). E conectar a fé, que Willian James chamou de hipótese funcional, a Cristo é possível apenas pela pregação do Evangelho (Romanos 10:17). É exatamente este o fato que o apóstolo Paulo descreveu a Tito. No entanto, a fé cristã é renovada na medida em que Jesus Cristo é revelado, através das Escrituras, de modo a ser conhecido (Filipenses 3:7-10). Tal conhecimento, por sua vez, produz piedade.


Para compreendermos o que é piedade, devemos analisar o que é impiedade. No Antigo Testamento, há três expressões hebraicas traduzidas como pecado: Hátá, Pesa e Âwâ – errar o alvo, rebeldia e iniquidade/impiedade, respectivamente[1]. Impiedade, contudo, é o ser humano em seu estado de completa separação de Deus (Romanos 3:23, Efésios 2:1) e, por isso, incapaz de obedecê-Lo. É o estado que o salmista descreveu quando afirmou: “Em iniquidade (âwâ) fui formado, e em pecado (hátá) me concebeu minha mãe.” (Salmos 51:5). Por estar separado de Deus, o ser humano está em franca degradação (Romanos 7:18-19, Colossenses 3:5). Ou seja, completamente incapaz de exercer piedade.

Piedade é, portanto, o nosso pensar, sentir e agir completamente dependentes e submissos a Deus. É o resultado de nosso religar – também chamado de regeneração - com Ele. Calvino afirmou: “Chamo piedade à reverência associada com o amor de Deus que nos faculta o conhecimento de seus benefícios. Pois, até que os homens sintam que tudo devem a Deus, que são assistidos por seu paternal cuidado, que é ele o autor de todas as coisas boas, daí nada se deve buscar fora dele, jamais se lhe sujeitarão em obediência voluntária. Mais ainda: a não ser que ponham nele sua plena felicidade, verdadeiramente e de coração nunca se lhe renderão por inteiro.”[2] Mas, conforme Paulo orientou, não há piedade sem conhecimento da verdade: Jesus. Não há conhecimento de Jesus sem fé. E não há fé, e tudo o que ela proporciona, sem ensino das Escrituras.
    

Após Paulo apresentar suas credenciais, revelou suas intenções em relação à permanência de Tito em Creta: “A razão de tê-lo deixado em Creta foi para que você pusesse em ordem o que ainda faltava e constituísse presbíteros em cada cidade, como eu o instruí.” (Tito 1:5). Ordem é o elemento que gera outros elementos necessários para uma sociedade sã. Embora seja conflitante com a realidade do país que representa, vemos tal fato expresso na bandeira brasileira: Ordem e Progresso.

    

Contudo, não haverá ordem no mundo se ela não vigorar primeiramente sobre a Igreja, por ser o alicerce do Reino de Deus sobre a terra (Evangelho segundo Mateus 16:16-19). Esta ordem, no entanto, obedece o padrão que Deus estabeleceu a Adão: exercer na terra o mesmo governo que Deus exerce nos céus (Salmos 115:16).
    

Esta ordem não é uma mera organização humana. A Igreja exerceu tal caráter desde o Édito de Milão estabelecido pelo imperador romano Constantino (313 d. C.). Mas sabemos que isso degringolou numa teocracia abusiva que fez a Igreja, séculos mais tarde, se distanciar do caráter de Cristo. Desde a Reforma Protestante, vários líderes tentam substituir teocracia por teonomia, a fim de que a Igreja volte a ser o que Cristo deseja. Mas o êxito ainda não foi alcançado. 
    

Ao lermos sobre a restauração de Jerusalém, vemos que ela só aconteceu plenamente quando o Templo foi reconstruído, a Lei ensinada e o culto reestabelecido por Esdras. Mas o que causou a queda de Jerusalém e a destruição do Templo? Ao lermos o relato (II Reis 25), vemos que a primeira instituição destruída por Nabucodonosor foi o Templo: “No sétimo dia do quinto mês do décimo nono ano do reinado de Nabucodonosor, rei da Babilônia, Nebuzaradã, comandante da guarda imperial, conselheiro do rei da Babilônia, foi a Jerusalém. Incendiou o Templo do SENHOR, o palácio real, todas as casas de Jerusalém e todos os edifícios importantes. Todo o exército babilônio que acompanhava Nebuzaradã derrubou os muros de Jerusalém.” (II Reis 25:8-9 – Ênfases acrescentadas). 
    

A queda de Jerusalém nos revela o processo da degradação. O “Templo do SENHOR” era uma representação da Presença de Deus em meio ao povo. O “palácio real” era a instituição da monarquia judaica (governo), o que representa a Teonomia. As “casas de Jerusalém” representavam as famílias, e “todos os edifícios importantes” representam a sociedade de forma geral. Portanto, temos o seguinte processo de degradação: 1 - Templo (Presença de Deus); 2 - Governo (Teonomia); 3 - Família (alicerce social) e, por fim, o que chamamos de sociedade. 
   

Este foi o mesmo processo que ocorreu no Éden. O pecado afastou o ser humano de Seu Criador, pois se escondeu Dele (Gênesis 3:10). Como consequência, o governo do homem sobre a criação foi comprometido. A família deixou de viver conforme a harmonia de outrora, pois Eva, exercendo uma liderança ilícita, seduziu Adão a desobedecer. O que introduziu a morte (também física) no mundo (Romanos 5:12). Assim, Caim assassinou o irmão mais novo, Abel, por ter inveja dele. 

Vimos que Manassés perverteu o culto no Templo, edificando nele altares a deuses estranhos, cultuados por outras culturas. Este senso religioso foi demonstrado em sua forma de governar e também resultou na deturpação de sua família. Pois ele “chegou a queimar o próprio filho em sacrifício.” (II Reis 21:6). Você teria coragem? 

Quando deixamos nossos filhos suscetíveis a todo tipo de doutrinação de valores e conceitos destituídos da Vontade de Deus, estamos fazendo o mesmo. Pois o intento do sistema mundano – por que não dizer babilônico? – é destruí-los. Karl Marx afirmou em seu Manifesto Comunista: "As classes e as raças, fracas demais para conduzir as novas condições da vida, devem deixar de existir. Elas devem perecer no holocausto revolucionário". Em outras palavras, quem não se conformar à nova ordem em vigência deve ser extinto. O que é esta nova ordem? Sem qualquer resquício de conspiração, é o sistema elaborado por seres humanos autônomos em relação a Deus que visa estabelecer uma sociedade “à imagem e semelhança deles”. 

O mundo caótico em que vivemos é resultado deste ideal. A sociedade atual – que para alguns é moderna e para outros pós-moderna – é produto do humanismo renascentista dos séculos XIV à XVI, da revolução científica do século XVII e do consequente iluminismo do XVIII com seus “filhos”: positivismo, idealismo alemão (dialética hegeliana), materialismo marxista e existencialismo. A autonomia neles pretendida e disseminada é refletida nos governos e suas leis que corroboram, sobretudo, para a degradação familiar. Por serem a base da sociedade, famílias degradadas culminam no caos social. Um verdadeiro efeito cascata.

Jerusalém é a figura do Reino de Deus na terra (Romanos 16:20), e o Templo é a figura da Igreja de Cristo (Evangelho segundo Mateus 16:18). O sistema mundano (que busca a autonomia absoluta em relação a Deus) busca destruí-los. Sim, o primeiro alvo de destruição é a Igreja. E, convenhamos, ele tem alcançado êxito. O primeiro passo para tal destruição é a deturpação de seu alicerce. O alicerce da Igreja é Cristo (Evangelho segundo Mateus 16:18, Efésios 2:20-22). Portanto, Ele tem sido preterido e, infelizmente, substituído.




[1] SAYÃO, Luiz. O problema do mal no Antigo Testamento: O caso de Habacuque. – São Paulo. Hagnos, 2012. p. 61.
[2] CALVINO, João. As institutas ou tratado da religião cristã. Tomo I, Livro I; tradução de Carlos Eduardo de Oliveira. — São Paulo: Editora UNESP, 2008. p. 51.