Matheus Viana
Jesus
foi tentado também para nos mostrar que, como Ele, seremos tentados (Evangelho
segundo Mateus 26:41) e que, também como Ele, podemos vencer. No entanto, para
compreendermos a tentação de Jesus como um todo, temos que analisar o aspecto “vontade”
ou “volição” e, consequentemente, o livre-arbítrio. Portanto, não trafegarei no
eixo “predestinação x livre-arbítrio” utilizado à exaustão no confronto
teológico – principalmente no que concerne à salvação - entre “calvinistas” x “arminianos”.
O filósofo alemão Arthur
Schopenhauer, em seu livro Livre-arbítrio,
preconiza que a vontade não é livre. Para defender sua tese, trabalha com a
questão: “Pode o homem fazer o que quer?”. Segundo ele, este “querer”, ou seja, a vontade é determinada por
fenômenos (excitações e motivos) e objetos (mundo exterior) denominados pela
razão. Levando em consideração que a razão a qual ele trabalha é a síntese da
racionalidade (Descartes) e do empirismo (Francis Bacon e John Locke), oriunda
de Kant. Sendo assim, Schopenhauer afirma que para sabermos se a vontade é livre
ou não, precisamos conhecê-la. Contudo, ele afirma que a consciência não possui
tal capacidade, mas somente a razão. A vontade nasce do
fenômeno (atitude empírica) e do objeto (com o que nos relacionamos através dos
nossos sentidos). Ou seja, não surge do nada, do acaso, o que Schopenhauer
chama de “liberdade de indiferença”. Por isso, ela não é livre, mas predeterminada.
Desta
forma, nossas ações também não são livres, pois Schopenhauer define ação como a
síntese entre o caráter - que ele define como próprio do ser humano, inato e
imutável - e o motivo (propósito) - resultado de nossa experiência com o mundo exterior
através dos sentidos. Mas Schopenhauer ainda reflete sobre uma questão que diz
ser anterior a já brevemente analisada: “Pode o homem querer o que quer?”. Eis o seu silogismo: A essência do homem é vontade, e vontade de viver. Esta vontade
determina a ação do homem. Logo, o homem faz aquilo que é.
Schopenhauer
denomina o fato de que a vontade é determinada pela razão de “necessidade”,
fazendo alusão à necessidade, por exemplo, que uma equação matemática tem de
seu resultado. Sendo assim, a vontade é a “necessidade” da excitação – que não
exige pensamento por ser um instinto - e também do motivo – que exige pensamento por
ser um propósito. A ação, por sua vez, é a síntese do caráter e do motivo.
O filósofo americano Alvin
Plantinga, em seu livro Deus, a liberdade
e o mal, trabalha com a tese de que o bem e o mal foram atributos
concedidos aos seres humanos por Deus, os quais constituem a liberdade humana.
Ou seja, se o mal não existisse, o homem não seria livre, mas escravo do bem.
Usando as regras da lógica, trabalha com as possibilidades de mundos possíveis onde
o mal não existe. Também trabalha com o fato de que não existe bem sem o mal,
assim como não existe luz sem as trevas, ou a verdade sem a mentira. Tais
afirmações vêm na esteira do argumento ontológico sobre o mal feito por
Agostinho quando diz em seu livro, O
livre-arbítrio, que o mal não existe por si só. Assim como a ferrugem só
existe pelo fato de o ferro existir, o mal existe porque o bem existe. Assim
como a ferrugem está impregnada ao ferro, a existência do mal é dependente da
existência do bem.
O
ser humano só é, de fato, livre se tem a possibilidade de praticar tanto o bem como
o mal. Pois, por outro lado, se o bem não existisse, o mal não seria
classificado como tal. Contudo, após o pecado, a vontade do homem deixou de ser
totalmente livre, pois sua natureza foi corrompida (Salmo 51:5, Jeremias 17:9, Colossenses
3:5), o que nos impossibilita de realizarmos o bem, ou seja, a vontade de Deus
por nós mesmos. É neste ponto que se instala uma efervescente questão. O
apóstolo Paulo diz que ele deseja fazer o bem, mas não consegue. E, em
contrapartida, não deseja fazer o mal (Romanos 7:18-19), mas o realiza mesmo não querendo, ou como diria o lendário personagem do humorista mexicano
Roberto Bolaños, Chesperito,
conhecido no Brasil como Chaves: “sem querer, querendo”.
O
que o apóstolo Paulo está querendo elucidar é que, por conta da nossa natureza
pecaminosa, ainda que desejamos o bem, não conseguiremos realizá-lo sem a ação
divina. É neste ponto que devemos nos lembrar da promessa do consolador feita
por Jesus (Evangelho segundo João 14:26). Pois Ele nos fará lembrar a vontade
do Pai e nos ajudará a realizá-la. O que quero dizer com isto é que só somos
verdadeiramente livres, e consequentemente nossa vontade, quando Jesus nos
liberta (Evangelho segundo João 8:36). Mas em que consiste esta liberdade? Na cruz. E não se trata
de um “passe de mágica”, mas na subserviência constante ao que chamo de paradoxo da cruz. Ou seja, só teremos
nossa vontade verdadeiramente livre quando a renunciarmos de modo a realizamos
a vontade de Deus a nosso respeito.
Paulo
chama esta sujeição de “escravos da
justiça” (Romanos 6:17-18). Somos livres para realizar a nossa vontade, mas
nossa vontade não é livre. Ou ela é dominada pelo pecado (Evangelho segundo
Marcos 7:21-23, Tiago 4:1-3), ou pela ação do Espírito Santo de Deus sobre nós
(Romanos 8:13-14). A renovação de mente que nos leva a viver a boa, perfeita e
agradável vontade de Deus (Romanos 12:2) é o fato de que nossa razão - a que
determina a nossa vontade elucidada por Schopenhauer - seja submetida à Logos (poder e sabedoria, I Coríntios 1:24) de Deus de
modo a pensamos (I Coríntios 2:16), agirmos (Filipenses 2:5) e vivermos como
Cristo (Romanos 8:29), a plenitude da vontade de Deus aos homens (Gênesis 1:27,
Colossenses 1:15).
Resumindo, seremos verdadeiramente livres quando nossa vontade for plenamente liberta da escravidão do pecado – por intermédio da ação da Graça de Deus (Romanos 5:20) a nós - de modo a ser completamente sujeita à Sua vontade (Evangelho segundo João 8:32). Sendo assim, nosso "livre-arbítrio" consiste apenas na escolha sobre onde submeteremos nossa razão a fim de que ela determine nossa vontade: à soberana vontade de Deus - por intermédio do Espírito Santo, e não por nós mesmos -, ou ao pecado.
Resumindo, seremos verdadeiramente livres quando nossa vontade for plenamente liberta da escravidão do pecado – por intermédio da ação da Graça de Deus (Romanos 5:20) a nós - de modo a ser completamente sujeita à Sua vontade (Evangelho segundo João 8:32). Sendo assim, nosso "livre-arbítrio" consiste apenas na escolha sobre onde submeteremos nossa razão a fim de que ela determine nossa vontade: à soberana vontade de Deus - por intermédio do Espírito Santo, e não por nós mesmos -, ou ao pecado.
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