segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O “deus” do acaso

Matheus Viana

Marxistas e darwinistas têm um ponto em comum: a maneira rígida – para não dizer fundamentalista - de interpretar e entender o mundo. Para o marxista, o mundo é resultado de uma dialética histórica de luta de classes opostas. Para os darwinistas, é resultado de processos evolutivos que ocorreram e ainda ocorrem de forma acidental.

Sendo assim, propósito é algo que não existe. Richard Dawkins que o diga. Diante disso, imaginemos a natureza sem o elemento “propósito”. O sol não serve para emitir luz e calor sobre a Terra, o faz por acidente. A precisão e perfeição dos movimentos de rotação e translação da Terra são acidentais. O eixo da órbita da Terra em relação ao sol também é. A camada de ozônio não possui o propósito de proteger a Terra da radiação do sol nociva aos seres humanos, o faz por acaso.

O ciclo reprodutor humano é acidental. Ou seja, o útero não possui o propósito de fecundar o sêmen do homem a fim de gerar vida. O nascimento de um ser humano é acidental. Consequentemente, a vida, como um ente natural, também é. Logo, estamos perdidos, vivendo em um universo que surgiu por acaso. Somos, literalmente, acidentes da natureza.

Calma! A Ciência não atesta tais absurdos. Pelo contrário, preconiza a existência de propósito em cada coisa na natureza. Vejamos os seres humanos. Cada membro do nosso corpo possui um propósito definido. Por exemplo, enxergamos através de nossos olhos. Logo, o propósito dos olhos é de nos fornecer visão. E isso desde a existência dos seres humanos. Nunca outro órgão cumpriu este papel. Até mesmo a teoria da evolução não diz que há milhões de anos ouvia-se com os olhos, via-se com os ouvidos e comia-se pelo orifício anal. O macho não pode e nunca pode fazer nascer, mesmo que seja um ser da mesma espécie, de seu ventre. Somente a fêmea. Já pensou nisto?

A chamada ciência natural não tem como intento descobrir a verdade sobre a origem de todas as coisas, mas apenas construir uma completamente desprovida de propósito. Pois quando não há propósito, não há responsabilidade. É desnecessário dizer que os cristãos que creem - o verbo é completamente pertinente – na teoria evolucionista negam – mesmo não querendo - a fé no cristianismo. Pois se o ser humano é produto do acaso, não há nele propósito. Sem propósito, não há pecado, já que o termo hebraico hata significa, literalmente, errar o alvo/não cumprir o propósito estabelecido. Sem pecado, não há redenção. Sem redenção, Jesus não passa de um mero personagem histórico e o cristianismo de uma mera religião.

Na contramão, o próprio Jesus testificou a literalidade de Gênesis (Evangelho segundo Marcos 10:6). O apóstolo Paulo, debatendo com epicureus e estoicos, afirmou que Jesus é “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há (...) De um só ele fez todos os povos, para que povoassem toda a terra, tendo determinado os tempos anteriormente estabelecidos e os lugares exatos em que deveriam habitar”. (Atos 17:24-26).


O salmista Davi elucida: “Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe.” (Salmo 139:13). Dizer que tal fato é obra do acaso é pegar a magnitude da obra de Deus e atribuí-la à natureza. Desta forma, a natureza, ou melhor, a ciência natural, torna-se um deus. Um deus que, pela força dos fatos, também surge por acaso.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

O paradoxo do livre-arbítrio

Matheus Viana

Jesus foi tentado também para nos mostrar que, como Ele, seremos tentados (Evangelho segundo Mateus 26:41) e que, também como Ele, podemos vencer. No entanto, para compreendermos a tentação de Jesus como um todo, temos que analisar o aspecto “vontade” ou “volição” e, consequentemente, o livre-arbítrio. Portanto, não trafegarei no eixo “predestinação x livre-arbítrio” utilizado à exaustão no confronto teológico – principalmente no que concerne à salvação - entre “calvinistas” x “arminianos”.
      
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer, em seu livro Livre-arbítrio, preconiza que a vontade não é livre. Para defender sua tese, trabalha com a questão: “Pode o homem fazer o que quer?”. Segundo ele, este “querer”, ou seja, a vontade é determinada por fenômenos (excitações e motivos) e objetos (mundo exterior) denominados pela razão. Levando em consideração que a razão a qual ele trabalha é a síntese da racionalidade (Descartes) e do empirismo (Francis Bacon e John Locke), oriunda de Kant. Sendo assim, Schopenhauer afirma que para sabermos se a vontade é livre ou não, precisamos conhecê-la. Contudo, ele afirma que a consciência não possui tal capacidade, mas somente a razão. A vontade nasce do fenômeno (atitude empírica) e do objeto (com o que nos relacionamos através dos nossos sentidos). Ou seja, não surge do nada, do acaso, o que Schopenhauer chama de “liberdade de indiferença”. Por isso, ela não é livre, mas predeterminada.
       
Desta forma, nossas ações também não são livres, pois Schopenhauer define ação como a síntese entre o caráter - que ele define como próprio do ser humano, inato e imutável - e o motivo (propósito) - resultado de nossa experiência com o mundo exterior através dos sentidos. Mas Schopenhauer ainda reflete sobre uma questão que diz ser anterior a já brevemente analisada: “Pode o homem querer o que quer?”. Eis o seu silogismo: A essência do homem é vontade, e vontade de viver. Esta vontade determina a ação do homem. Logo, o homem faz aquilo que é.
      
Schopenhauer denomina o fato de que a vontade é determinada pela razão de “necessidade”, fazendo alusão à necessidade, por exemplo, que uma equação matemática tem de seu resultado. Sendo assim, a vontade é a “necessidade” da excitação – que não exige pensamento por ser um instinto - e também do motivo – que exige pensamento por ser um propósito. A ação, por sua vez, é a síntese do caráter e do motivo.
      
O filósofo americano Alvin Plantinga, em seu livro Deus, a liberdade e o mal, trabalha com a tese de que o bem e o mal foram atributos concedidos aos seres humanos por Deus, os quais constituem a liberdade humana. Ou seja, se o mal não existisse, o homem não seria livre, mas escravo do bem. Usando as regras da lógica, trabalha com as possibilidades de mundos possíveis onde o mal não existe. Também trabalha com o fato de que não existe bem sem o mal, assim como não existe luz sem as trevas, ou a verdade sem a mentira. Tais afirmações vêm na esteira do argumento ontológico sobre o mal feito por Agostinho quando diz em seu livro, O livre-arbítrio, que o mal não existe por si só. Assim como a ferrugem só existe pelo fato de o ferro existir, o mal existe porque o bem existe. Assim como a ferrugem está impregnada ao ferro, a existência do mal é dependente da existência do bem.
      
O ser humano só é, de fato, livre se tem a possibilidade de praticar tanto o bem como o mal. Pois, por outro lado, se o bem não existisse, o mal não seria classificado como tal. Contudo, após o pecado, a vontade do homem deixou de ser totalmente livre, pois sua natureza foi corrompida (Salmo 51:5, Jeremias 17:9, Colossenses 3:5), o que nos impossibilita de realizarmos o bem, ou seja, a vontade de Deus por nós mesmos. É neste ponto que se instala uma efervescente questão. O apóstolo Paulo diz que ele deseja fazer o bem, mas não consegue. E, em contrapartida, não deseja fazer o mal (Romanos 7:18-19), mas o realiza mesmo não querendo, ou como diria o lendário personagem do humorista mexicano Roberto Bolaños, Chesperito, conhecido no Brasil como Chaves: “sem querer, querendo”.
      
O que o apóstolo Paulo está querendo elucidar é que, por conta da nossa natureza pecaminosa, ainda que desejamos o bem, não conseguiremos realizá-lo sem a ação divina. É neste ponto que devemos nos lembrar da promessa do consolador feita por Jesus (Evangelho segundo João 14:26). Pois Ele nos fará lembrar a vontade do Pai e nos ajudará a realizá-la. O que quero dizer com isto é que só somos verdadeiramente livres, e consequentemente nossa vontade, quando Jesus nos liberta (Evangelho segundo João 8:36). Mas em que consiste esta liberdade? Na cruz. E não se trata de um “passe de mágica”, mas na subserviência constante ao que chamo de paradoxo da cruz. Ou seja, só teremos nossa vontade verdadeiramente livre quando a renunciarmos de modo a realizamos a vontade de Deus a nosso respeito.
      
Paulo chama esta sujeição de “escravos da justiça” (Romanos 6:17-18). Somos livres para realizar a nossa vontade, mas nossa vontade não é livre. Ou ela é dominada pelo pecado (Evangelho segundo Marcos 7:21-23, Tiago 4:1-3), ou pela ação do Espírito Santo de Deus sobre nós (Romanos 8:13-14). A renovação de mente que nos leva a viver a boa, perfeita e agradável vontade de Deus (Romanos 12:2) é o fato de que nossa razão - a que determina a nossa vontade elucidada por Schopenhauer - seja submetida à Logos (poder e sabedoria, I Coríntios 1:24) de Deus de modo a pensamos (I Coríntios 2:16), agirmos (Filipenses 2:5) e vivermos como Cristo (Romanos 8:29), a plenitude da vontade de Deus aos homens (Gênesis 1:27, Colossenses 1:15). 

Resumindo, seremos verdadeiramente livres quando nossa vontade for plenamente liberta da escravidão do pecado – por intermédio da ação da Graça de Deus (Romanos 5:20) a nós - de modo a ser completamente sujeita à Sua vontade (Evangelho segundo João 8:32). Sendo assim, nosso "livre-arbítrio" consiste apenas na escolha sobre onde submeteremos nossa razão a fim de que ela determine nossa vontade: à soberana vontade de Deus - por intermédio do Espírito Santo, e não por nós mesmos -, ou ao pecado.