Matheus
Viana
Quem
nunca se deparou com um mendigo?
Sim, você já se deparou. O que sentiu? Eu, pelo menos em minha
experiência pessoal, defino tal sentimento como estando entre a indiferença e a
misericórdia, ou seja, a compaixão que nos leva a fazer algo a favor dele. É o “vulgo”
sentimento chamado de ‘dó’. Isso mesmo. Poderíamos fazer uma ampla abordagem
sobre o que leva uma pessoa à mendicância. Mas não é este, no momento, o meu
intento.
Pedro
e João, ao se dirigirem para o Templo, foram abordados por um mendigo. Não era
somente um “pedinte de esmolas”. Era um aleijado. Apesar de não poder andar,
ele não clamava para que as pessoas o ajudassem a andar de modo a mudar sua
situação, a exemplo do clamor do cego Bartimeu a Jesus (Evangelho segundo
Marcos 10:47-52). Pedia “apenas” esmolas.
Ao
ler esta narrativa, sou levado a pensar que muitos dos que frequentavam o
templo davam-lhe esmolas. Afinal, dar esmolas é uma advertência de Jesus
(Evangelho segundo Mateus 6:1-4). No entanto, Pedro e João foram além. Ao ser
abordado pelo mendigo, Pedro lhe surpreendeu dizendo: “Olhe para nós.”. Este comando é que deu início ao milagre
libertador em sua vida.
“Olhe para nós.”. Pedro discerniu
que a necessidade daquele mendigo era muito maior do que o objeto de sua
mendicância. Ele pedia esmolas, mas sua necessidade era de andar. O comando de
Pedro representou a seguinte mensagem: “Eu tenho o que você realmente precisa”.
Mas a mensagem de Pedro foi ainda mais enfática: “Não tenho prata nem ouro, mas o que eu tenho, isto lhe dou.” (Atos
3:6).
O
mundo pós-moderno é regido por uma mentalidade materialista. E tal regência tem
alcançado, infelizmente, a Igreja. Multidões têm frequentado templos
evangélicos à procura de terem suas necessidades e desejos materiais atendidos.
São o “público perfeito”, ou melhor, a “freguesia ideal” para as denominações
adeptas da teologia da prosperidade. Semelhantes ao mendigo, estas multidões têm
clamado por “esmolas”, sendo que possuem uma necessidade muito maior do que os
objetos que visam alcançar. O apóstolo Paulo revelou esta verdade quando disse:
“A ardente expectativa da criação aguarda
pela manifestação dos filhos de Deus.” (Romanos 8:19). O ser humano precisa
de salvação. Todavia, salvação não implica apenas no direito de ir morar no
céu, mas de ser religado ao Criador de modo a encontrar e viver o verdadeiro
sentido da vida que existe apenas nEle.
Aquele
mendigo não tinha outra perspectiva em sua mísera vida a não ser... pedir
esmolas. Esta era a maneira como ele se via. Ele pensava como um mendigo,
sentia-se como um mendigo e, consequentemente, agia como um mendigo. A
cosmovisão materialista – após Feuerbach – não é diferente. Conforme preconizou
Karl Marx em seu livro A ideologia alemã,
na tentativa de explicar a práxis
revolucionária: “A maneira como os indivíduos manifestam sua vida reflete exatamente o que eles são. O que eles são coincide, pois, com sua produção, isto é, tanto com o que produzem quanto com a maneira como produzem. O que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais de sua produção."1. Ou seja, Marx preconiza que a consciência do ser humano é determinada pelo seu ser social. E o que faz a história não é o que o ser humano pensa, mas o que ele faz.
De
acordo com esta ideologia, se sou pobre, não passo de uma vítima explorada pela
“elite dominante”. Por isso, não me é lícito almejar uma melhora de vida pelas
vias do exercício e do desenvolvimento nos aspectos intelectual, econômico e
social. Muito menos o espiritual, já que a religião é “o ópio do povo”. A única
alternativa que me resta, no entanto, é a luta de classes que Marx denomina
como “a derrubada violenta de toda a ordem social”.
Antes
de falarmos deste comando de Pedro, analisemos a posição deste mendigo. Ele era
aleijado, ou seja, um enfermo. Como sabemos, o pensamento que fundamentava a
cultura hebraica, por conta da Lei de Moisés, era a de que todo enfermo é, na
verdade, uma pessoa debaixo de maldição por conta de seu pecado. Premissa que
Jesus lança por terra ao responder aos fariseus que lhe questionaram sobre a
cegueira de um homem (Evangelho segundo João 9;1-2). Por isso, ele era um
alijado social e, por que não dizer, espiritual.
Seu
“ponto de ação” era a porta chamada Formosa, que fazia divisão entre o pátio
exterior, reservado às mulheres e aos “cidadãos comuns” e onde eram colocados
os demais enfermos; e o pátio interior, reservado aos sacerdotes. O pátio dos
sacerdotes era a antessala do Lugar Santo, o lugar de culto a Deus. O lugar em
que o mendigo permanecia é significativa para nós. Muitos estão inseridos no
Corpo de Cristo, frequentam a Igreja, mas estão aquém do lugar que Deus deseja
que eles estejam.
Para
aquele mendigo, o lugar em que permanecia era cômodo, pois não desejava cultuar
a Deus, e sim apenas pedir esmolas. Devemos levar em consideração o fato de que
ele, por ser aleijado, não tinha permissão de cultuar a Deus no Templo. Mas,
pelo menos na narrativa de Lucas, não há nenhum indício de que ele quis mudar
esta drástica realidade. Exercer o discipulado não consiste em dar apenas
esmolas, mas sim em ser canal para uma transformação em todos os níveis da vida
do indivíduo.
Pedro e João nos legaram uma importante lição. Foram usados pela intervenção milagrosa de Deus que devolveu a dignidade àquele homem. Ele não deixou de ser mendigo somente. Deixou de ser enfermo. Todos os presentes ficaram maravilhados com sua transformação (Atos 3:11). Nossa missão é sermos agentes deste tipo de transformação. Comecemos pela nossa...
Notas:
1 - MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, tradução de Luis Cláudio de Castro e Costa - 3ª edição - São Paulo, 2007 - Martins Fontes, pp. 11.
Pedro e João nos legaram uma importante lição. Foram usados pela intervenção milagrosa de Deus que devolveu a dignidade àquele homem. Ele não deixou de ser mendigo somente. Deixou de ser enfermo. Todos os presentes ficaram maravilhados com sua transformação (Atos 3:11). Nossa missão é sermos agentes deste tipo de transformação. Comecemos pela nossa...
Notas:
1 - MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, tradução de Luis Cláudio de Castro e Costa - 3ª edição - São Paulo, 2007 - Martins Fontes, pp. 11.