Matheus Viana
Estima-se
que o Evangelho segundo João tenha sido escrito entre os anos 80 e 95 d. C.
Sim, a data é incerta. Assim como são incertos – sei que a expressão é forte – o caráter
e significado da afirmação de que Jesus é a Palavra – Verbo, em outras
traduções – de Deus. Jesus é a Logos
de Deus. Para termos uma pequena noção do impacto de tal afirmação, precisamos
fazer uma análise, ainda que breve, dos contextos social, religioso e intelectual
vigentes na época em que foi escrita.
Jerusalém,
assim como toda a Judeia, estava sob o jugo do império romano que, por sua vez,
era culturalmente influenciado pela filosofia clássica grega (helenística). Contudo, o
judaísmo, religião oriunda da Lei mosaica, também difundia sua grande parcela
de devoção. Por isso, a Igreja Primitiva era alvo de uma verdadeira miscelânea
religiosa. Ao lermos as cartas, principalmente as paulinas, vemos a apologia
dos apóstolos frente ao judaísmo, ao gnosticismo dentre outras seitas que
surgiram nos primeiros séculos do Cristianismo.
No
entanto, não podemos desconsiderar o peso do judaísmo no desenvolvimento do
Cristianismo nos primeiros séculos. Os apóstolos foram formados no berço do
judaísmo. Paulo, um dos principais representantes e fomentadores do
Cristianismo, foi um fariseu ortodoxo. Mas, em nossa análise, precisamos levar
em conta os dois tipos de judaísmos existentes na ocasião: o da Palestina e o
da Alexandria.
O
da Palestina foi o que Jesus enfrentou, exercido pelos fariseus, cuja ênfase,
por conta de seu caráter nacionalista, dava-se na observância dos ritos e das
leis mosaicas. Além disso, considerava as hipóstases
(atributos da substância) divinas. Um caso hipostático, por exemplo, é a Sabedoria. Mesmo não sendo considerada
como Deus, – o que transformaria o monoteísmo em politeísmo -, a Sabedoria foi algo criado por Deus e
usado por Ele para formar o universo e tudo o que nele há. Baseado neste
entendimento, Salomão, referindo-se a ela em primeira pessoa, afirmou: “O Senhor me possuiu no princípio de seus
caminhos e antes de suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui ungida.
Desde o princípio, antes do começo da terra.” (Provérbios 8:22-23).
Já
o judaísmo praticado na Alexandria, por conta da produção da Septuaginta (tradução do Antigo
Testamento em grego), tinha forte influência helenística, o que colaborou para
a intelectualização da religião. O principal representante do judaísmo
alexandrino foi Filo (30 a. C – 45 A.D). Judeu devoto e erudito, Filo
desenvolveu uma definição de Logos
completamente preponderante na época em que o Evangelho segundo João foi
produzido. Considerando-se discípulo de Platão, definia Deus como um ser
plenamente transcendente e inacessível. Um ser sem qualidades, pois Sua
transcendência não permitia qualquer tentativa humana de usar adjetivos
naturais e racionais para defini-Lo. Consequentemente, afirmava que Deus não
possuía nenhum tipo de relação com o universo natural.
Contudo,
tal afirmação era contrária ao pensamento platônico que considerava a formação e o
governo divino - a quem chamava de Demiurgo - sobre o universo. Por isso, Filo dizia que a Logos era o mediador entre Deus e o
universo. Ou seja, era o ser usado por Deus no mundo inteligível – que Platão
definia como mundo das ideias/metafísico – para agir no mundo natural – que Platão
definia como sensitivo. Esta ação de Deus que Filo teorizou, no entanto, não é
tão simples como parece.
Para
Ele, a Logos é a síntese entre o
pensamento racional de Deus, a elaboração de Seu projeto e propósito no “mundo
inteligível” e a verbalização para a existência (estabelecimento) no “mundo
sensitivo" (natural). É o que comumente definimos como trazer a realidade
espiritual para ser manifesta no natural. Deus criou o universo pelo “Haja”. Mas essa verbalização foi antes
pensada, planejada e projetada. Todo este processo, de acordo com Filo, foi feito pelo Logos. No entanto, ele não
obteve a revelação de quem é este Logos.
O que o levou a defini-Lo, com todo seu arsenal intelectual helenístico, como
uma espécie de desdobramento do próprio Deus. Pois, conforme vimos, afirmava
que a transcendência de Deus não Lhe permitia agir no universo. Por isso, “criou”
a Logos para este fim.
Mas
João conheceu este Logos. Andou com
Ele durante três anos. E afirmou: “E o
Logos se fez carne, e habitou entre nós e vimos a glória do unigênito do Pai.”
(Evangelho segundo João 1:14). Por isso tinha autoridade para dizer que o Logos não era apenas um desdobramento
hipostático do próprio Deus. Ele era e é o próprio Deus. Baseado neste fato, e
também na revelação que teve do Cristo ressurreto em sua dramática viagem à
Damasco, Paulo elucida: “Jesus é a
sabedoria (gnose) e o poder (dinamus) de Deus.” (I Coríntios 1:24).
Referência
bibliográfica
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