quinta-feira, 4 de julho de 2013

Volição humana

Matheus Viana

Ao longo da História da Igreja, incluindo os dias atuais, debate-se sobre o livre-arbítrio humano em relação à predestinação feita por Deus. Não entrarei em reminiscências. Tampouco viso defender os pontos de vista “calvinista” ou “arminiano”. O que desejo, de forma breve e prática, é analisar algumas advertências de Jesus que nos ensinam algo sobre estes aspectos. Bem, o fato de eu desejar... Deixe pra lá!

Desde o século IV, quando Agostinho e Pelágio discutiram sobre a total degradação humana oriunda do pecado original, este fato, através dos Concílios, fica estabelecido como doutrina da salvação, conhecida na teologia sistemática como ‘soteriologia’. Contudo, Lutero - em seu debate com Erasmo de Roterdam -, e posteriormente Calvino, sustentaram a doutrina de que a degradação do ser humano, por ser total, comprometeu sua volição. Ou seja, fez com que ele desejasse e escolhesse apenas o que é mal e ofende a Deus (pecado). É neste ponto que quero me ater.

Jesus disse algo que nos faz refletir sobre isto: “Qual de vós, se seu filho lhe pedir pão, lhe dará pedra? Se vós, que sois maus, sabem dar coisas boas aos filhos, quanto mais o vosso Pai, que está nos céus, dará coisas boas aos que Lhe pedirem.” (Evangelho segundo Mateus 7:11). De acordo com esta reflexão, o ser humano, apesar de totalmente degradado pelo pecado (Romanos 5:12, Colossenses 3:5), tem a capacidade - comprometida e limitada, é verdade - de desejar e escolher coisas boas. Não foi apenas Jacob Armínio que disse isso. Foi o próprio Jesus.

Se o ser humano não tem esta capacidade, então a afirmação feita pelo apóstolo Paulo de que não somos salvos pelas nossas obras (Efésios 2:8) é vã. Pois, se todas as nossas ações – oriundas de desejos corrompidos – são ruins, é óbvio que não seremos salvos por elas. Poderíamos discutir sobre o nosso querer e realizar (Romanos 7:18-19, Filipenses 2:13), mas não quero deixar o texto demasiado longo.

Ainda sobre a volição humana, Jesus disse: “Aquele que quiser me seguir, negue-se a si mesmo, tome a tua cruz e siga-me.” (Evangelho segundo Mateus 16:24). Analisemos a proposta do Messias: “Aquele que quiser me seguir...”. “Quiser”, conjugação verbal indissociável de vontade própria. Pensemos sobre algo: se a degradação total, oriunda do pecado original, impede o ser humano de desejar, escolher e fazer o que é correto, por que Jesus faria tal proposta? Por outro lado, se alguns são predestinados para isso, Jesus não precisaria usar o verbo “querer”, tampouco “fazer” – implícito na expressão “negue-se” -, já que a soberania de Deus sobre o ser humano, de acordo com alguns cristãos reformados, culmina no chamado “monergismo” ou Graça irresistível.

O fato de que a salvação vem única e exclusivamente de Deus é inquestionável. O de que o pecado original degradou a natureza humana também é. Mas eles, de acordo com as Palavras de Jesus, não anulam a nossa capacidade – que deve ser aperfeiçoada pela ação do Espírito Santo em nós – de querer e escolher.

Baseado em tais fatos, Jesus nos adverte a negarmos a nós mesmos. Negação fala de renúncia. Renúncia, por sua vez, é um ato oriundo de uma decisão. E decisão é desdobramento de nossa vontade. Sendo assim, se o ser humano não possui a capacidade de querer e escolher a Jesus por si mesmo, por que Jesus faz esta proposta? Se tal fato fosse verdadeiro, esta proposta não soaria incoerente? Mas sabemos que não é.

Sobre a predestinação para a salvação... Bem, cito, para encerrar, duas advertências do apóstolo Paulo; uma para Timóteo e outra para Tito: “Isso é bom e agradável perante Deus, nosso Salvador, que deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, homem, o qual se entregou a si mesmo como resgate por todos.” (I Timóteo 2:3-6). “Porque a Graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens.” (Tito 2:11).

Tanto o Antigo Testamento (Provérbios 16:4, Isaías 55:11) quanto o Novo nos falam sobre a predestinação e soberania de Deus ao homem (Efésios 1:4-5, Romanos 8:29-30). Há muitos textos na Bíblia referentes a estes temas. No entanto, repito: esta predestinação, além de evidenciar a soberania de Deus ao ser humano, não anula a volição humana. 

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