quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

O alicerce do conhecimento - Parte II

Matheus Viana

Um método do conhecimento, qualquer que seja, precisa de absolutos, abstratos ou concretos, que sejam usados como fundamentos e referências do objeto a ser conhecido. Na tentativa de estudar o homem (antropologia, seja ela biológica, psíquica ou sociocultural) sem a existência de Deus, o padrão referencial utilizado é desprovido de transcendentalidade por ser originado na natureza de forma aleatória (sem propósito). Por sua vez, a natureza que gerou o homem, na concepção materialista/naturalista, teve seu início em leis físicas não conhecidas, conforme afirmou Stephen Hawkins. Para os militantes desta linha de pensamento, estas leis também são naturais e aleatórias.

Contudo, deve-se considerar que tal fato, por mais que não pareça, demonstra o sensus divinitatis que o ser humano possui. Neste caso, a natureza, e consequentemente o próprio homem, são colocados como objetos de fé e culto. O fato de uma ciência ser desprovida de elementos teológicos/cristãos – ou de qualquer outro pensamento transcendental - não anula o fato de que seu exercício, assim como a própria estrutura racional que ela utiliza, demonstram possuir religiosidade. Não é possível dissociar o exercício da razão de pressupostos de fé, também classificados como religiosos.
    
A sabedoria humana que o apóstolo Paulo abordou, portanto, não está desprovida de fé e de religião. A questão é que sua estrutura não está fundamentada em Cristo, mas na natureza deificada. Por isso ele afirmou em sua carta aos romanos: “Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram a coisas e seres criados em lugar do Criador, que é bendito pra sempre.” (Romanos 1:25). Aqui é clara a abordagem do apóstolo, apesar de se referir ao centro de poder do império romano, ao evento ocorrido no Éden. 

O ser humano apenas deu continuidade a este círculo vicioso. Não houve extinção do sensus divinitatis com o fato de Deus deixar de ser o fundamento. Apenas uma drástica substituição de ente a ser cultuado. Para que compreendamos melhor a estrutura da sabedoria humana, deve-se considerar que Paulo dialogou com a filosofia romana, cujo fundamento era a filosofia grega que, por sua vez, sofreu influência da egípcia.
    
A filosofia egípcia, que influenciou os gregos com sua mitologia, era baseada na cosmogonia, onde os entes naturais eram vistos e cultuados como deuses. Hesíodo - com sua teogonia - e Homero não criaram nada novo. Apenas deram outra roupagem ao pensamento egípcio. Mesmo com o fim da chamada era mítica para o advento da chamada era clássica, os pensadores que surgiram, na busca pelo sentido da vida e das coisas, o arché, utilizaram a estrutura cosmogônica.

Embora desprovida de caráter mitológico, os entes naturais foram elevados ao patamar de entes criadores. Os pertencentes a esta corrente de pensamento criam que a origem e, consequentemente, o sentido de todas as coisas não estavam nas divindades, mas na physis, na natureza. Demonstração clara de fé na religião natural. Tais pressupostos foram o fundamento do pensamento dos chamados pré-socráticos, guardadas algumas diferenças entre as escolas pitagórica, eleática e jônica.
    
Embora os pós-socráticos desenvolveram consideravelmente tal pensamento, não houve uma ruptura. Platão, por exemplo, partindo dos ensinos de Parmênides (escola eleática), considerou o mundo das ideias (sobrenatural ou metafísico, abstrato) como elemento que iria formatar e estruturar o mundo dos sentidos (natural, concreto). Ou seja, o fundamento da realidade era algo transcendental. Expressão clara do sensus divinitatis. Para Aristóteles era o ato-puro ou primeiro-motor o elemento originário de todas as coisas. A demonstração do sensus divinitatis, ou senso religioso, nas filosofias platônica e aristotélica foi tão explícita que ambas foram usadas na construção teológica cristã nos períodos patrístico e escolástico, respectivamente.

Mas Paulo não lidou somente com devotos da filosofia grega. Lidou também com judeus. Por isso afirmou em sua primeira carta aos coríntios: “Os judeus pedem sinais miraculosos, e os gregos sabedoria; nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios.” (I Coríntios 1:22-23).

Continua...