Matheus Viana
Um
método do conhecimento, qualquer que seja, precisa de absolutos, abstratos ou
concretos, que sejam usados como fundamentos e referências do objeto a ser
conhecido. Na tentativa de estudar o homem (antropologia, seja ela biológica,
psíquica ou sociocultural) sem a existência de Deus, o padrão referencial utilizado
é desprovido de transcendentalidade
por ser originado na natureza de forma aleatória (sem propósito). Por sua vez,
a natureza que gerou o homem, na concepção materialista/naturalista, teve seu
início em leis físicas não conhecidas, conforme
afirmou Stephen Hawkins. Para os militantes desta linha de pensamento, estas leis também são naturais e aleatórias.
Contudo,
deve-se considerar que tal fato, por mais que não pareça, demonstra o sensus divinitatis que o ser humano
possui. Neste caso, a natureza, e consequentemente o próprio homem, são
colocados como objetos de fé e culto. O fato de uma ciência ser desprovida de
elementos teológicos/cristãos – ou de qualquer outro pensamento transcendental
- não anula o fato de que seu exercício, assim como a própria estrutura
racional que ela utiliza, demonstram possuir religiosidade. Não é possível
dissociar o exercício da razão de pressupostos de fé, também classificados como
religiosos.
A
sabedoria humana que o apóstolo Paulo abordou, portanto, não está desprovida de
fé e de religião. A questão é que sua estrutura não está fundamentada em Cristo,
mas na natureza deificada. Por isso ele afirmou em sua carta aos romanos: “Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e
adoraram e serviram a coisas e seres criados em lugar do Criador, que é bendito
pra sempre.” (Romanos 1:25). Aqui é clara a abordagem do apóstolo, apesar de se referir ao centro de poder do império romano, ao evento
ocorrido no Éden.
O
ser humano apenas deu continuidade a este círculo vicioso. Não houve extinção
do sensus divinitatis com o fato de
Deus deixar de ser o fundamento. Apenas uma drástica substituição de ente a ser
cultuado. Para que compreendamos melhor a estrutura da sabedoria humana,
deve-se considerar que Paulo dialogou com a filosofia romana, cujo fundamento
era a filosofia grega que, por sua vez, sofreu influência da egípcia.
A
filosofia egípcia, que influenciou os gregos com sua mitologia, era baseada na cosmogonia, onde os entes naturais eram
vistos e cultuados como deuses. Hesíodo - com sua teogonia - e Homero não criaram nada novo. Apenas
deram outra roupagem ao pensamento egípcio. Mesmo com o fim da chamada era mítica para o advento da chamada era clássica, os pensadores que surgiram,
na busca pelo sentido da vida e das coisas, o arché, utilizaram a estrutura cosmogônica.
Embora
desprovida de caráter mitológico, os entes naturais foram elevados ao patamar
de entes criadores. Os pertencentes a esta corrente de pensamento criam que a
origem e, consequentemente, o sentido de todas as coisas não estavam nas
divindades, mas na physis, na
natureza. Demonstração clara de fé na religião natural. Tais pressupostos foram
o fundamento do pensamento dos chamados pré-socráticos, guardadas algumas
diferenças entre as escolas pitagórica, eleática e
jônica.
Embora
os pós-socráticos desenvolveram consideravelmente tal pensamento, não houve uma
ruptura. Platão, por exemplo, partindo dos ensinos de Parmênides (escola
eleática), considerou o mundo das ideias
(sobrenatural ou metafísico, abstrato) como elemento que iria formatar e
estruturar o mundo dos sentidos
(natural, concreto). Ou seja, o fundamento da realidade era algo transcendental.
Expressão clara do sensus divinitatis. Para
Aristóteles era o ato-puro ou primeiro-motor o elemento originário de
todas as coisas. A demonstração do sensus
divinitatis, ou senso religioso, nas filosofias platônica e aristotélica foi tão explícita que ambas foram usadas na
construção teológica cristã nos períodos patrístico e escolástico,
respectivamente.
Continua...