Matheus Viana
Oração, para muitos, é a principal
demonstração de piedade cristã. Em seu livro A celebração da
disciplina, Richard Foster afirmou: “De todas as disciplinas
espirituais, a oração é a principal, porque nos conduz a uma comunhão perene
com o Pai.”[1].
A vida de Jesus confirmou – e confirma
– este fato. O apóstolo Paulo diz que Ele está à destra do Pai intercedendo em
nosso favor (Romanos 8:34). Durante Seu ministério terreno, retirava-se,
constantemente, para orar. Momentos antes de ser entregue para ser julgado e
crucificado, convidou seus três discípulos mais próximos para um momento de
oração. Ao chegar no tenebroso e dramático jardim do Gestêmani, distanciou-se
deles para orar ao Pai. Após ressuscitar, reuniu os discípulos – com exceção de
Judas – e orou ao Pai em favor deles (Evangelho segundo João 17).
Assim, o fato de Jesus orar
frequentemente também é a prova cabal de que oração é um dos principais
elementos de nosso culto racional. No episódio do Getsêmani,
vemos uma demonstração de que a oração de Jesus era completamente racional. E esta
racionalidade é que deve ser alvo de nossa análise a fim de a imitarmos.
Para entendermos o culto
racional que Jesus realizou naquela ocasião, precisamos levar em conta
seu estado emocional. Jesus estava profundamente angustiado, ao ponto de
declarar: “Minha alma está profundamente triste, numa tristeza mortal.” (Evangelho
segundo Marcos 14:34). Mesmo assim, Sua oração, ainda que evidenciou Seu drama
e a intensidade de Seus sentimentos, baseou-se no plano de redenção
estabelecido antes da fundação do mundo (Efésios 1:6-10, Apocalipse 13:8): “Pai,
tudo te é possível. Afasta de mim este cálice; contudo, não seja como eu quero,
mas sim como tu queres.” (Evangelho segundo Marcos 14:36).
As emoções de Jesus não determinaram
Suas orações. A lição para nós é prática e sucinta: nossas emoções não podem
determinar nossas orações. Devemos, sim, orarmos com fervor e sentimentos, pois
não somos robôs. Porém, orar com sentimentos e realizar uma oração baseada
neles são coisas bem diferentes. Jesus deixou claro que as turbulências
emocionais não podem interferir, de modo a fazer sucumbir, na nossa
racionalidade fundamentada na Palavra (Vontade) de Deus. Foi exatamente isso
que Ele fez.
Mas esta, embora crucial, não foi a
única vez em que Jesus realizou Seu culto racional através da
oração. Toda a vida de Jesus foi pautada nas Escrituras (Evangelho segundo
Mateus 5:17, Lucas 4:18, João 5:39). No quesito oração não foi
diferente. Por isso, ao ensinar sobre sua prática, mostrou que devemos orar de
modo racional, ou seja, conforme a Vontade do Pai.
Interessante que Jesus começa ensinando
sobre a ética da oração: “E quando vocês orarem, não sejam como os
hipócritas. Eles gostam de ficar orando em pé nas sinagogas e nas esquinas, a
fim de serem vistos pelos outros.” (Evangelho segundo Mateus 6:5). Com
isso, Ele quis demonstrar que oração é um ato de humilhação, e não de vanglória
piedosa (Cf. Evangelho segundo Lucas 18:9-14).
Quando um líder de Israel levantado por
Deus – sacerdote ou um rei – convocava o povo para uma assembleia solene de
oração e jejum, era o exercício de rendição e humilhação do povo perante Deus,
onde rasgavam suas vestes, se prostravam com o rosto em terra e colocavam sobre
suas cabeças pó e cinzas (Cf. Esdras 9:3-5, Joel 2:13-17). No entanto, os fariseus
usavam o ato de orar como a demonstração de uma superioridade espiritual. Tal
realidade também não faz parte do contexto atual? Lembre-se: oração racional
visa a humilhação e a consequente comunhão com Deus. Pois não há comunhão com o
pai sem quebrantamento e arrependimento (Salmo 51:17, II Coríntios 7:10).
Humilhação, conforme preconizou o
apóstolo Paulo, é um dos principais elementos do culto racional (Romanos
12:1), pois oferecer nossos corpos como sacrifícios vivos, no
sentido figurado, é se humilhar diante de Deus como sinal de reconhecimento de
que somos completamente dependentes Dele (Cf. II Crônicas 7:14). E, sim, há
circunstâncias em que este sacrifício vivo é literal. Haja
vista o grande número de cristãos mortos por não negarem a fé em Jesus Cristo
no passado e também no presente.
Jesus demonstrou a importância da
racionalidade na oração quando advertiu: “E quando orarem, não fiquem
repetindo a mesma coisa, como fazem os pagãos. Eles pensam que por muito falarem
serão ouvidos.” (Evangelho segundo Mateus 6:7). Creio que Jesus, por
ser profundo conhecedor dos profetas de Israel, tinha em mente a advertência do
profeta Isaías: “Este povo me honra com os lábios, mas o seu coração
está longe de mim.” (Isaías 29:13). Tanto é que Ele cita esta passagem
em outro contexto não muito posterior (Cf. Evangelho segundo Marcos 7:1-7).
Oração não é ritualismo frívolo. É a
demonstração de que O amamos de todo o nosso coração, de toda alma e com todo
intelecto. Não há como dissociar coração de intelecto. Por
isso Esdras proclamou: “Guardo no meu coração as minhas palavras para
não pecar contra ti.” (Salmos 119:11). Por amarmos a Deus,
desejamos ter comunhão com Ele. Comunhão se dá através da oração. Oração é
proclamar quem Ele é e quem somos perante Ele e Sua Palavra. Não se trata de
repetirmos as Leis de Deus, mas conhecermos a Sua vontade, através de Sua
Palavra a fim de orarmos de acordo com Ela. É neste mote que o apóstolo Tiago
advertiu: “Pedis e não recebestes, pois pedistes mal, para o vosso
próprio deleite.” (Tiago 4:3).
[1] FOSTER, Richard J. Celebração da disciplina:
o caminho do crescimento espiritual; tradução de Marson Guedes – 2. Ed. São
Paulo: Editora Vida, 2007. p. 67.