Matheus
Viana
“O Senhor fará de
vocês a cabeça das nações, e não a cauda.”
(Deuteronômio 28:13 – Nova Versão Internacional).
(Deuteronômio 28:13 – Nova Versão Internacional).
Esta
sentença foi proferida por Moisés em meio às várias bênçãos prometidas por Deus
aos hebreus em decorrência da obediência à Sua Lei. E em nossa realidade não tão
recente ela tem sido entoada como uma espécie de “mantra” pelos cristãos.
Revelando, desta forma, o pernicioso triunfalismo contido no coração humano
(Jeremias 17:9, Tiago 4:3).
Assim
como todo o Antigo Testamento, esta sentença deve passar pelo crivo do
Evangelho de Jesus, cujo caráter é, de certa forma, descrito em Seu sermão da montanha. E ele começa da
seguinte forma: “Bem-aventurados os
pobres de espírito, pois deles é o Reino dos céus.” (Evangelho segundo
Mateus 5:3). Interessante. No entanto, o que é um pobre de espírito? Grosso modo, é aquele que tem a plena consciência
de que é dependente, em todas as esferas de sua existência, de Seu Criador.
Conforme o apóstolo Paulo elucidou aos estóicos e epicureus em Atenas: “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos,
como disseram alguns poetas de vocês: ‘Também somos descendência dele.’”
(Atos 17:28).
Isto
traz à tona a necessidade que temos de arrependimento. Quando adquirimos a
consciência de que estamos muito distantes do padrão de normalidade de Deus ao
ser humano, – Jesus – isso causa a tristeza que nos conduz ao quebrantamento. E
esta consciência Jesus nomeia de pobreza
de espírito. Sobre tal tristeza, o apóstolo Paulo preconiza: “A tristeza segundo Deus não produz remorso,
mas sim um arrependimento que leva à salvação, e a tristeza segundo o mundo
gera a morte.” (II Coríntios 7:10).
A
expressão usada por Paulo, traduzida como arrependimento,
é metanoia. Meta não se refere a uma simples mudança, mas em um progresso, uma
mudança para melhor, para além de uma realidade específica. Sim, este progresso
ocorre na nous/noia, mente (entendimento)
do indivíduo. O que remete ao fato de que o verdadeiro arrependimento começa
em nosso pensar e, consequentemente, alcança nosso agir. Se nos arrependemos de
fato, como fruto da ação do Espírito Santo em nós (Evangelho segundo João
16:8), nossas ações consistirão em servir, e não em buscar meios de sermos
servidos. O verdadeiro arrependimento produz uma cabeça servente.
O
caráter que a sentença, alvo de nossa análise e reflexão, possui é
completamente contrária ao caráter do Evangelho de Jesus Cristo, Aquele ao qual
foi lhe concedida toda autoridade nos céus e na terra (Evangelho segundo Mateus
28:18). O apóstolo Paulo, de forma brilhante, o revela em sua carta aos
filipenses: “ ... embora sendo Deus, não
considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se, mas
esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens.
E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até
a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu
o nome que está acima de todo nome.” (Filipenses 2:6-9).
O
próprio Jesus advertiu seus discípulos: “Vocês
sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as
pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Ao
contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e
quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho
do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por
muitos.” (Evangelho segundo Marcos 10:42-45).
Como
assim? Ser servo? Servir pessoas? E o “papo” de sermos “cabeça e não cauda”? De sermos servidos pelas pessoas por estarmos
em um “grau acima”? De sermos reconhecidos e aclamados? O Evangelho de Cristo,
o Cabeça da Igreja (Seu corpo na
terra), demonstrado por Suas atitudes, revela o contrário: as “cabeças” são as servas, aquelas que, de
forma voluntária, tornam-se escravas da justiça de Deus (Romanos 6:18). Nós,
como membros do corpo de Cristo, apenas obedecemos os comandos que vêm do
Cabeça: servir.
Pedro
foi o homem que, em detrimento de suas imperfeições e limitações, Deus escolheu
como instrumento para o estabelecimento de Sua Igreja na terra (Evangelho
segundo Mateus 16:18, Atos 2:38-40). E, antes do cumprimento desta gloriosa
profecia sobre a terra, Jesus teria que estabelecer na vida de Pedro o caráter
fundamental de servo.
Após
ter negado Jesus, Pedro entrou em um degradante quadro de tristeza. Porém,
sentiu a tristeza segundo o mundo, a qual comumente chamamos de depressão. Mas Jesus tinha o intento de
restaurá-lo, pois os planos de Deus não podem ser frustrados. Não quero me ater
às três vezes em que Jesus indaga Pedro sobre o amor que sente por ele. Mas na
advertência consequente: “Cuide de minhas
ovelhas.” (Evangelho segundo João 21:16).
A conjugação do
verbo, traduzida para o português como cuide,
usada por João é boske, cuja
expressão é derivada de bosko. De
acordo com o dicionário Strong, bosko significa alimentar, como também retrata o dever de um mestre cristão de promover, por todos os meios
possíveis, o bem-estar espiritual dos membros da igreja. Conceitos
complementares. Pois sabemos que o Evangelho de Cristo implica tanto nos
serviços espiritual e social. Ortodoxia que é conhecida como missão integral. Contudo, acrescento o
serviço intelectual. Intelectual? Sim. Por isso Pedro orienta: “Antes, santifiquem Cristo como Senhor em
seu coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que
lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, façam isso com
mansidão e respeito, conservando a boa consciência...” (I Pedro 3:15).
Resumindo, implica em
servir. E foi exatamente isto que Jesus propôs a Pedro como desdobramento de
seu amor por Ele. E esta mesma proposta, onde não cabe qualquer tipo de
ufanismo, e guardadas as devidas proporções; repousa sobre nós.