Matheus Viana
Conhecemos
a diferença entre gratidão e satisfação (contentamento)... Na teoria. Na
prática, a realidade é bem diferente. Por vezes, assaltado pela insônia ou pela
dificuldade de respirar, fico vagando pela minha casa durante a madrugada,
contemplando minha esposa e o meu filho dormindo. Com isso, sou acometido por
um turbilhão de pensamentos.
O
sentimento de gratidão, no entanto, se destaca. Lembro-me do Salmo 100:4: “Entrai pelas portas do louvor com ações de
graças.”. Ações de graças. Quando recebemos algo de alguém, somos
acometidos, de súbito, pelo sentimento de gratidão que se manifesta, na maioria
das vezes, em três passos. O primeiro é o pedido verbalizado de “obrigado”. O
segundo é o senso de dívida, ou seja, o desejo – e também a necessidade – de retribuirmos
o que graciosamente recebemos. O terceiro é a prática desta retribuição. Por
isso, a gratidão a Deus que sinto me leva a pensar que o desejo de ter meu
corpo plenamente restaurado é, na verdade, um sintoma de ingratidão. Complexo?
Claro que é.
Como
posso desejar tal melhora se desfruto da companhia de uma esposa que me ama e
me trata tão bem? Como posso nutrir um desejo como este se tenho um filho
lindo, saudável, inteligente (sim, a “corujisse” paterna é evidente) e que não
mede esforços em ter o meu afago? Além das inúmeras outras benesses as quais
desfruto. Apesar disto, sim, tenho problemas. Quem não tem? Jesus nos advertiu
no tocante a esta mórbida realidade (Cf. Evangelho segundo João 16:33).
É
neste ponto que reside o “x” da questão. O desejo de progredirmos, em todo e
qualquer aspecto de nossa vida, não anula a nossa gratidão. Mas confesso que
ainda penso diferente disto. Como posso desejar viver com um corpo normal ao me
deparar com casos bizarros muito piores que o meu? Como nutrir tal desejo ao me
deparar com a vida de Nick Vujicic, por exemplo? “Sou um ingrato.”, atesto para
mim mesmo. Contudo, não foi isso que Jesus nos ensinou.
Em
determinada ocasião, Jesus questionou um homem cego: “O que queres que eu te faça?” (Evangelho segundo Marcos 10:51). É
óbvio que Jesus sabia qual seria a resposta? Porém, Ele queria que o homem
acometido pela cegueira expressasse seu desejo de ser curado. Quando um leproso
chega a Jesus, ele não pede, no primeiro momento, para ser curado. Mas O adora.
Seu clamor é mais do que interessante. “Senhor,
se quiseres, podes purificar-me.”. Jesus responde: “Quero, fica limpo!” (Evangelho segundo Mateus 8:3).
Aquele
leproso demonstrou sua gratidão ao se prostrar diante de Jesus e seu
contentamento ao chama-lo de “Senhor”.
Para nós, ocidentais, este termo é somente um pronome de tratamento. Mas para
um judeu é muito mais do que isto. O termo Adonai (Kyrios, no grego)
era e ainda é usado somente para se referir a Deus, ou seja, a Yahweh. É neste
mesmo pensamento que Davi, milênios antes, escreveu: “Alegra-te do Senhor, e Ele satisfará o desejo de seu coração”. (Salmo
37:5) Mesmo assim, o leproso expressa seu desejo de ser curado. Portanto,
gratidão e desejar a cura são elementos complementares, não excludentes.
Mas
e se a cura não se manifestar como e quando desejamos? E se ela não acontecer?
Deus não deixa de ser Deus por isso. O fato de estarmos vivos, apesar de nossas
deficiências, já é, por si só, motivo para expressarmos a Ele nossa gratidão.