Matheus
Viana
Os saduceus estavam
enganados pela racionalidade desprovida de experiência com o genuíno Evangelho
que é o poder de Deus (I Coríntios 1:18). Um romance é muito mais prazeroso de
ler (uso da razão) quando o experimentamos pelas vias da nossa imaginação e das
nossas emoções, não é verdade? As Escrituras são muito mais do que um mero
romance.
É
consenso que a mensagem das Sagradas Escrituras foi, de certa forma,
comprometida nos processos de preservação e tradução. Para os entendermos, é
necessário um amplo arcabouço histórico, o que eu não tenho. Por isso, minha
singela e despretensiosa proposta é analisar, de forma breve, o nível deste
comprometimento.
Para
isso, farei uso do texto descrito no Evangelho segundo Mateus 22:29 traduzido,
em algumas versões para a língua portuguesa, como: “Errais por não conhecerem as escrituras, nem o poder de Deus”.
Sim, este é o conhecido episódio em que Jesus discute com os saduceus a
respeito da ressurreição.
Contudo,
quando lemos a forma original, escrita no grego koiné, temos: “Apokritheis dé ó (respondendo-lhes) Iesous
(Jesus) eipen (disse) autóis (si mesmos) planasthe (enganados) me (não) eidotes
(idéias, entendimento) tas (das) graphás (escrituras) mede tén (nem o) dúnamis
(poder) tou (de) Theou (Deus)”.* (*A
forma original é escrita com o alfabeto grego). Traduzido literalmente, lemos: “Respondendo-lhes Jesus, disse: Enganam-se a
si mesmos não entendendo as escrituras nem o poder de Deus.
Platão
aplicava à expressão eidos (que se lê
“idos” e cujo plural é eidotes) o
significado de ideia. É justamente de eidos
que surge a expressão latina idea que,
por usa vez, origina o termo português ideia.
O que isso quer dizer? Platão conceituava eidos
como a obtenção do conhecimento, que dividia em duas partes: Doxa, opinião; e
epísteme, o científico. Na república que idealizou chamada Callípolis, apenas o cidadão que possuía o conhecimento epistêmico da política, que era obtido pela
filosofia, poderia exercer o governo político.
No
entanto, este conhecimento passava pela relação dialética entre mundo sensitivo
(uso dos sentidos) e mundo inteligível (uso da razão) que Platão herdou de
Parmênides. Ou seja, o conhecimento era, em primeiro plano, experimentado
através dos sentidos. E esta experiência – chamada mais tarde por John Locke de
“empírica” – passava pelo crivo da razão.
Jesus
estava dizendo aos saduceus que eles não tinham a eidos das Escrituras. Pois a experiência ao qual passaram era
apenas racional. Por serem a parte intelectual da cúpula religiosa judaica, a
Lei e os Profetas não transmitiam, para eles, a ardente expectativa para o
cumprimento das profecias e do surgimento do tão esperado Messias. Eram apenas
letras.
Mas
veja que Jesus não apenas lhes diz que, por isso, erravam. Ele foi mais fundo. Tocou
o cerne do problema. Com certeza se lembrou do trecho em que o profeta Oséias
descreve o clamor e a tristeza de Deus em relação ao Seu povo: “Meu povo se perde por falta de conhecimento”.
(Oséias 4:6). Falta de eidos, do
conhecimento que é fruto da experiência e da razão. Em outras palavras, os saduceus
não experimentaram as Escrituras como elas, conforme Jesus afirmou, são: “Espírito e vida.” (Evangelho segundo
João 6:63). Mais do que isso: Elas revelam o próprio Cristo (Evangelho segundo
João 5:39).
Os
saduceus estavam enganados pela racionalidade desprovida de experiência com o
genuíno Evangelho que é o poder de Deus (I Coríntios 1:18). Um romance é muito
mais prazeroso de ler (uso da razão) quando o experimentamos pelas vias da
nossa imaginação e das nossas emoções, não é verdade? As Escrituras são muito
mais do que um mero romance. São o legado do Deus que se fez homem e habitou
entre nós (João 1:14, Filipenses 2:6-8). Que morreu a nossa morte para que
vivamos Sua vida (I João 4:10, Evangelho segundo João 10:6-10). Não é em vão
que o apóstolo Paulo, além de nos alertar sobre sermos transformados em nossa
forma de pensar (Romanos 12:2, I Coríntios 2:16), nos exorta a termos o mesmo
sentimento que houve em Cristo Jesus (Filipenses 2:5).
É
deste sentimento, em parceria com a razão, que surge o eidos que não nos deixa ser enganados. Este eidos somente o Espírito Santo pode nos conceder (Evangelho segundo
João 16:13). Um processo que envolve Sua ação em nossa alma por completo: emoções
e intelecto. Por isso Jesus disse: “Mas o
consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ajudará,
vos ensinará, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”. (Evangelho
segundo João 14:26).