quarta-feira, 15 de junho de 2016

Cristianismo e política - Parte II

Matheus Viana

Obs: não deixe de ler a Parte I

Em primeiro lugar, existimos pela Graça de Deus, que Paulo chama de superabundante (Romanos 5:20). O cristianismo - bem como o culto racional que dele emana - começa com o fato de que, por sermos miseravelmente pecadores (Salmos 51:5, Romanos 5:12), fomos alcançados e salvos pela Graça e Misericórdia de Deus (Efésios 2:8-9). Sendo assim, nossa cidadania/política deve ser alicerçada neste ato. Devemos agir de maneira digna do Evangelho de Cristo não para sermos salvos, mas porque somos salvos. Portanto, não há mérito nenhum nisso.

A liberdade individual que o ideário de direita pleiteia é, em uma de suas variantes, desprovida de autoridade. Logo, não é liberdade. Conforme Montesquieu preconizou: “O homem é livre para fazer o que a lei o permite fazer”. Trata-se, como alguns mesmos afirmam, de libertarianismo. Nesta proposta não há nenhum elemento regulador. Qualquer tentativa de regulação que não seja o próprio exercício desta libertinagem é considerada como intervencionismo. Não podemos deixar de observar, contudo, a proposta ditatorial existente por trás da intervenção do Estado comunossocialista.

A liberdade que o cristão deve viver, por sua vez, é pautada na autoridade de um padrão ético. Por isso Jesus afirmou: “Conhecereis a verdade, e a verdade os libertará.” (Evangelho segundo João 8:32). Não há liberdade desprovida da Verdade, que é o próprio Cristo (Evangelho segundo João 14:6). Ser livre em Cristo é estar livre do domínio do pecado e de tudo que nos impede de realizar a vontade de Deus a nós sobre a terra a fim de que Seu nome seja glorificado e Seu Reino estabelecido (Evangelho segundo Mateus 16:18). Qualquer liberdade que não esteja nela pavimentada é escravidão ególatra.

O apóstolo Paulo advertiu: “Irmãos, vocês foram chamados para a liberdade. Mas não usem a liberdade para dar ocasião à vontade da carne; ao contrário, sirvam uns aos outros mediante o amor.” (Gálatas 5:3). O apóstolo Pedro reiterou: “Vivam como pessoas livres, mas não usem a liberdade como desculpa para fazer o mal; vivam como servos de Deus.” (I Pedro 2:16). E não podemos deixar de falar do individualismo monetário. Este ponto merece uma reflexão a parte que faremos em outro momento.

Já a esquerda... Seus prosélitos confundem justiça social com igualdade social, comunidade com comunismo, coletividade com coletivismo e individualidade com individualismo. Desconsideram o princípio de propriedade privada dado por Deus, atrelado à Sua mordomia, do exercício político do ser humano. Querem acabar com ela sob o pretexto de ser a causadora da desigualdade social e de todas as mazelas do mundo. O resultado é automático: agigantamento do Estado e a miséria da população a ele submetida. Cuba e Venezuela são exemplos. No marxismo, em suas diversas vertentes, além da religião ser considerada o ópio do povo, o pecado não é considerado. Culpa é algo que o ideário de esquerda não acalenta. Pois a culpa é sempre do sistema opressor. Mas quem é o opressor? Todo aquele que o contraria.

Quando Marx elaborou tal teoria, a burguesia (que classificou, em sua dialética materialista/histórico, como classe opressora do proletariado) era vista como a infraestrutura do Estado. A superestrutura era a Igreja cristã, ou melhor, o cristianismo. Assim, para acabar com as mazelas sociais vistas em seu tempo, Marx propôs, através do levante popular violento, que ele mesmo chamou de holocausto revolucionário, acabar com o cristianismo e fazer sucumbir a Igreja. Seria um efeito cascata. Ruindo a Igreja e a moral judaico-cristã, representada pelo cristianismo, não haveria mais pilar de sustentação do Estado, resultando na dissolução da ordem política e econômica da burguesia. Instalado o caos, estaria preparado o terreno para o estabelecimento da revolução comunista.

Qualquer semelhança com a atualidade não é mera coincidência. Não é em vão que a legislação, a educação e a cultura estatais atuais são frontal e claramente anticristãs. Atualmente, a revolução não se dá através do levante popular violento, como queria Marx. Mas através dos meios sociais, conforme propôs os representantes da escola de Frankfurt; através dos meios culturais, institucionais e políticos, conforme propôs Antonio Gramsci; através da educação pedagógica, conforme propôs Lev Vygotski, John Dewey e Jean Piaget; e através dos meios econômicos, conforme preconizou Lênin e Keynes.

Não há como exercer uma cidadania digna do Evangelho de Cristo coadunando com tais ideologias frontalmente contrárias à teonomia exercida por Cristo e pelos apóstolos.

terça-feira, 14 de junho de 2016

Cristianismo e política - Parte I

Matheus Viana

A oração sacerdotal feita por Jesus foi enfática: “Não rogo que os tires do mundo, mas que os protejas do maligno.” (Evangelho segundo João 17:15). Nela está inserida a relação entre o cristianismo e o que conhecemos como política.

Desde que o ser humano se apartou de Deus, ele se tornou, conforme preconizou Aristóteles, um ser político. O que isto significa? Que o homem passou a elaborar, por si mesmo, seu modus vivendi. Pois, conforme o próprio Deus estabeleceu a partir de Adão: “Do suor do teu rosto comerás.” (Gênesis 3:19). Antes do pecado, o homem obedecia a ética e o propósito de Deus sobre ele. E baseado nestes aspectos exercia cultura, ou melhor, realizava o culto racional.

Com o surgimento das diversas civilizações, Deus escolheu uma família: Abrão e Sarai, para, a partir dela, erguer para Si um povo exclusivo e Se revelar perante os demais povos (Gênesis 12:1-3). No processo de formação da sociedade hebraica, Deus estabeleceu leis e normas necessárias para tal finalidade. Elas eram a demonstração de um modelo de governo: o teocêntrico. Este também era o modelo que regia as demais sociedades pautadas em suas respectivas divindades, no caso das politeístas, e conjuntos de leis. Fato que demonstra a existência do que é chamado de senso religioso. Logo, não há como desvencilhar este senso do exercício da política. As premissas que constituem o estabelecimento de um Estado laico, conforme veremos posteriormente, são religiosas. Um paradoxo.

Cultura é a relação do homem com o ambiente em que vive. Ela não existe sem normas, que podem ser transformadas em leis. Rousseau disse que não é possível organizar uma sociedade sem o que chamou de contrato social. E não há contrato social sem leis. Esta organização e a consequente observação pelos membros de determinada sociedade são chamadas de política.

O cristianismo é teonômico. A política que rege o cristão é pautada na Lei (vontade e propósito) de Deus estabelecida no coração humano (Salmos 119:11, Jeremias 31:31, Gálatas 2:20). Ou seja, seus atos individuais e coletivos (sociais) são pautados pela Vontade de Deus revelada em Sua Palavra e plantada no interior do homem pelo Espírito Santo.

Paulo exortou os cristãos de Filipos dizendo: “Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo.” (Filipenses 1:27). A expressão traduzida como cidadania é politeúeste, que tem origem na expressão polités, traduzida como cidadão. Dela também se derivam as expressões politiké/politikós, traduzidas como política. Sendo assim, cidadania e política são a mesma coisa. 

Paulo, então, nos exortou a exercemos a nossa cidadania, ou seja, fazermos política, e não nos omitirmos. Contudo, tal exercício não deve ser de acordo com o padrão dos homens, mas de acordo com a ética do Evangelho de Cristo que não é um conjunto de meros escritos, mas da Lei de Deus e do Legado do próprio Cristo (Evangelho segundo João 5:39, 6:63). Ou seja, viver como Ele viveu (Romanos 8:29), fazendo e ensinando o que Ele fez e ensinou (Atos 1:1). O fato de Jesus ser o pleno cumprimento da Lei de Deus (Romanos 10:4) não é em vão. Ele é a personificação desta convergência por ser a nossa teonomia. Nele deve estar baseada a nossa cidadania.

Sendo assim, nossa cidadania/política deve ser completamente desprovida de ideologias humanas. Sobre isso, o mesmo apóstolo reiterou: “Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam em tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo.” (Colossenses 2:8).

O espectro político brasileiro – e em muitos países em todo o mundo - é polarizado, mesmo após a queda do muro de Berlim em 1989 e o fim do império soviético, entre as ideologias de direita e de esquerda, gravitando entre simpatizantes do que é conhecido como centro. Grosso modo, a ideologia de direita preza pela liberdade e a meritocracia individuais. Já a esquerda pleiteia a utopia da economia planificada através da supremacia estatal, tendo como intermediário o que Karl Marx chamou de ditadura do proletariado. O fato de que toda prática política é baseada no senso religioso fica evidente na construção de deuses como instrumentos para o alcance de determinados objetivos. Os de direita têm como deuses o mérito, a liberdade e o dinheiro. Já os de esquerda têm o Estado e o ideal revolucionário como entes a serem cultuados.

Ambas ideologias não coadunam com o Evangelho de Cristo. Veremos, em breve, alguns argumentos que fundamentam tal fato.

Continua...

terça-feira, 7 de junho de 2016

Frutos de arrependimento

Matheus Viana

A mensagem de João, o batista, era clara e sucinta: “Deem fruto que mostre o arrependimento.” (Evangelho segundo Mateus 3:8). Não há como dissocia-la do cristianismo. O apostolo Paulo, seguindo este mote, preconizou: “A tristeza segundo Deus não traz remorso, mas sim um arrependimento que leva à salvação...” (II Coríntios 7:10).

Não há conversão sem arrependimento. Pois um é causa (arrependimento) e o outro é o efeito (conversão). Mas embora seja causa, arrependimento também é um efeito. É a síntese de um processo que começa com a consciência (reconhecimento) do pecado, passa pela confissão (quebrantamento) e aflora na mudança de atitude. Sendo assim, arrependimento começa na mente, o primeiro elemento humano degradado pelo ardiloso argumento da serpente, a fim de atingir o coração (Provérbios 4:23) e ser demonstrada por ações (Tiago 1:22). Isto é culto racional.

Não foi em vão que os registros contidos no Evangelho segundo Mateus e nas cartas de Paulo trazem o termo metanoia para se referir ao arrependimento. Metanoia é mudança de mente. Mas mudança para melhor. A tradução literal do termo é além da mente. Assim sendo, arrependimento não é, em primeiro lugar, produto do racionalismo. A mente humana, por si só, não é capaz de produzi-lo. Arrependimento é o Espírito Santo agindo na mente humana, conforme Jesus advertiu, convencendo o homem de seu pecado e, consequentemente, da justiça e do juízo de Deus (Evangelho segundo João 16:8).

Metanoia é ter a nossa mente transformada para, a partir de então, ser submissa ao conhecimento de Cristo (II Coríntios 10:5). Ambos se dão através da análise, entendimento e conhecimento das Escrituras. Não foi em vão que Jesus afirmou: “Examinai as Escrituras, pois elas de mim testificam.” (Evangelho segundo João 5:39).

Presenciamos um evidente crescimento demográfico de cristãos. Mas, ao contrário de outros momentos da história, ele não tem gerado os efeitos esperados e devidos. Não temos feito diferença nas sociedades as quais a Igreja está inserida pelo fato de que grande parte do atual contingente cristão não passou por uma experiência de conversão. E tal fato se dá por não haver um verdadeiro processo de arrependimento. Este, por sua vez, não ocorre porque o Evangelho de Cristo não tem sido disseminado.

O que vemos atualmente são arremedos de um cristianismo travestido de autoajuda ou de uma filosofia conveniente aos ouvintes. Foi sobre esta realidade que o apóstolo Paulo elucidou: “Pois virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos” (II Timóteo 4:3-4). Este tempo chegou!

Os que se dirigiam até as margens do Jordão para ouvirem e serem batizados por João conheciam a Lei dada por Deus através de Moisés, mas não a praticavam de acordo com a vontade de Deus, como sinal de arrependimento. Logo, tal observância não passava de ritualismo frívolo. Foi então que Deus, através de João, declarou: “Quero que vocês demonstrem, com suas atitudes, o quanto estão arrependidos.” (Cf. Evangelho segundo Mateus 3:8). Deus não tolera justificativas e reivindicações, apenas arrependimento demonstrado por suas atitudes. Qualquer ação destoante deve ser rechaçada: “O machado já está posto à raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e lançada ao fogo.” (Evangelho segundo Mateus 3:10).

O discurso de Jesus tem o mesmo tom. Disse certa vez aos seus discípulos: “Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele corta...” (Evangelho segundo João 15:3). Veja que Jesus afirma dois aspectos fundamentais: Ele é a videira e o Pai é o agricultor. Nossas ações devem ser resultantes de arrependimento. Apesar de fundamental, tal fato não é suficiente. É preciso que nossas ações sejam produtos do fato de nossa vida estar alicerçada em Cristo. Em linguagem aristotélica, nossos atos devem ter Jesus como potência. Traduzindo, devemos fazer e ensinar o que Jesus fez e ensinou como resultado de sentirmos (Filipenses 2:5, o que não é um mero sentimento) e pensarmos como Ele (I Coríntios 2:16).

Além disso, Deus – o Pai – deve ser o agricultor. É Ele quem efetua em nós o querer e o realizar (Filipenses 2:13). Nossas ações não devem ser frutos de nossos desejos próprios com suas devidas conveniências. A obra é Dele. A colheita é para Ele. Sendo assim, qualquer vanglória humana não tem lugar nem sentido.

Diante disto, reflita: Tens produzido frutos de arrependimento?